ZÉ
DISTINTO OU ZÉ FRADINHA
Valério Mesquita*
Dois nomes numa só
e inconfundível pessoa. Em ambos a cara de Macaíba. Macaíba dos anos 30, 40, 50...
No seu rosto uma saudade suspensa no ar de tempos idos e vividos. Ele era uma
enciclopédia ambulante da ascensão e queda da fauna e fausto da cidade.
Conviveu com ricos e pobres e de todos carrega estórias de fatos que marcaram
épocas.
José Figueiredo da
Silva ou Zé Fradinha, apelido dado tão logo chegou a Macaíba em 1924, na luta
para sobreviver fez de tudo. Mas, foi como gerente de um bar que surgiu o Zé
Distinto, pela cordialidade de trato abrangente e superlativa. Aí ele passou a
se incorporar a geografia humana e sentimental da cidade. Era o Zé Distinto por
trás do balcão de um amplo bar, no comando de fregueses heterogêneos, desde
deputados, prefeitos, vereadores, funcionários, operários, motoristas,
jogadores de baralho, vagabundos, a todos ele conhecia pelo nome, resumidos a
sua humanidade comum.
A
força telúrica desse homem simples, contagiava quem dele se aproximasse. Era o
nosso embaixador onde quer que chegasse. Parecia ser a própria multimídia da
terra de Auta de Souza e de Octacílio Alecrim. Sem instrução mas com carisma. O
sentimento de macaibanidade assumia maior relevância do que a lei da honraria.
Zé
Distinto tinha uma memória invejável. Certa
vez, me trouxe o seu "dossiê" histórico constituído de um grosso
volume com fotos de personagens e aspectos urbanos de Macaíba dos anos 20 a 80.
Relembrava fatos e guardava fotos de 1929, da visita de Washington Luiz a
Macaíba e Getúlio Vargas em 1933, para inaugurar a antiga sede da prefeitura
local. Sempre visitava Cascudo no Casarão da Junqueira Aires. O mestre lhe
tinha uma ternura especial pois conhecera os pais e a família de D. Dália
Freire Cascudo, todos de Macaíba. De sua coleção particular saíram fotos de
prédios centenários da cidade que hoje emolduram as paredes do museu do Solar
do Ferreiro Torto. Um homem assim, sem estudo, mas doutorado pela universidade
da vida, com a sensibilidade cultural sem ser intelectual, não pode ser
esquecido. Bem que a prefeitura de Macaíba e a câmara municipal poderiam fazer
alguma em seu homenagem. Ainda é tempo para despertarem.
O
exemplo dado por Zé Distinto, de humanidade, de valorização da vida, de amor a
cidade, de preocupação com a preservação da história cultural do município não
poderá ser em vão. Era católico, respeitoso, não se queixava a ninguém da
pobreza que o afligia. Gostava de conversar como ele. Mergulhava no passado
longínquo de Macaíba e conseguia à maneira de Marcel Proust restituir a memória
táctil, olfativa de todo esse universo desaparecido.
Tendo
nascido aqui, não há alumbramento maior do que caminhar pelas ruas desertas a
conversar mentalmente com os fantasmas da cidade ou sonhar os sonhos dos
casarões que ruíram. Zé Distinto me conduzia a tudo isso como batedor fiel,
timoneiro, ator e protagonista do passado e do presente. Um personagem extraído
do Cine Paradiso, tenho certeza. Inesquecível.
(*) Escritor.
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