A assunção de competência
Tenho escrito, nas últimas semanas, sobre a valorização dada pelo
novo Código de Processo Civil ao denominado “direito jurisprudencial”.
Com já disse aqui, o NCPC, expressamente, deixa clara sua
preocupação com a uniformidade e a estabilidade do “direito
jurisprudencial”, ao afirmar, em seu art. 926, caput, que “os tribunais
devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e
coerente”. E, no sentido de valorizar o direito jurisprudencial, o NCPC
faz uso de novos institutos, às vezes inovando completamente o direito
processual, às vezes apenas aperfeiçoando práticas antigas de
reconhecido sucesso.
Há duas semanas, escrevi aqui sobre um desses novos institutos: o
incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR, previsto nos
arts. 976 a 987 do NCPC.
Hoje chegou a hora de tratarmos de outro instituto (que aperfeiçoa o
que já constava do art. 555, §1º, do CPC de 1973): o incidente de
assunção de competência, regrado no art. 947 (e seus parágrafos) do
NCPC, que tem lugar em processos envolvendo relevante questão de
direito, com grande repercussão social, mas sem repetição em múltiplos
processos (e isso é um ponto bastante distintivo em relação ao IRDR).
Por meio do incidente de assunção de competência, visando fomentar a
qualidade, a uniformidade e a estabilidade jurisprudencial, o
relator/órgão fracionário de tribunal, competente originariamente para o
julgamento de recurso, de remessa necessária ou de processo de
competência originária, poderá submeter esse julgamento a um órgão
colegiado ampliado, pré-determinado no regimento interno do próprio
tribunal.
É isso que dizem o caput e § 1º do art. 947 do NCPC: “Art. 947. É
admissível a assunção de competência quando o julgamento de recurso, de
remessa necessária ou de processo de competência originária envolver
relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem
repetição em múltiplos processos. § 1º Ocorrendo a hipótese de assunção
de competência, o relator proporá, de ofício ou a requerimento da parte,
do Ministério Público ou da Defensoria Pública, que seja o recurso, a
remessa necessária ou o processo de competência originária julgado pelo
órgão colegiado que o regimento indicar”. Anote-se ainda que, segundo o §
4º do art. 947, ele (o art. 947) é também aplicável “quando ocorrer
relevante questão de direito a respeito da qual seja conveniente a
prevenção ou a composição de divergência entre câmaras ou turmas do
tribunal”, ou seja, para prevenir/estancar os (tão corriqueiros) casos
de divergência entre órgãos fracionários componentes do mesmo tribunal.
Algumas observações podem ser feitas à luz dos dispositivos acima
reproduzidos: (i) o “novo” incidente de assunção de competência não faz
discriminação entre as modalidades recursais. Fala apenas em recurso,
nos levando a crer que é pertinente com qualquer tipo de recurso, além
dos casos de remessa necessária e de processo de competência originária
de tribunal; (ii) além da possibilidade de instauração do incidente de
oficio pelo relator, são também legitimados para propor essa instauração
a própria parte, o Ministério Público e a Defensoria Pública
(registre-se, nesse ponto, em comparação com a disciplina do Código de
1973, uma maior participação no incidente dos demais atores
processuais); (iii) a situação jurídica ensejadora do incidente de
assunção de competência deve ser relevante, com grande repercussão
social, mas não necessariamente repetida em mais de um processo (como é o
caso do IRDR), muito embora essa possibilidade (de repetição) exista
potencialmente; (iv) cabe ao regimento interno do respectivo tribunal
previamente indicar o órgão colegiado competente para o julgamento do
incidente de assunção (que pode ser o Pleno do tribunal, a Seção Cível, a
reunião das câmaras cíveis e por aí vai).
É verdade que, em consonância com o § 2º do art. 947 do NCPC, “o
órgão colegiado julgará o recurso, a remessa necessária ou o processo de
competência originária se reconhecer interesse público na assunção de
competência”, o que deixa nas mãos do órgão colegiado maior a decisão
final sobre a própria pertinência do incidente de assunção. Mas isso é
natural, tendo em vista a maior colegialidade do órgão especificamente
apontado pelo regimento interno.
Por fim, o mais importante: segundo o § 3º do art. 947, “o acórdão
proferido em assunção de competência vinculará todos os juízes e órgãos
fracionários, exceto se houver revisão de tese”. É essa disposição que
tende a finalmente garantir a qualidade, a uniformidade e a estabilidade
do direito jurisprudencial do tribunal.
Bom, oxalá isso tudo dê certo!
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP
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