Os quatro grandes
Já escrevi aqui, embora faça muito tempo, sobre o “realismo jurídico
americano”, a corrente de pensamento surgida e desenvolvida nos Estados
Unidos da América (em dois períodos distintos, pelo menos, e por mais
de um grupo de juristas) que, a partir de um método empírico de análise
científica, deu ênfase à realidade fática do direito e valorizou
sobremaneira a atividade jurisdicional como criadora do direito em
detrimento do papel (criativo) normalmente atribuído às normas
legisladas.
Hoje, na esteira das pequenas biografias que tenho apresentado sobre
os grandes juristas anglo-americanos e com base num livro/manual que
tenho lido por esses dias – “Textbook on Jurisprudence”, de Hilaire
McCoubrey e Nigel D. White, Oxford University Press, 1999 –, vou
homenagear, descrevendo quem são eles, os “quatro grandes realistas” do
direito estadunidense: Oliver Wendell Holmes Jr., John Chipman Gray,
Karl Llewellyn e Jerome Frank.
O primeiro – e o mais célebre deles, como vocês vão notar – é Oliver
Wendell Holmes Jr. (1841-1935). Nascido ainda na primeira metade do
século XIX, em Boston/Massachusetts, lutou na Guerra Civil Americana
(1861-1865). Foi aluno e professor em Harvard. Foi juiz e presidente da
Suprema Corte do seu estado natal. Foi também “Associate Justice” (que
equivale ao nosso Ministro) da Suprema Corte dos Estados Unidos da
América, por cerca de trinta anos, de 1902 a 1932, aposentando-se com
mais de noventa anos (pelo que eu sei, um recorde até hoje). É
certamente um dos mais ilustres juízes, talvez o mais ilustre, da
história da Suprema Corte dos EUA. No mais, ele é considerado o
originador do “legal realism”. De fato, a ideia-chave do realismo
jurídico está na famosa frase do seu livro “Common Law” (de 1881): “a
existência do Direito não tem sido lógica; tem sido experiência”. E ele
afirmou ainda: “as previsões sobre o que as cortes decidirão de fato, e
nada mais pretensioso, são o que eu entendo por direito”.
John Chipman Gray (1839-1915), também nascido na primeira metade do
século XIX e natural de Boston/Massachusetts, foi contemporâneo de
Holmes. Estudou direito em Harvard, formando-se em 1861. Lutou na Guerra
Civil Americana. Mas, diferentemente do seu conterrâneo, não foi ser
juiz. Foi advogado e, muito importante para nós, foi professor na
Universidade de Harvard por duas décadas. Sua obra mais importante é
“The Nature and Sources of the Law”, de 1909. Assim como Holmes, Gray
defendia que os juízes criavam direito, sobretudo numa nação filiada à
tradição do common law, como é os Estados Unidos da América, sendo isso
fundamental para se entender o direito e, no futuro, fazê-lo melhor.
Sendo que ele foi mais longe, como anotam Hilaire McCoubrey e Nigel D.
White (no já referido “Textbook on Jurisprudence”): “Para Gray, o
direito é apenas o que as cortes decidem. Tudo mais, incluindo as leis,
são apenas fontes do direito. Até as cortes aplicarem as leis, elas não
são direito”.
Karl Llewellyn (1893-1962), nascido em Seattle, no estado americano
de Washington, no finzinho do século XIX, faz parte de uma segunda
geração de “realistas” que, apoiados nos ombros dos primeiros
“gigantes”, nos fez enxergar os mais sutis aspectos do processo de
elaboração das decisões judiciais. Llewellyn estudou direito em Yale e
na Sorbonne parisiense. Curiosamente, germanófilo, lutou a Primeira
Guerra Mundial no lado da Alemanha. Foi professor em Columbia e na
Universidade de Chicago. Autor do clássico “The Bramble Bush” (de 1930) e
de “Some Realism about Realism: Responding to Dean Pound” (de 1931),
Llewellyn é considerado uma figura central do “movimento realista”. Como
registram Hilaire McCoubrey e Nigel D. White: “Seus escritos, que
abrangem o período mais produtivo do realismo, contém não somente os
temas centrais do movimento, mas também os desenvolve de maneira crítica
(sobretudo às atitudes do Judiciário) e construtiva”.
Por fim, tem-se Jerome Frank (1889-1957), nascido na cidade Nova
Iorque, mas radicado, ainda criança, com a família, em Chicago/Illinois.
Foi aluno brilhante na Faculdade de Direito da Universidade de Chicago.
Advogou em Chicago e Nova Iorque. Foi professor em Yale. Foi juiz
federal, por mais de 15 anos (de 1941 a 1957), na “United States Court
of Appeals for the Second Circuit” (que equivale um tribunal regional
federal nosso). Autor de “Law and Modern Mind” (1930) e “Courts on
Trial” (1949), foi Frank que nos explicou, brilhantemente, que uma
decisão judicial é muito mais do que o resultado da simples aplicação de
uma norma aos fatos do caso. Primeiramente, a própria determinação,
pelo juiz, de quais são e como são os fatos do caso acrescenta inúmeras
variáveis a sua decisão final, assim como a interpretação da norma é
algo muito mais complexo que uma simples releitura do seu texto, seguida
de um processo analítico de subsunção. E mais: em conjunto com os
outros realistas, ele defendeu, com razão, que os juízes decidem
baseados numa variedade de fundamentos e apenas alguns deles são
conscientes e analíticos. Os reais fundamentos da decisão judicial, que
atuam previamente aos fundamentos conscientes e analíticos, são mais
complexos e menos óbvios, extremamente influenciados pelos preconceitos e
valores do julgador.
Bom, dito isso, eu prometo que um dia escreverei sobre cada um dos
realistas individualmente. Mas, por enquanto, apenas dou vivas para
esses quatro juristas fantásticos (ops…, realistas).
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP |
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