Navarro se espraia por nossos dias (Lívio Oliveira)
Todos os dias, invariavelmente, ponho-me logo cedo diante da janela do meu quarto e fico a (ad)mirar por entre os dois leques invertidos da Ponte Newton Navarro. Tenho a sorte de ver os azuis de Navarro daqui da minha “nuvem” (lembro do nome dado por Neruda a sua poltrona em Valparaíso), ao tempo em que enxergo toda a estrutura da ponte, que corre em perpendicular aos olhares que lhe aponto. Não deixo de afirmar que a estrutura arquitetônica é uma bela homenagem a um poeta, escriba mágico, bem como a um artista visual que sempre esteve em movimento, construindo ligações entre passado e futuro, entre o difuso das cores e formas e a edificação real ou surreal das palavras, que sabia usar na ponta do lápis e na ponta da língua. O texto e a textura. O real e a poesia. Navarro e Natal. E o mundo todo em Navarro. E suas descobertas “newtonianas” das belezas que há, onde nossa visão quiser e puder ver. E a homenagem da arquitetura da ponte se torna maior porque fincada em solo e águas da garganta que recebe mares da Europa, mares da África, mares da América.
Navarro é mar. É Atlântico e além. Navarro é rio. É Potengi e além. Além é Pacífico, Mediterrâneo, Tejo, Sena. É o fluido e colorido que corre na aldeia e o que foge para o encontro com o mundo, o rendez-vous inadiável. É o encontro de tudo isso com o céu azul e com seus chumaços de nuvens branquinhas, branquinhas. Navarro é a fortaleza nas vizinhanças. E é a suavidade delicada dos seus traços. É a madureza da sua palavra inteligente, ousada, viva de emoção e verdade. Navarro é a infância ingênua do sonho alimentado de eterno. Navarro vem em ondas, como o mar, para não esquecer jamais um outro grande poeta boêmio, Vinicius de Moraes, seu amigo, que também vivia de paixões, vivia sempre de paixões.
A paixão de Navarro era pela luz. Viveu para a luz e para a cor que era banhada por ela. A luz do sol que jogava raios dourados sobre o Potengi e sobre os muitos mares que circundam a nossa quase-ilha Natal. Navarro narrava a luz. E dizia o que ela era. Dizia e diz para todos os viventes, vez que sua obra permanece e se espraia, doando ainda e crescentemente o amor às formas sensuais, aos personagens bem desenhados em palavras ou traços.
Navarro existiu? Não existiu? É lenda? É mito? É realidade que teima em aquecer e enriquecer os seus conterrâneos e aqueles de terras distantes que incorporou ao repertório e à saga? Por que tão pouco vi Navarro? Saudades de uma única e valiosa conversa regada a cerveja num barzinho (nem sei se ainda existe) da Salgado Filho. Lembra, amigo e colega Fábio Hollanda, da aula que perdemos e da aula que ganhamos naquela noite boêmia em que saímos do Campus da UFRN e encontramos o mestre colossal numa solitária mesa e nos dispusemos a acompanhá-lo em longa conversa até a chegada do seu táxi previamente combinado?
E Navarro permanece. Permanece e está mais vivo, que é o que se dá quando o espírito é grandioso e a arte é marcante. “Ars longa, vita brevis”. Navarro é a própria ponte. Não está somente representado nela. É a ponte que permite ligar artes e tempos. Fico mais convencido e tranquilizado acerca disso quando vejo homenagens preciosas como o belíssimo livro organizado por Angela Almeida (“Newton Navarro – os frutos do amor amadurecem ao sol”, EDUFRN), recentemente lançado no espaço cultural da resistente e valorosa livraria da Cooperativa Cultural da UFRN, sob os auspícios do dedicado e íntegro professor Willington Germano, mostrando a continuidade corajosa dessa obra coletiva (a Cooperativa), orgulho para a UFRN e para o Rio Grande do Norte.
No livro publicado por Angela Almeida, que conta com muito competente projeto gráfico de Rafael Sordi Campos e de Wilson Fernandes de Araújo Filho, constam inúmeras fotos que a pesquisadora fez ao se debruçar sobre as obras em pintura de Navarro pertencentes a acervos diversos. Paisagens exuberantes e iluminadas, figuras humanas com seus ricos conteúdos em sentimentos e expressões, movimentos: o balanço lúdico das crianças, o balanço das pipas no ar, o balanço azul das ondas no mar, o balanço do pano das jangadas, o balanço da rede que engole a bola chutada em curva, o balanço das asas dos pássaros que sobrevoam Natal desde a Fortaleza dos Reis Magos até a saída para outras terras. E hoje temos outros autores/pesquisadores que, tão amorosamente quanto Angela Almeida, vêm fazendo um grande e imprescindível balanço da obra, em palavra e em imagem, de Newton Navarro, nosso artista múltiplo mais exuberante. Por uma razão somente: Navarro se espraia sobre todos nós, os que sabemos entender como ele foi grande nesta terra. E sempre teremos novas notícias dele. Não importa quanto tempo passe.
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