Acauã
vai à Pitombeira
O
sertanejo quer esquecer o dia em que seus olhos contemplam a paisagem cinza de
sua dor: a jurema morta na caatinga; o açude na agonia de uma parede a represar
poeira de um solo queimado; o gado, na sua fraqueza, mugindo baixinho; e o
vaqueiro, por não ouvir o chamado da rês, sequer lhe deu a extrema unção de um
olhar triste.
Ainda
assim no sertão de pedra e de chão seco, a alegria chega com o clarão da lua.
Cavaleiros
e amazonas conferem os arreios. É dia de cavalgada à luz do luar. Tudo começa
no olho d’água do bico da arara. Maurício na sanfona faz a gente dançar um
xote. O intervalo marca o início das declamações.
Não
demora muito. As luzes do salão são apagadas. A lua vem surgindo bem devagar no
dorso da serra. Um cavaleiro faz confidências diante do rosto enluarado da
amazona apaixonada. A tênue luz da natureza se faz manto e envolve os amantes.
Meia
hora mais de prosa, verso e sanfona. A cavalgada começa pelos caminhos da
ribeira de acauã.
A
alegria toma conta da cavalgada porque a noite escondeu as matizes dos
desencantos. E o dia que mostrava ao sertanejo as folhas caídas do juazeiro era
um ontem de cinzas de coivara – passado a não ser lembrado.
Aqui
e acolá sob o som cadenciado do tropel da cavalgada, ouvia-se de um cavaleiro a
extensão sonora de sua emoção quando cantava canções de antigamente num suave:
“ontem ao luar, nós dois em plena solidão...”.
Cessa
o tropel. É hora da cachaça. Uma amazona se encanta com a lua beijando a pedra.
E o reflexo na sua alvura alumia o copo. Bebida a cana, o cavaleiro diz que os
fios do luar foram tecidos para guardar o corpo da sua amada mulher. Talvez por
isso seja o amor o sentimento que tecendo o carinho faça do coração a morada
eterna do luar como cobertor iluminado, guardando, a um só tempo, amante e
amada.
Mais
adiante, está o Ingá. E o bico da arara continua no alto da serra como atalaia
daquele recanto onde tombou Otávio Lamartine - o filho ilustre do seridó, numa
noite de 13 de fevereiro de 1935.
A
Cavalgada ali faz uma parada. A casa está do mesmo jeito. O chão nada mudou. O
terreiro recebe da lua um fio dourado de luar e, da cavalgada, um pouco de
silêncio. E alguém interrompe a ausência de conversa para dizer: “foi um ato
covarde!”.
O
tropel continua a sua marcha. Não muito longe, se vê a luz arte da Pitombeira.
Uma
encruzilhada! Alguns cavaleiros escolhem um caminho cujo destino era Carnaúba
dos Dantas – terra de Tonheca Dantas, compositor da mais bela valsa do Brasil –
Royal Cinema. A interseção de caminhos, numa cavalgada, impõe decisão, por
vezes, que nega ao séquito o destino almejado. Não é diferente quando, na
existência humana, ocorre a interseção de sonhos. O coração sentimental não
aprendeu a conviver bem com a simultaneidade lírica. Assim, o cruzamento de
expectativa amorosa implicará sempre em renunciar um desejo para salvar o
antigo amor.
Um
cavaleiro vai apressado avisar aos demais da cavalgada que aquele caminho não
tem como destino a Pitombeira - a Canaã da nossa acauã.
Reunidos
novamente, avistamos as luzes do terreiro da casa grande da Pitombeira. O
último gole da cachaça desce com a alegria de todos.
Chegamos!
A lua beijou o chão daquele canto, cobriu com seu manto luminoso o rosto
cansado mas feliz dos filhos da ribeira de acauã.
A
cavalgada à luz do luar por algumas horas se esqueceu da cor cinza da caatinga.
(À madrinha da cavalgada – Ana Paula de
Albuquerque)
Albuquerque)
Francisco
de Sales Felipe
Advogado
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