RELEMBRANDO FERNANDO
ABBOTT GALVÃO
Valério Mesquita*
O Rio Grande do Norte não pode esquecer um dos seus filhos mais ilustres.
O embaixador Galvão, como era conhecido nos meios do Itamaraty, exerceu a carreira
de forma ativa e permanente, após obter a primeira colocação em sua turma no
Instituto Rio Branco em 1953. De família tradicional do estado, logo cedo
revelou seus pendores para a vida diplomática. A dignidade pessoal, a seriedade
com que enfrentava obstáculos, a fidelidade aos princípios filosóficos que acreditava e a firmeza como
defendia seus pontos de vista, foram os pontos cardeais, de sua vida. Testemunhei
mais de perto, quando, por algum tempo, fui alvo com outros amigos da fidalguia
com que nos recebia semanalmente em sua casa, no alto da Candelária.
Presenciou fatos que hoje
comumente encontramos em livros de história, como o famoso protesto do líder
soviético Nikita Krustchev na Assembléia Geral da ONU e a guerra civil em El
Salvador. Interagiu com personalidades de reconhecido relevo histórico, como o
escritor Guimarães Rosa; os ex-presidentes brasileiros Getúlio Vargas e Café
Filho; com o ex-secretário-geral das Nações Unidas Dag Hammarskjöld; e o
ex-presidente português Mário Soares. Serviu em representações brasileiras em
Nova York (junto às Nações Unidas), Caracas, Lisboa (por duas vezes – uma na embaixada
e outra como cônsul-geral), Zurique (como cônsul-geral), São Salvador (como embaixador)
e Lagos (como embaixador, à época em que a cidade ainda era capital da
Nigéria).
Na fisionomia austera, escondia a bonomia de gostos e de gestos na arte
de receber ao lado da companheira por toda vida Sônia Bezerra Galvão. Eram nas
tardes de terça-feira – que pontificavam Clemente Galvão (seu devotado irmão),
Antomar Ferreira de Souza, Lauro Gonçalves Bezerra, Kleber de Carvalho Bezerra,
Jácio Fiúza, José Silveira Pinto e eu (formando a “bancada pessedista), o
“bispo de Taipu”, Inácio Magalhães de Sena, José Anchieta e Marcelo Carvalho. A
pauta era livre e a bronca também. Da cultura a política, do memorialismo aos
usos e costumes. Permeava as discussões um lanche saboroso que apascentava a
disposição dos confrades. Ao cair da tarde, quando luzia lá fora a primeira
estrela vespertina, anunciando a noite de Natal, voltávamos todos as nossas
casas, guardando o aceno e o sorriso do anfitrião.
Recentemente, o mestre Fernando Galvão lançou o livro “O Diário de
Jonathas Abbott”, seu
trisavô, prefaciado pelo embaixador Rubens Ricúpero, que mereceu destaque de
página inteira na revista “Veja”
e comentários nos dois jornais de maior circulação do país, a “Folha de São
Paulo” e “O Globo”.
A sua família hoje é detentora
da maior tradição no Itamaraty, vez que já está na terceira geração de
diplomatas. Além do embaixador, seus dois filhos, um sobrinho, seu genro e
agora um neto são diplomatas. Seu filho mais velho, Marcos, é embaixador e secretário
de assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda. O mais novo, Luís
Fernando, é cônsul-geral adjunto em Miami. Seu genro é ministro-conselheiro na
Missão do Brasil junto às comunidades européias, em Bruxelas. Quanto ao seu
neto, este ingressou na carreira diplomática em 2008, revelando, desde já,
incontestável vocação.
O seu amor a Natal onde viveu a infância e grande parte da juventude, o
fez retornar às raízes para desfrutar da aposentadoria ao lado dos amigos e
parentes. Foi um cidadão do mundo mas a Cidade do Sol era o seu universo, até
acolhê-lo ao solo para o descanso eterno.
(*) Escritor.
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