Plano infalível
É muito comum, nesta época de virada de ano, planejarmos o futuro. E
somos quase todos como aquele cara de “A vida é dura”, na voz do nosso
Benito di Paula (1941-), que “inventa sempre um plano infalível o tempo
inteiro/Só pensa em rios de dinheiro/Mas, quando chega a hora de fazer o
que ele quer [leia-se o final do ano seguinte]/É com a mesada da
mulher”. Eu mesmo já tenho meus planos para 2020: lançar um livro,
terminar outro, montar um blog e, disparadamente o mais importante, sair
de um bocado de grupos de WhatsApp.
Não resta dúvida de que
planejar nossas vidas é bom, sobretudo quando isso vai além da mera
definição de metas – como nos casos jocosos acima, o da música e o meu
–, mensurando-se também a realidade, estabelecendo-se um plano de ação,
acompanhando-se os resultados etc.
Mas será que temos um real
controle sobre nossas vidas e o nosso futuro? Será que esse
“planejamento” funciona mesmo? E sempre? É claro que planejar ajuda, mas
hoje estou cada vez mais certo de que o acaso, para o bem ou para o
mal, tem um papel crucial nas nossas vidas.
Outro dia – aliás,
por mero acaso – dei de cara com dois pensadores e suas respectivas
teorias, que, transpostas e reinterpretadas do plano para o qual foram
desenhadas para o nosso cotidiano, explicam bem o que quero dizer.
Um deles é Nassim Nicholas Taleb (1960-), libanês, mais economista que
filósofo, com a sua “A lógica do cisne negro” (2007). Para Taleb, por
mais que pensemos o mundo como um lugar ordenado, a frequência com que
eventos inesperados se dão nos mostra que não sabemos a verdadeira causa
das coisas. Inspirado em David Hume (1711-1776) e no problema da
indução, Taleb define o “cisne negro” como um evento insuspeitado, que
se dá contra todas as expectativas, e que tem um enorme impacto na
história e na vida das pessoas. Segundo ele, a história da humanidade
foi forjada por grandes eventos inesperados.
O outro é o
esloveno Slavoj Zizek (1949-). Nascido na pequena Liubliana, à época
pertencente à Iugoslávia comunista, Zizek publicou um livro denominado
“Acontecimento” (2017), no qual ele indaga se somos mesmo senhores do
nosso destino, sobretudo num mundo tão dinâmico como o atual. Ele
entende que não, tendo no “acontecimento” – esse termo/conceito novo,
que significa uma ruptura social radical, uma crença religiosa, uma
experiência emocional e por aí vai, que abala a vida comum, fazendo com
que nada permaneça igual, mesmo que não nos apercebamos disso – a
explicação para tanto.
Dou dois exemplos de “acontecimentos”
recentes para ilustrar o que exponho. Um deles é a morte inusitada do
apresentador Gugu Liberato (1959-2019). Tudo ia muito bem com ele e a
família. Fama e dinheiro. Um dia qualquer, a queda. E tudo muda para
aquela família. O outro é a final da Copa Libertadores entre Flamengo e
River Plate. Jogo ganho para os argentinos. Como planejado. No fim, três
minutos e dois gols mudaram a história dos clubes e de seus jogadores.
Dos vencedores, com certeza, para melhor; já a dos perdedores, não
podemos dizer o mesmo.
Bom, de minha parte, quanto aos meus
planos para 2020, sei que as coisas podem dar errado. Pode aparecer um
“cisne negro”. E não tenho como vencer o “acontecimento”. Só não posso
falhar com a saída dos grupos de WhatsApp. Aqui, para a minha própria
saúde mental, o plano há de ser infalível.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCLMestre em Direito pela PUC/SP
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