Sobre Benjamin Franklin
Já escrevi aqui sobre alguns dos “Founding Fathers” dos Estados
Unidos da América: Thomas Jefferson (1742-1826), James Madison
(1751-1836), Alexander Hamilton (1757-1804) e John Marshall (1755-1835),
desses me recordo bem. Chegou agora a hora de tratarmos de Benjamin
Franklin (1706-1790), que é por muitos considerado o “primeiro
americano”, o que denota tanto o seu vanguardismo como a sua
proeminência no movimento que levou à criação daquele imenso país.
Benjamin Franklin nasceu em Boston, em 1706, filho de pai inglês e
mãe americana, puritanos e de certo prestígio, já radicados na América
havia algumas décadas. Filho mais novo de uma grande prole, ele foi uma
criança inteligente e ávida por leitura. Foi destinado, por decisão do
pai, à carreira religiosa. Para tanto, chegou a estudar teologia em
Harvard, mas não terminou o curso, porque seu pai, alegadamente, não
pôde mais sustentar os custos acadêmicos. Virou autodidata em quase
tudo.
Ben Franklin começou a vida profissional como aprendiz na editora de
um irmão mais velho. Ainda jovem, perambulou, arredio, por Nova Iorque e
Filadélfia. Teve filhos ilegítimos. Casou. Teve mais filhos. Foi
comerciante. Virou editor de sucesso, sendo a prova disso o seu famoso
“Almanaque do Pobre Ricardo” (“Poor Richard's Almanac”), que foi
continuamente serializado, de 1732 a 1758, com enorme sucesso. Franklin
fez ciência. Entre outras coisas, ele foi o inventor dos óculos
bifocais, do pára-raios e um dos “pais da eletricidade”, cuja
representação segurando uma pipa e uma chave em meio a uma tempestade de
raios ficou para sempre consagrada no imaginário popular. Franklin fez
política, primeiramente na Pensilvânia, depois nos Estados Unidos como
um todo. Exerceu cargos públicos diversos, entre eles o de Parlamentar,
de Presidente da colônia/estado da Pensilvânia e de diretor-geral dos
Correios dos EUA. Viajou com frequência, dentro e fora da América. Foi
um estadista e diplomata que viveu por muitos anos, especialmente de
1776 a 1785, na França, sendo o primeiro embaixador designado pelos EUA
para esse crucial país. Articulado, amigo de Mirabeau (1749-1791) e com
relações com Voltaire (1694-1778), D’Alembert (1717-1783), Marat
(1743-1793), Condorcet (1743-1794), Lavoisier (1743-1794) e Robespierre
(1758-1794), entre outros, ali fez muito sucesso, tendo contribuído
deveras para a aliança militar da França com a causa estadunidense (em
1778) e para a assinatura do Tratado de Versalhes (de 1783), que pôs fim
à Guerra da Independência, do qual ele é um dos signatários
representando os EUA.
Na verdade, Benjamin Franklin foi uma figura (talvez “a figura”) de
proa do iluminismo americano e, rezam a história e a lenda, o perfeito
polímata: comerciante, editor, jornalista, escritor, cientista,
inventor, ativista contumaz, revolucionário (embora moderado),
abolicionista, maçom, filantropo, servidor público, diplomata, político
e, se não bastasse tudo isso, jurista.
Como bem lembra Brion T. McClanahan (em “The Politically Incorrect
Guide to the Founding Fathers”, Regnery Publishing, 2009), afora George
Washington (1732-1799), Benjamin Franklin foi “o mais famoso americano
de sua geração”. E, para os fins do direito, qualquer documento
elaborado na Filadélfia de seu tempo teve “as suas impressões digitais,
incluindo a Declaração de Independência [1776] e a Constituição dos
Estados Unidos da América [1787]”. Ele também redigiu, anote-se, a
proposta para a união das colônias americanas que “mais tarde se tornou a
base para os ‘Artigos da Confederação e da União Perpétua’, elaborados
por John Dickinson (1732-1808)”. Isso sem falar na própria Constituição
do estado da Pensilvânia (de 1776), a primeira e para alguns a mais
democrática das constituições dos estados americanos pós-Declaração de
Independência.
A indagação que fica é: como um homem sem quase nenhum estudo
jurídico formal pôde produzir (ou colaborar na produção de) tão
importantes documentos legais? Essa é a pergunta que também faz
Catherine Puigelier em “L’art d’etre savant: Écrire la sience et le
droit” (livro em edição bilíngue – “The Art of Being a Savant: How
Science and Law Were Written in the 18th and 19th Centuries”, publicado
pela editora Mare & Martin, na “Collection Droit et Littérature”, em
2013).
Com a ajuda da mesma Catherine Puigelier podemos imaginar algumas
respostas. Antes de tudo, Benjamin Franklin foi ao longo da vida
adquirindo vasta experiência nas coisas públicas. A política e a
diplomacia eram para ele verdadeiras paixões. Ele também leu muito (e
escreveu outro bocado de) documentos legais, tanto de direito público
como de direito privado. Segundo anota a citada autora, “o direito
americano era uma das suas preocupações diárias. Ele também tinha grande
interesse no direito francês e no direito de outros países”. Seu imenso
talento para o auto-aprendizado, típico da sua personalidade inovativa e
ativista, assim como serviu para a ciência, serviu também – e muito bem
– para o direito. Isso sem falar que Franklin foi o homem certo na hora
certa, “um sábio em um conselho de semideuses, como certa vez colocou
Jefferson, um homem mais velho entre jovens que estavam empreendendo uma
missão de grandíssima importância”.
Mas, ao final, a resposta mais plausível para explicar a relação de
Benjamin Franklin com o direito está simplesmente na sua genialidade.
Franklin foi certamente o mais dotado americano de sua era, um gênio
natural que, com suas invenções e invencionices, algumas delas
jurídicas, foi um dos criadores da América que hoje conhecemos.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP |
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