03/11/2020

 Marcelo Alves


Um lugar
Grandes cidades são frequentemente cenários de filmes, séries e assemelhados. Os exemplos são incontáveis. Lembremos das urbes mais badaladas: Nova York, Londres, Roma e, claro, Paris. Em razão disso, até se criou um tipo de literatura de viagens voltada para o amante da sétima arte. Fomentam uma espécie de turismo cultural, através de guias e livros, direcionados àqueles que querem curtir a cidade visitando as locações do cinema. Peguemos, por ora, o exemplo de Paris. Tenho em mãos dois livros: “Le guide Paris des filmes cultes” (Bonneton Edition, 2008), de Marc Lemonier, e “Paris fait son Cinéma” (Éditions du Chêne, 2012), de Barbara Boespflug e Beatrice Billon (fotografias de Pierre-Olivier Signe). Como esses, sobre outras metrópoles, há dezenas. Podem procurar.
Em alguns casos, essas grandes cidades são mais do que cenários, são as “personagens principais”, quase como que dominando toda a fotografia e o enredo do filme. Um exemplo disso é “Meia-noite em Paris” (“Midnight in Paris”, 2011), que assisti estes dias quase “profissionalmente”, para poder escrever este riscado.
Com roteiro e direção de Wood Allen (1935-) – homem do cinema, diretor, roteirista/escritor, ator e outras coisas mais –, “Meia-noite em Paris” mistura comédia, fantasia e romance. Tem no elenco Owen Wilson (que faz o papel principal do escritor Gil Pender), Rachel McAdams, Marion Cotillard, Carla Bruni, Kathy Bates, Léa Seydoux e Adrien Brody, entre outros. Foi indicado ao Oscar em algumas categorias, tendo vencido como melhor roteiro original. O filme gira em torno da estada da personagem Gil Pender – roteirista de Hollywood, mas que sonha ser romancista –, junto com a chatérrima noiva Inez e a família desta, em Paris. O dia é curtido na Paris de hoje. Mas em seus passeios solitários noturnos, bêbado numa primeira vez, Gil é levado, sempre à meia-noite, a uma Paris dos anos 1920, lugar e época que ela acredita serem de ouro. Lá ele encontra seus mitos: F. Scott Fitzgerald e Zelda, Ernest Hemingway, Gertrude Stein, T. S. Eliott, Picasso, Salvador Dali, Luis Buñuel e muitos outros gigantes. E Gil até se apaixona pela bela Adriana, que, dos anos 1920, deseja viver na Belle Époque. Há bastante nostalgia no filme, embora, ao final, a mensagem subliminar seja de que não devemos cair na ilusão de um passado de ouro, sejam os anos 1920 ou a Belle Époque. Devemos viver o nosso tempo, com as nossas próprias memórias, o nosso presente e o nosso futuro.
O filme é uma verdadeira celebração de Paris, a de hoje e a dos anos 1920 (com a exceção da cena que retorna à Belle Époque), que “protagoniza” a estória. Tem Paris para todo gosto: o Jardim de Luxemburgo, o Sena e suas pontes, a Igreja de Saint-Étienne-du-Mont, o Museu Rodin, a livraria Shakespeare and Company, o Hotel Bristol, a antiga casa de Gertrude Stein na Rue de Fleurus e por aí vai. Muitíssimos lugares para o turista conhecer e aproveitar.
“Paris fait son Cinéma”, por exemplo, discorre sobre o restaurante Paul, que fica no coração da Paris histórica, na Île de la Cité, na linda Place Dauphine: “graças a sua decoração parisiense retrô, Wood Allen pôde fazer dele cenário de uma das cenas noturnas mais românticas do seu filme”. Cita o Hotel Bristol, nos Champs-Élysées, onipresente no filme e na sua produção. Tem ainda a Deyrolle, famosa maison de taxidermia, na Rue do Bac, entre Saint-Germain Prés e os Invalides. E o deveras nostálgico restaurante Polidor, “a dois passos do [Teatro] Odéon”, que é “um verdadeiro cartão-postal de Paris”. Tem mais, claro. Questão do gosto das autoras, acredito.
Bom, caro leitor, qual o seu lugar em Paris? De ontem ou de hoje, presente ou não em “Meia-noite em Paris”?
De minha parte, vou repetir a declaração da mãe do meu pequeno João quando fomos juntos pela primeira vez a Paris: “Eu que pensava que o melhor de Paris era Paris”. A companhia importa muito. E, saudoso, voltarei mais no tempo, para, como homenagem a quem tanto devo, escolher a discreta Rue Cambon, no 1º arrondissemant, entre o Jardim das Tuileries e a Igreja da Madeleine. Pois ali, num hotel honesto, eu passei a minha primeira meia-noite em Paris, menino de calças curtas, na companhia dos meus pais. Um tempo que, infelizmente, não volta mais.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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