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12/09/2016

   
Marcelo Alves
12 de setembro às 18:21
 
Minhas livrarias em Buenos Aires (II)

Como prometido na semana passada, quando iniciei este nosso “tour” por livrarias e sebos de Buenos Aires, hoje apresento mais alguns dos meus “achados livrescos” – penso que os melhores – na capital argentina. 

E se na semana passada comecei partindo do microcentro da cidade em direção ao bairro da Recoleta, hoje faço o caminho inverso, partindo da região mais afastada de Palermo (Soho e Hollywood), para, ao final, como vocês verão, retornar ao centro da cidade. 

Palermo (especialmente suas subáreas apelidadas de “Soho” e “Hollywood”) fica a nordeste do centro de Buenos Aires. Assim como a Recoleta, embora não tão central, é “cool”, chique e ao mesmo tempo descolada, com comércio e vida noturna animadíssimos. Seus bares e restaurantes (gostei demais do La Cabrera) são do balacobaco. Para chegar lá, além da opção do táxi, sugiro tomar um metrô até a estação Plaza Italia e caminhar sentido norte, pela Calle Thames, perdendo-se aqui e acolá – como animadamente fizemos, finzinho de tarde, por sugestão minha – até a Praça Cortázar, em torno da qual a coisa ferve. Foi nessa caminhada que, sem intenção alguma, topamos com várias livrarias, algumas misturas de bistrô (com bons vinhos e comida), cafeteria e comércio de livros, todas agradabilíssimas. Eis as que mais gostei: Libros del Pasaje (Calle Thames, 1762), Dain Usina Cultural (Calle Nicaragua, 4899) e Eterna Cadencia (Calle Honduras, 5582). Mas são muitas as opões de livrarias, quase todas nesse mesmo estilo, por esse bairro da moda. Caminhe sem neura, escolha a(s) do seu agrado e, sem pressa, desfrute a coisa. 

Encerrada a perambulação por Palermo, minha sugestão é que retornemos ao centro da cidade, de preferência na manhã do dia seguinte, para uma visita à livraria mais interessante – essa é minha opinião – de Buenos Aires: a Librería de Ávila, que fica no número 500 da Calle Adolfo Alsina, no tradicional bairro de Montserrat (estações de metrô Bolivar, Peru ou Plaza de Mayo). Antes de mais nada, a Librería de Ávila é cheia de história. Ocupa o local onde outrora funcionou a famosa Librería del Colegio (assim denominada em homenagem ao Colegio Nacional de Buenos Aires, a instituição de ensino mais antiga da Argentina, fundada pelos jesuítas), oficialmente aberta em 1830 e tida como a primeira livraria de Buenos Aires (entretanto, registre-se que, antes mesmo de 1830, funcionou no local um estabelecimento comercial, chamado “La Botica”, que vendia de tudo, inclusive livros). Políticos (incluindo Presidentes da República), cientistas, intelectuais e, sobretudo, os grandes escritores argentinos de outrora foram habitués da Librería del Colegio. O prédio original foi demolido em 1926 e outro, mais pomposo, foi no seu lugar erguido. De toda sorte, o local restou relacionado às letras. Na década de 1990, o livreiro Miguel Ávila (que dá nome à “nova” livraria) comprou o negócio. Recuperou o prédio com um trabalho minucioso. Comercializando livros novos, seminovos e usados, o acervo da Librería de Ávila é grande e variado. Há toda uma sessão de livros raros e esgotados (mas isso fica para os entendidos nessa arte). E há muita coisa de história (sobretudo argentina e latino-americana), filosofia, antropologia, linguística, literatura, cinema, nas ciências humanas em geral, pode-se dizer. “Declarada Lugar Histórico Nacional por decreto de la Presidencia de La Nación y Sitio de interés cultural por el Gobierno de la Ciudad de Buenos Aires” (como consta da sacola que ela disponibiliza para carregar os livros adquiridos), a Librería del Colegio/de Ávila é realmente imperdível para os amantes de livros. E isso sem falar que na sua vizinhança estão algumas das mais famosas atrações da cidade, como o lindo Cabildo de Buenos Aires, a Catedral Metropolitana, Plaza de Mayo, a Casa Rosada, o Manzana de las Luces, o Mercado de San Telmo, o já citado Colegio Nacional de Buenos Aires e por aí vai. 

Por fim, antes de encerramos o dia, devemos ir em busca das livrarias jurídicas, muito embora seja a contragosto, eu logo confesso, que deixo Librería de Ávila e os seus arredores em busca de livros tão enfadonhos. A vantagem é que, para tanto, não precisamos sair do centro de Buenos Aires. As livrarias jurídicas se concentram ali, perto do Obelisco, quase por detrás do Teatro Colón, mais precisamente ao derredor do Palácio de Tribunales. É muito fácil chegar lá a pé (estando ali pelo centro, é claro) ou tomando o metrô para a estação Tribunales. 

De logo, posso sugerir pelo menos três ótimas livrarias jurídicas nessa região (mas por ali há outras, é certo), quase vizinhas uma da outra, que, para nossa felicidade, aceitam pesos, dólares e reais (nos dois últimos casos com uma conversão muito boa para nós). A primeira delas é a Cathedra Jurídica, que está no número 1280 da Calle Lavalle. Não é grande nem pequena. Mas tem um acervo de livros técnicos muito bom, em vários ramos do direito, notadamente os ramos mais novos dessa ciência. Foi ali que comprei, não sei bem o porquê (suspeito que inconscientemente com saudade do meu cão querido, o grande Capote), os livros “El derecho de los animales” e “Los animales no humanos”, que, qualquer dia desses, leio e comento para vocês. Esse novo ramo do direito, sem dúvida, é promissor. No número 427 da Calle Talcahuano fica a Librería del Jurista, que, além de livros de direito, vende também, embora em menor quantidade, títulos de economia, história e outras ciências mais. É pequenina, mas contém coisas interessantes a um preço muito bom. Acho que foi ali, mas posso estar enganado, que comprei o livro “Tres jueces”, que contém o conto/novela, “El juez Surra”, de grande Andrea Camilleri (1925-). Na interdisciplinariedade entre direito e literatura, onde hoje milito, isso foi um achado. E na mesma Calle Talcahuano, no número 485, fica a livraria/editorial IBDEF. Também não é grande. Mas é excelente. Tão boa que ali acabei comprando um livro em português, publicado no Brasil por Ricardo Lenz Editor, “Os Criminosos na Arte e na Literatura”, do penalista e criminologista italiano Enrico Ferri (1856-1929), que há muito tempo desejava. Curiosíssimo o livro de Ferri, para dizer o mínimo. 

Entretanto, o melhor mesmo na região são as bancas (tipo bancas de jornal) que, levando em consideração a histórica desvalorização do peso argentino, vendem livros jurídicos, novos e usados, a preços (quase) de banana. Foi ali que adquiri, novinho em folha e muito barato, uma verdadeira preciosidade (que sequer tinha ouvido falar): o livro “Imaginar la ley: El derecho en la literatura”, organização de Antoine Garapon y Denis Salas e publicado pela Editorial Jusbaires com o apoio do Poder Judicial de la Ciudad de Buenos Aires/Consejo de la Magistratura. E se existe uma coisa que me arrependo na minha estada em Buenos Aires foi não ter reservado mais tempo para garimpar preciosidades naquelas maravilhosas bancas. 

E dito isso, já exausto, paro por aqui. É hora de um bife de chorizo e umas (muitas, talvez) “copas” de vinho. Ponto final. 

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

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