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10/11/2020

 


Centenário de Dom Eugênio Sales

Padre João Medeiros Filho

No dia 8 de novembro, transcorreu o centenário de nascimento de Dom Eugênio de Araújo Sales, primeiro e único potiguar elevado à dignidade cardinalícia. A tradição eclesiástica denomina os cardeais “Príncipes da Igreja”, título dado pelo Papa Bonifácio VII, cujo pontificado decorreu entre 1294 e 1303. Ao longo da história da Igreja, foram criados três graus do cardinalato: cardeais bispos, presbíteros e diáconos. Os primeiros são responsáveis por dioceses circunvizinhas de Roma. Em geral, desempenham funções em órgãos do Vaticano. Há os cardeais presbíteros, titulares de algumas basílicas e igrejas romanas, não necessariamente residentes nos territórios pontifícios.  Dom Eugênio foi cardeal presbítero da Igreja de São Gregório VII. Nomeado por Paulo VI, no consistório de 28/04/1969, tornou-se cardeal primaz do Brasil. À época, era arcebispo metropolitano de Salvador, na Bahia. Dois anos depois, foi transferido para o Rio de Janeiro, conservando a mesma igreja cardinalícia, apesar dos dignitários cariocas, por tradição, ocuparem a Basílica de São Bonifácio e Santo Aleixo, em Roma. Por antiguidade, Dom Eugênio tornou-se cardeal protopresbítero entre os 155 pares. Os cardeais diáconos, primitivamente vinculados a igrejas dos arredores de Roma, eram encarregados de tarefas sociais e caritativas. Atualmente, há 219 purpurados (nove brasileiros), sendo 120 eleitores do papa, prelados com idade inferior a oitenta anos.

Etimologicamente, a palavra príncipe vem do latim “princeps” e significa o primeiro. Não precede apenas na ordem cronológica ou ritual, antecede na medida em que cria, sugere e renova. O Cardeal Sales foi príncipe, precursor em vários assuntos eclesiais. É extensa e profícua a sua atividade pastoral, religiosa e até política, voltada para o Povo de Deus. De forma discreta, firme e corajosa, teve uma atitude humanista, diplomática e de verdadeiro pastor com perseguidos, presos políticos e refugiados, brasileiros e estrangeiros. Inovou no plano educacional com o ensino a distância pelas escolas radiofônicas.

Dom Eugênio foi indubitavelmente um grande benfeitor do clero brasileiro, obtendo com seu empenho muitas conquistas para os sacerdotes, religiosos e ministros de todas as denominações. Estes viviam sem amparo e direitos da previdência e aposentadoria. O então arcebispo do Rio de Janeiro sensibilizou o parlamento nacional para aprovar um projeto de lei, sancionado em 08 de outubro de 1979 (Lei 6.696/79), equiparando os clérigos, ministros de culto (católicos ou não), frades e freiras aos trabalhadores autônomos, possibilitando a contribuição previdenciária oficial. Muitos foram beneficiados com essa norma, cuja ideia partiu de nosso eminentíssimo conterrâneo. Talvez poucos tenham conhecimento disto.  É sabido que os cursos de seminários e formação sacerdotal, por mais conceituados que tenham sido no passado, não gozavam do reconhecimento do Estado. No final dos anos 60, pouco antes do AI-5, apesar do clima tenso entre a Igreja do Brasil e o Governo Militar, Dom Eugênio conseguiu a edição do Decreto-Lei 1051/69 (revogado pela Lei 9394/96), prevendo o aproveitamento dos estudos realizados em seminários, conventos etc.

Uma das grandes preocupações de alguns bispos era a assistência de saúde para os padres. Dom Eugênio foi pioneiro ao firmar contrato coletivo com uma operadora de plano de saúde, dando cobertura ao clero do Rio de Janeiro, estendendo o benefício ao presbitério da diocese de Caicó. E, diante das dificuldades financeiras de alguns bispados, estendeu a abrangência a presbíteros doentes.  Inquietava-se com o deslocamento dos sacerdotes. Com a ajuda da “Adveniat” (organismo alemão, dirigido, à época, por Dom Franz Hengsbach) elaborou – quando administrador apostólico de Natal – um plano de motorização do clero. Recomendou enfaticamente aos párocos, vigários e capelães: “Não afrontem a pobreza de nossos irmãos com carros de luxo. O povo de Deus precisa, sobretudo, de seu testemunho de simplicidade, fé e caridade”. Cabe-nos lembrar ainda que, quando arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Eugênio concedeu bolsa de estudos também a seminaristas das dioceses de Natal e Caicó, dentre outras, para cursar filosofia e teologia no Seminário São José (RJ). Certa feita, um teólogo (outrora, nosso colega na Bélgica) afirmou: “Dom Eugênio é um homem de Deus, íntegro, autêntico, corretíssimo, desprendido e de profundo amor à Igreja!” Viveu em plenitude o seu lema episcopal: “Impendam et superimpendar” (2Cor 12, 15) – “Dar-me-ei inteiramente por vós.”




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