O capitalismo ‘made in USA’ e o nosso
Tomislav R. Femenick –
Mestre em economia, com extensão em sociologia e história – Do IHGRN
O filósofo francês
Michel Aglietta (1988) diz que
os Estados Unidos nasceram com um aparato ideológico nas relações socioeconômicas:
a liberdade de produzir sem entraves criados pelo Estado e instituições que são
reguladas por princípios que formalizam as relações econômicas. Além do que, o
ordenamento legal expressa a liberdade e igualdade do indivíduo, enquanto agente
econômico.
Essa talvez seja a
grande diferença da história das duas nações: enquanto os Estados Unidos,
embora escravistas, nasceram sob a égide do capitalismo e da república, o
Brasil se tornou independente sob um regime monarquista e com uma economia eminentemente
escravocrata. Com a abolição da escravidão e a proclamação da República, houve
o início de uma nova matriz econômica, porém sem atingir a profundidade
necessária à transformação das estruturas, que somente caminhou para a realidade
capitalista após a revolução de 1930, quando o governo federal direcionou as
atividades econômicas para a industrialização.
Assim tínhamos o Estado
brasileiro atuando em duas dimensões distintas, que em alguns pontos sofrem
intersecção ou confronto. No plano coletivo (político), o Estado exercia o “poder” pela instrumentação de “controles”, objetivando a sua “perpetuidade”. No plano individual,
das relações de troca, o que se buscava eram vantagens (o excedente econômico),
pela sempre maior “eficiência”,
em relações tipicamente dissolvíveis. Aqui cessa o paralelismo ideológico entre
a economia brasileira e a economia norte-americana, pois lá o Estado não
interfere tão intensamente nas relações de produções e não tem atuação como
agente-produtor.
Focando a atenção na
agricultura e na indústria dos dois países, evidenciam-se as contradições mais
acentuadas entre eles. Nos Estados Unidos os produtores agrícolas, mesmo os que
faziam a economia da fronteira, nunca fizeram agricultura de subsistência,
sempre produziam para o mercado. Aqui também sempre se produziu para o mercado.
Cana-de-açúcar, fumo, mate, algodão, café, por exemplo, sempre se destinaram
para o mercado; o mesmo acontece com a soja, laranja, melão etc. Entretanto,
ainda hoje, uma parte considerável de nossas unidades agrícolas se voltam para
a agricultura de subsistência.
A industrialização dos
EEUU está entrelaçada à própria história daquele país. Lá a grande indústria, com
produção em larga escala, foi o resultado natural – como causa e efeito – do
crescimento da nação. Por aqui, o processo industrial se deu só a partir da
primeira metade do século passado e se acelerou na década de 50, pelos
empreendimentos do então presidente Juscelino Kubitscheck. Entretanto, entre
1961 e 1967, o Brasil entrou em crise social e refreou o crescimento econômico
que vinha do período anterior. Findo esse interregno, segundo Celso Furtado
(1983), a indústria brasileira voltou a crescer, como resultado “de uma política governamental muito
bem-sucedida, que visa atrair as grandes empresas transnacionais...”.
Os três aspectos aqui
abordados – o ordenamento legal, a agricultura e a indústria – não esgotam o
paralelismo comparativo da industrialização dos Estados Unidos e do Brasil.
Poder-se-á estender este estudo com a incorporação de novos elementos e fazer
correlações sobre o desenvolvimento dos meios de comunicação viária (lá as
estradas de ferro em direção ao oeste, aqui as ferrovias do café; lá e cá as
rodovias dos anos 50 e 60) etc. Entretanto os principais campos de investigação
para a ampliação deste cenário comparativo talvez sejam as políticas
educacionais dos dois países, bem como a formação e a atuação dos políticos e
dos partidos políticos.
No mais, tem-se que pôr
em relevo a diferença do caráter da atividade empresarial dos capitalistas
norte-americanos e brasileiros. Lá eles enfrentam o mercado sem dificuldades
criadas pelo Estado e sem sua ajuda; aqui eles têm que enfrentar as
dificuldades criadas pelo aparato estatal e, no mais das vezes, somente têm
condição de obter êxito se contarem com incentivos do próprio governo. Lá os
empresários exitosos são quase que heróis nacionais; aqui alguns formadores de
opinião os veem quase que como marginais.
Tribuna do Norte. Natal, 25 dez.
2019
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