Gileno Guanabara, sócio efetivo do IHGRN
No momento
em que a esquadra real singrava a Baia da Guanabara levando D. João VI de volta
a Portugal, o príncipe regente, que acabara de assumir o poder imperial, lançou
um manifesto ao povo brasileiro, proclamando o seu programa de governo, premonição
do jogo que resultaria no grito do Ipiranga: respeito às leis; cuidado com os
juízes; comedimento quanto a Constituição a ser legislada pelas Côrtes; esforço
pela educação, pela agricultura e pelo comércio. Por fim, apelou à ordem. A transparência
já principiava a seguir, assegurou.
A cada dia posterior
ao regresso da comitiva real, no entanto, o quadro verdadeiro começou a revelar-se
de extrema penúria e gravidade. O comércio arrefecera sem consumidores e a
tristeza esvaziara os teatros e as ruas. A economia refluía sem fluxo do câmbio,
haja vista o desfalque de moeda, que a comitiva real saqueara dos cofres, antes
de se despedir, em depósito de ouro e prata, deixando o Banco do Brasil incapaz
de cumprir seus pagamentos. Tudo contribuía para levar em cascata a quebradeira
da economia. O pânico instalou-se com o aumento súbito dos preços dos alimentos
e dos aluguéis, uma espécie de inflação atualmente sentida, uma bancarrota que
parecia sem fim.
A
instabilidade tomou conta das Províncias, com inquietações, divisões e luta
política. Da Bahia, em direção ao Norte, as Províncias ora demonstravam
hostilidade à autoridade do Príncipe, ora se mostravam hesitantes entre o poder
das Côrtes e o Governo central. Em tudo se assemelhava à gravidade da
experiência sofrida pela família real, em 1808, quando trânsfuga, abandonou Lisboa
às pressas, com medo das tropas de Napoleão, transferindo uma trupe de
inoportunos funcionários, para o Brasil. Ao seu tempo, enquanto organizava as finanças
públicas, D. Pedro sequenciou outras providências: garantia da propriedade;
proibição do sequestro de bens particulares, em face de ônus fiscais; liberação
da importação de livros; abolição da censura à imprensa; proibição de prisão
sem culpa formada, salvo em fragrante; aboliu o castigo sob açoites e o emprego
de correntes, algemas e grilhões; e, por fim, responsabilizou juízes e
autoridades por abusos e excessos.
Ainda hoje se
discute se D. Pedro foi levado por acontecimentos tão imprevisíveis, havendo de
assumir tamanhas responsabilidades. Era como se delas tivesse pleno conhecimento,
ou não. Em carta ao pai reconheceu a grandeza do Brasil: Portugal é hoje em dia um estado de quarta ordem e necessitado, por consequência
dependente; o Brasil é de primeira e independente ( ... )
Uma vez que o Brasil está persuadido desta verdade eterna, a separação do
Brasil é inevitável, se Portugal não buscar todos os meios de se conciliar com
êle, por todas as formas.
Foram cartas diárias enviadas pelo Regente.
De início, revelavam um D. Pedro saudoso, amantíssimo e súdito fiel a El Rei,
seu pai, portador de um cauteloso respeito às Côrtes, sem vislumbrar mudanças graves
no cenário recebido: tudo no pé em que estava. Diante das
dificuldades financeiras que assumiu, no entanto, afirmava estar pronto a servir a nação e a sacrificar-se
pela pátria. Mas ao mesmo tempo lamuriava-se,
pedindo - por tudo quanto há de mais
sagrado, o dispensasse de semelhante emprego. Mais adiante, o Príncipe
Regente ponderava, quanto a realidade que teria de enfrentar: a independência tem-se querido cobrir comigo
e com a tropa (mas) nem com a tropa,
nem com êle conseguiriam jamais a independência, pois a sua honra era maior que
todo o Brasil. O recado dado, porém, sinalizava outro sentido: queriam e dizem que me querem aclamar
imperador..., assinalava o jovem Príncipe Regente. A sua preocupação diversionista era o de não se mostrar perjuro,
dizendo e fazendo crer que seria sempre fiel ao rei, à nação e à Constituição portuguesa.
Diante
da tratativa política por parte das Côrtes de recolonizar o Brasil, o Príncipe revelando-se
precavido, teria dito ao deputado do Brasil em Lisboa, Antônio Carlos, ao lhe
comunicar a pressão que se avolumava: Proponham
os deputados nas Côrtes o que quiserem, decretem, que tudo executarei
prontamente a bem da nação. Quatro dias depois de as Côrtes lhe ordenarem a
passagem do governo a uma Junta e o seu regresso para Lisboa, o Príncipe, mesmo
opinando não querer mais influir no Brasil, mudou de opinião, para afirmar: Se a Constituição é fazer-nos mal, que leve
o diabo tal coisa (...) Veja V. M. a que me expus pela nação e por V. M. Contraditoriamente,
apesar de manifestas as intenções, prevalecia o sentimento de não voltar à
Lisboa e, para isso, bastaria um pedido da Câmara de uma das Províncias,
ressalvando: Torno a protestar às Côrtes
e a V. M. que só a força será capaz de me fazer faltar ao meu dever, o que será
mais sensível neste mundo.
Enfim, não tardaria o desenlace da
dúvida exposta tantas vezes. Comunicou em carta ao pai que, através do
Procurador, as Câmaras, a nova e a velha reunidas, lhe solicitaram audiência, quando
lhe admoestaram, segundo anotou: (...)
que logo que eu desamparasse o Brasil, êle se tornaria independente e ficando
eu, êle persistiria unido a Portugal. Eis o dilema em que se amparava o
jovem Príncipe, ao que teria respostado: Para
bem de todos e felicidade geral da nação (...) diga ao povo que fico.
Em verdade, a verdadeira resposta que
deu o Príncipe a José Clemente foi o de conjugar as intenções da Coroa e os anseios
das Províncias do Centro-Sul, a fim de amenizar a reação das Côrtes: Convencido de que a presença da minha pessoa
no Brasil interessa ao bem de toda a nação portuguêsa, e conhecendo que a
vontade de algumas províncias assim o requer, demorarei a minha saída até que
as Côrtes e meu augusto pai e senhor deliberem com inteiro conhecimento das
circunstâncias que têm ocorrido. Uma decisão realmente dita com encômios e
sem arrogância.
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