Centenário de Dom Eugênio Sales
Padre João Medeiros Filho
No dia 8 de novembro, transcorreu o centenário de nascimento de Dom
Eugênio de Araújo Sales, primeiro e único potiguar elevado à dignidade
cardinalícia. A tradição eclesiástica denomina os cardeais “Príncipes da
Igreja”, título dado pelo Papa Bonifácio VII, cujo pontificado decorreu
entre 1294 e 1303. Ao longo da história da Igreja, foram criados três graus do
cardinalato: cardeais bispos, presbíteros e diáconos. Os primeiros são
responsáveis por dioceses circunvizinhas de Roma. Em geral, desempenham funções
em órgãos do Vaticano. Há os cardeais presbíteros, titulares de algumas
basílicas e igrejas romanas, não necessariamente residentes nos territórios
pontifícios. Dom Eugênio foi cardeal
presbítero da Igreja de São Gregório VII. Nomeado por Paulo VI, no consistório
de 28/04/1969, tornou-se cardeal primaz do Brasil. À época, era arcebispo
metropolitano de Salvador, na Bahia. Dois anos depois, foi transferido para o
Rio de Janeiro, conservando a mesma igreja cardinalícia, apesar dos dignitários
cariocas, por tradição, ocuparem a Basílica de São Bonifácio e Santo Aleixo, em
Roma. Por antiguidade, Dom Eugênio tornou-se cardeal protopresbítero entre os
155 pares. Os cardeais diáconos, primitivamente vinculados a igrejas dos
arredores de Roma, eram encarregados de tarefas sociais e caritativas.
Atualmente, há 219 purpurados (nove brasileiros), sendo 120 eleitores do papa,
prelados com idade inferior a oitenta anos.
Etimologicamente, a palavra príncipe vem do latim “princeps” e significa
o primeiro. Não precede apenas na ordem cronológica ou ritual, antecede na
medida em que cria, sugere e renova. O Cardeal Sales foi príncipe, precursor em
vários assuntos eclesiais. É extensa e profícua a sua atividade pastoral,
religiosa e até política, voltada para o Povo de Deus. De forma discreta, firme
e corajosa, teve uma atitude humanista, diplomática e de verdadeiro pastor com
perseguidos, presos políticos e refugiados, brasileiros e estrangeiros. Inovou
no plano educacional com o ensino a distância pelas escolas radiofônicas.
Dom Eugênio foi indubitavelmente um grande benfeitor do clero
brasileiro, obtendo com seu empenho muitas conquistas para os sacerdotes,
religiosos e ministros de todas as denominações. Estes viviam sem amparo e
direitos da previdência e aposentadoria. O então arcebispo do Rio de Janeiro
sensibilizou o parlamento nacional para aprovar um projeto de lei, sancionado
em 08 de outubro de 1979 (Lei 6.696/79), equiparando os clérigos, ministros de
culto (católicos ou não), frades e freiras aos trabalhadores autônomos,
possibilitando a contribuição previdenciária oficial. Muitos foram beneficiados
com essa norma, cuja ideia partiu de nosso eminentíssimo conterrâneo. Talvez
poucos tenham conhecimento disto. É
sabido que os cursos de seminários e formação sacerdotal, por mais conceituados
que tenham sido no passado, não gozavam do reconhecimento do Estado. No final
dos anos 60, pouco antes do AI-5, apesar do clima tenso entre a Igreja do
Brasil e o Governo Militar, Dom Eugênio conseguiu a edição do Decreto-Lei
1051/69 (revogado pela Lei 9394/96), prevendo o aproveitamento dos estudos
realizados em seminários, conventos etc.
Uma das grandes preocupações de alguns bispos era a assistência de saúde
para os padres. Dom Eugênio foi pioneiro ao firmar contrato coletivo com uma
operadora de plano de saúde, dando cobertura ao clero do Rio de Janeiro,
estendendo o benefício ao presbitério da diocese de Caicó. E, diante das
dificuldades financeiras de alguns bispados, estendeu a abrangência a presbíteros
doentes. Inquietava-se com o
deslocamento dos sacerdotes. Com a ajuda da “Adveniat” (organismo alemão,
dirigido, à época, por Dom Franz Hengsbach) elaborou – quando administrador
apostólico de Natal – um plano de motorização do clero. Recomendou
enfaticamente aos párocos, vigários e capelães: “Não afrontem a pobreza de nossos irmãos com carros de luxo. O povo de
Deus precisa, sobretudo, de seu testemunho de simplicidade, fé e caridade”.
Cabe-nos lembrar ainda que, quando arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Eugênio
concedeu bolsa de estudos também a seminaristas das dioceses de Natal e Caicó,
dentre outras, para cursar filosofia e teologia no Seminário São José (RJ). Certa
feita, um teólogo (outrora, nosso colega na Bélgica) afirmou: “Dom Eugênio é um homem de Deus, íntegro,
autêntico, corretíssimo, desprendido e de profundo amor à Igreja!” Viveu em
plenitude o seu lema episcopal: “Impendam
et superimpendar” (2Cor 12, 15) – “Dar-me-ei
inteiramente por vós.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário