DE FERIADO,
DIDEROT E CHICO DE BRITO
Valério
Mesquita*
01) Os feriados estão acabando com esse país. O
Brasil é uma nação intestinal. Consumista. Carnavalesca. País do ponto
facultativo. Se você somar os feriados brasileiros em cada ano e o que se deixa de produzir no comércio, na
indústria, na agricultura, na administração pública, enfim, em todos os setores
de trabalho da vida nacional, vai achar um prejuízo abissal incalculável e
irrecuperável. Com tanta perdularidade até parece que somos uma pátria rica. Só
vou acreditar nas mudanças se ocorrer também uma reforma no calendário
extinguindo alguns feriados, estaduais, federais e municipais. Cada país tem
uma única data nacional. Qual a data nacional do Brasil? A Independência,
Tiradentes ou a Proclamação da República? Escolha-se a mais importante e se dê
o feriado. Feriar os três eventos é subcultura, subdesenvolvimento. Celebrar
sim, feriar nunca. Isso porque, quem comemora o 15 de novembro, o 21 de abril?
Ah, sim, as praias, o ócio porque as escolas, os governos, são os primeiros a
fugirem e a esquecerem. Feriado religioso, por exemplo: praias cheias e igrejas
vazias. O Brasil tem a sua santa padroeira. Tudo bem. Mas, milhares de
municípios têm padroeiros e padroeiras. Alguns têm até dois ou três padroeiros
de uma só vez. E pegue feriado. Negócio de português. De mameluco. De
aristocracia politíco-religiosa decadente de tempos inquisitórios. Que se
celebre o dia do padroeiro(a) mas, pra quê vadiar? O melhor lema é: viva o
santo, viva a santa mas, viva também o trabalho e a produtividade. É preciso
acabar com essa concepção consuetudinária e chula dos portugueses
colonizadores. O mundo é outro. Estamos no final de um milênio e ainda adotamos
as mesmas práticas de trezentos, quatrocentos anos atrás. Se você comparar o
número de feriados nas nações do primeiro mundo com o do Brasil fica
estarrecido. Não me venha com esse negócio de tradição, da índole do povo etc.
E se for a índole a culpada, é índole ruim, caráter preguiçoso, embromador,
cuja lei da vantagem deve ter nascido num feriado. O único feriado que o
brasileiro obedece é o do carnaval. Aí sim, você olha o calendário e o povo, e
acha a sintonia, a harmonia, a simbiose da data com a mentalidade. O único
presidente que levou o país a sério foi Humberto de Alencar Castelo Branco.
Enfrentou o preconceito dos medíocres, extinguindo vários feriados fanfarrões.
Mas, ainda falta. Um dia esse país cria vergonha. Aleluia!
02) Diderot, o irreverente enciclopedista francês,
ateu anticlerical e opositor ferrenho da monarquia, gostava de repetir que “só
haverá paz e sossego no mundo quando o último rei for enforcado com as tripas
do último padre”. Radicalismo nefasto igual a esse só se encontra semelhança em
alguns políticos potiguares quando tratam da própria sobrevivência eleitoral.
Dir-se-ia que a antropofagia virou Estado de Direito. E quando se trata das
coligações políticas, “chapões” e alijamentos, a humanidade se prodigaliza no
exercício do mal ao próximo e até ao distante. À propósito, a lei eleitoral é
tão confusa, infusa e difusa que, em vez de inovar, restaurou um malefício de há muito banido da
legislação: a reeleição, o bicho papão retrógado, devorador de candidatos e deformador
da representatividade política. Essa excrescência me devolve a lembrança
enodoada da legislação discriminatória dos tempos do bipartidarismo, das
legendas, sublegendas e do voto vinculado. Com a nova legislação eleitoral, os
partidos se tornam presas fáceis de manobras casuísticas ao bel prazer de
“igrejinhas” de candidatos cativos, nativos e muitos nocivos. Ou aplaudir e ser
cúmplice ou protestar e ser vítima. Semana passada protestei e ouvi em defesa
desse imblógrio, a declaração astuta mas fajuta de que para entrar na disputa o
candidato tinha que apresentar densidade eleitoral. Perguntei de imediato, onde
conseguir tal atestado. E isso me fez novamente recorrer ao rabugento Diderot
quando, moribundo, no leito de morte, recebeu a visita de um padre trazido por
amigos como misericórdia diante do último momento. Disse-lhe o sacerdote: “Vim
confessá-lo em nome de Deus!!”. Diderot abriu um olho e num último esforço de
maledicência, balbuciou: “Mostre-me as credenciais!!”. Do mesmo modo, na
bendita lei de Chico de Brito, para ser candidato a qualquer posto, o
postulante não se submete mais ao vestibular da ficha suja. Do contrário, quem
está fora não entra e quem está dentro não quer sair. É a lei de Chico de
Brito. O Diderot das Caatingas.
(*) Escritor.
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