04/03/2020




Portulanos, caravelas, a Escola de Sagres...
Tomislav R. Femenick – Autor do livro “Os Herdeiros de Deus: a aventura dos descobrimentos”

Antes das grandes aventuras portuguesas e espanholas por mares desconhecidos, realizava-se na Europa uma navegação costeira, que se orientava por pontos de referência, naturais ou não, localizados em terra, tais como baias, enseadas, ilhas, pontas, istmos, cidades, castelos, fortes e, principalmente, portos. O conhecimento desses acidentes, primeiro foi passado de forma oral entre mestres e aprendizes, depois passou a seu descrito em documentos chamados de “portulanos” (roteiros que descreviam os pormenores das costas marítimas), que abrangiam apenas o Mediterrâneo. Em seguida, o seu uso estendeu-se até ao mar Negro, à costa ocidental da Europa, às Ilhas Britânicas e à África. Algumas vezes eram acompanhados de “mapas de portulanos”, cartas náuticas primitivas que, por não disporem de instrumentos que identificassem as graduações de latitude e longitude, exibiam os contornos litorâneos com um perigoso grau de imprecisão.
Para essa navegação de cabotagem eram usadas galeras (ou galés) e veleiros. Os primeiros eram barcos de dupla propulsão, a remo e a vela, com grande mobilidade. Como precisavam de um grande número de remadores, sua capacidade de carga era pequena, se comparada com o seu peso total. Os veleiros do Mediterrâneo contavam com a chamada vela latina, uma vela triangular que trabalhava no sentido de proa à popa, envergada em um mastro cruzado por uma peça de madeira ou ferro (carangueja). No Mar do Norte eram mais usadas as velas retangulares, maiores e mais apropriadas para um melhor aproveitamento dos ventos. Embarcações de ambos os tipos tinham incorporado, desde o século XIII, o leme de cadaste ou de roda – uma forte peça de madeira que integrava a parte de trás da quilha. Preso à popa, o leme dava a direção das naves (FAVIER, 1995; GARCIA, 1999).
A navegação oceânica exigia outras técnicas. Agora não mais haveria terra à vista, pois a viagem se dava em alto-mar, através de oceano desconhecido. A longa duração fora dos portos exigia embarcações ágeis, porém não propulsados por remos, pois uma tripulação de remadores exigiria provisões em quantidade que não seria possível transportar. Portugal saiu na frente. No porto de Lagos foram feitas as primeiras experiências que deram origem à caravela, uma embarcação planejada para levar e trazer os navegantes de volta. Os navios a vela sofreram inovações. Um terceiro mastro nos anos de 1430. Em pouco tempo aparecem quatro ou cinco mastros.
Todavia, a caravela foi uma criação portuguesa, embora que tendo como base barcos de origem muçulmana, com as quais os lusitanos conviveram durante o tempo da ocupação moura. Entre eles estavam o caravo (do árabe qarib), semelhante ao pangaio (MARQUES, 1984), ainda hoje usado nas viagens costeiras na África oriental e na Índia. No rio Douro era utilizada uma embarcação menor que o caravo, chamada de caravela (qarib + ela = caravela) – (BOORSTIN, 1989). A caravela lusitana era uma embarcação veloz, forte e segura para a sua época. Era construída com vigas e tábuas de carvalho, pinho e sobro e cravos de cobre e, raramente, de ferros. No seu projeto não havia lugar para curvas graciosas, entalhes elaborados ou cores brilhantes. Sua pintura preta, feita com betume, procurava resguardar o casco do ar, da umidade e do ataque dos crustáceos. Era a embarcação ideal para as viagens de descobrimento. “La carabela comenzó a usarse en España em el segundo cuarto del siglo XV y seguramente a imitación de los portugueses” (PADRON,1981).
Não se pode falar nos pré-requisitos técnicos necessários aos descobrimentos sem falar no Infante Dom Henrique e na sua criação, a escola de Sagres, a NASA do século XV. Dom Henrique (terceiro filho do rei de Portugal), tinha uma personalidade mística e aventureira, como todo homem medieval, porém se diferenciava pela curiosidade científica, principalmente para com as coisas do mar. Formalmente nunca houve a tal escola. Houve, isto sim, uma região, o promontório de Sagres, onde, a partir de 1438, foram criadas as condições para o desenvolvimentos das técnicas náuticas.  O uso da bússola, do astrolábio, da balestilha (instrumento para medir a altura dos astros) primitiva, do quadrante e de mapas mais precisos resultou dessa junção de saberes. Muito do que se fazia em Sagres – não obstante – era vasado, principalmente para às coroas de Leão e Castela.

Tribuna do Norte. Natal, 05 mar. 2020.

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