O verdadeiro Sinhozinho
Malta
Tomislav
R. Femenick
– Jornalista
Nos meus quase
quarenta anos morando em São Paulo, realizei alguns trabalhos que eu realmente
nunca esperei fazer; quer pela sua magnitude (por exemplo: gerenciar a
auditoria externa do Banco do Brasil, em todo o país); quer pelos seus aspectos
inusitados (outra vez, por exemplo: dar consultoria a um grupo empresarial
italiano na instalação de uma fábrica de fábricas de papel higiênico). No
primeiro caso eu fazia parte do corpo diretivo da Campiglia Auditores; no
segundo, da Deloitte/Revisora Consultoria. Houve outros casos insólitos, como
da vez em que fui chamado a participar de uma reunião para ajudar na solução de
um caso de chantagem amorosa, promovida por uma amante casual de um diretor, ou
de outra em que encontrei mais de três mil geladeiras que haviam “sumido” dos
estoques de uma grande loja de departamento.
Tudo isso foi estranho
e não usual para mim. Mas, nada foi tão insólito quanto meu encontro com o
verdadeiro Sinhozinho Malta. Sim, você não leu errado: o “verdadeiro Sinhozinho
Malta” – e olhe que não estou falando do maravilhoso ator Lima Duarte e sua personagem na novela Roque
Santeiro, da TV Globo.
Um certo dia do ano de 1973 – e
lá se vão quase 50 anos –, bem cedinho recebi um telefonema de José
Pedro Canovas, meu colega de
trabalho na Deloitte/Revisora. Tinha um recado para mim, de parte
de nosso diretor Ernesto Marra: quando eu fosse para a firma, levasse maleta e
bagagem para um trabalho especial fora da cidade, que poderia demorar uma semana,
um mês ou mais.
Mensagens como essa não eram surpresas. Surpresa foi, sim, saber que o
professor Marra (ele, que não saía do escritório) iria comigo para Araçatuba,
iniciar uma auditoria. Só por isso, eu avaliei a importância do cliente.
Também, não era por menos, o cliente era o Frigorífico T. Maia. Dito assim,
hoje isso não significa nada. Mas, há cinquenta anos a história era outra.
O
Frigorifico T. Maia pertencia a Sebastião Ferreira Maia, o celebre e conhecido Tião Maia, então o rei do gado do Brasil. Mineiro, com primário incompleto e boiadeiro. Sabido, explorou o jeito
caipira de falar e de se comportar e fez amizade com empresários e políticos de
altos níveis. Conseguiu ser o maior criador de gado do Brasil e montou um frigorifico,
no interior de São Paulo.
Passada a “porteira” do frigorifico, fomos
recebidos pelo próprio Tião Maia, que estava sentado na calçada do prédio da
entrada. E alí também ficamos sentados. O professor Marra, eu, Tião e dois de
seus funcionários (um era contador e outro, advogado). Em suma: ele queria
saber o que a auditoria especial iria fazer. Algumas questões,
de caráter informativo, foram respondidas e outras,
por se tratarem de matérias relacionadas às investigações propriamente ditas, foram
resguardadas. Aí foi que nós, o célebre Tião Maia e eu, começamos a falar
diretamente. Ele não queria saber como a auditoria seria realizada, queria
mesmo era saber o “porquê”, qual razão, de se fazer de um jeito e não de outro.
Depois disso, fomos lanchar. Mas, como era
por volta das onze horas, o lanche foi um churrasco, ocasião em que, de tão
relaxados, esquecemos-nos do trabalho e começamos a jogar conversa fora. E,
então, o célebre Tião Maia olha para mim e pergunta: “você é russo”? Eu respondi que não, que era de Mossoró, no Rio
Grande do Norte, e filho de croata.
Foi então que ele falou da sua amizade com
Mota Neto, quando este último fora superindentende do Instituto Brasileiro do
Sal. Foi Motinha quem convenceu o maior pecuarista do Brasil a usar sal grosso
misturado à ração de seu imenso rebanho, comportamento que passou a ser copiado
por outros criadores. Depois falei disso com o meu primo (Mota Neto era meu
primo) e ele confirmou o fato.
Por
motivos políticos e econômicos, o ex-boiadeiro mineiro deixou o Brasil em 1976
e foi para a Austrália. De lá foi para os Estados Unidos, para Las Vegas; não
para jogar, mas para construir residências. Quando morreu deixou, entre outras
coisas, cerca de 170 mil cabeças de gado, duas fazendas na
Austrália e um conjunto de casas em Las Vegas – somente este no valor de 30
milhões de dólares.
Tribuna do Norte. Natal, 25 out. 2020
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