O A T H E N E U D E
T O D O S N Ó S
Gileno Guanabara
A Cidade do Natal lamenta a situação
atual do Atheneu Norte-riograndense. A par do registro da crise por que passa aquele
instituto de ensino, entretanto, ex-alunos ressaltam os professores eméritos, os
colegas vivos na memória, as lideranças, os embates, os desfiles cívicos e os
sonhos acalentados durante tantos anos de convivência por tantas gerações. Agora manifestam preocupações. Como ex-aluno,
componho a prédica no sentido de cultuar aquele educandário. Dizia o professor
Esmeraldo Siqueira que o Atheneu ensinava a arte de se defender e se enturmar
com os melhores, convivendo com os demais.
Houve tempo no Atheneu em que os
pretendentes de acesso frequentavam cursos preparatórios particulares, a fim de
se submeterem aos exames de admissão sob a tutela da Diretoria do Ensino, no
que se destacava a figura do professor Max de Azevedo. Se aprovado, vinha a matricula
sob os cuidados do inspetor Sergio Santiago. Havia biblioteca com farta
literatura universal e laboratórios de pesquisa à disposição. Rapazes no turno
matutino. Moças no turno vespertino.
No primeiro dia letivo, os calouros passavam
pelo trote de iniciação, em que eram sujeitos a tarefas que os expunham à
gozação. Lembro, quando criança, da balaustrada do Lactário da Saúde Pública, os
trotes dos calouros na Avenida Junqueira Aires, espichando gordura nas linhas
do bonde, o qual subia, descia e deslizava intermitentemente, à galhofa da
calourada. Depois o trote passou para a Praça Pedro Velho. As aulas começavam sempre
no dia seguinte.
Uma data comemorada, “o dia da
pendura” que logo se tornaria oficializada como o “Dia do estudante”. Naquela
data, os estudantes se refestelavam nos restaurantes ou bares, consumiam e, ao
final, diante das despesas ordenavam ao garçom que pendurasse no fiado os
valores respectivos. Fugiam em desbaratada correria, num salve-se quem puder, a
fim de não pagar a conta. Desde o tempo do Royal Cinema - Lauro Pinto e Augusto
Severo Neto registraram em suas crônicas - a algazarra praticada pelos jovens, repetida
depois na comemoração do Dia do estudante, quando os alunos tinham acesso
gratuito à sessão de cinema. A concessão não evitava que ocorressem tumultos,
fumaça de cigarros, traques, peido alemão, vaias e danos nas cadeiras do
cinema, tudo exercido em nome da comemoração.
A sede do Atheneu da Junqueira Aires
tinha a concepção arquitetônica à “belle epoque”, de acordo com a Natal do
início do século XX. Já o formato modernista em “X” do novo Atheneu, dizia-se,
correspondia a uma suástica estilizada (se posta em movimento circular), dada a
influência do integralismo à época de sua concepção. O último diretor, antes da
transferência para o bairro de Petrópolis, foi o professor Celestino Pimentel.
Austero sem ser autoritário, o professor Celestino se impunha pela razão de
suas reprimendas. Diante de uma travessura destacava o líder, a quem ordenava
fosse para casa e só voltasse passados tantos dias. O tempo desmotivava o
movimento. O professor Celestino residia na Rua da Conceição, esquina com a Praça
Padre João Maria, hoje um anexo do Instituto Histórico e Geográfico.
Professor emérito da cadeira de
Geografia, o Padre José de Calazans Pinheiro residia na Rua da Palha. O
registro de época diz que o padre Calazans fumava charutos durante as aulas.
Rigoroso nos ensinamentos, entretanto, não admitia que os alunos se
contrariassem com a baforada que emergia acre do tabaco que inalava. Ou o Cônego
Wanderley que provocava risos quando, contrariado com a derrota do Vasco, descontava
nos erros da decoreba da Catilinária de Cícero, e gritava: “pare seu burro”. De
saudosa memória os professores Olindina; Milton Amaral; Angélica; Crisan;
Rodrigues Alves; Rômulo Wanderley; Silvio Santos; João da Mata; Teresinha
Brito; Severino Bezerra; Evaldo; Jonas, Ivete; Amadeu e tantos outros.
Do Atheneu os estudantes partiram à
Câmara Municipal, fundos do Teatro Carlos Gomes, para ser aprovado o projeto do
Vereador Érico Hackratt, ano de 1959, lei do desconto (50%) nos transportes
coletivos e nos cinemas.
Outro professor que exerceu a direção
geral do Atheneu foi Protásio Melo. Lecionou diversas gerações, inclusive na
Sociedade Cultural Brasil Estados Unidos-SCBEUU. Descontraído durante as aulas,
Protásio emanava humor de suas tiradas de raro improviso. À quebra de um dos
bancos de madeira que compunham a sala de entrada, provocado pelo excesso de alunos
sentados, o professor Protásio glosou: “É o único banco que quebra por excesso
de fundos”.
De certa feita, convocado fui à
presença de Protásio que me admoestou sobre ocorrências durante as aulas de
Ivone Barbalho. Fiz ver ao professor que nada tinha a ver com os atos e os
autores do ocorrido, haja vista naquele dia não ter comparecido a sala de aula.
Retrucou-me que fisicamente não participara, mas que minha presença era
espiritual. Portanto, a punição estava confirmada.
Antes de seu falecimento, encontrei o
professor Protásio. Fiz uma revelação. É que por malandragem havia sido reprovado
na 2ª. Série do curso ginasial por dois anos consecutivos. Pelo regulamento -
disse a secretária - não era permitido renovar a matrícula. Deveria me
transferir para outra escola: “somente o diretor poderia ordenar a matrícula”.
Desci cabisbaixo a escadaria. Na saída, deparei-me com o professor Protásio a
quem expliquei a questão. Certamente – disse – era caso de transferência. Embargado,
mas “non tropo”, inopinadamente retornei e menti para a secretária: “o
professor Protásio autorizou fazer a minha matricula”. Sem nenhuma preocupação a
funcionária assim procedeu. Jamais me deixei reprovar outra vez. Feita a
revelação, o professor Protásio riu e me absolveu por via da prescrição e da bondade.
Foram assim e serão o Atheneu, os mestres e os seus alunos.
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