MEMORIAS PROVINCIANAS I
Valério Mesquita*
mesquita.valerio@gmail.com
Coletei depoimentos sobre
a figura do monsenhor Walfredo Gurgel de quem viveu e conviveu de perto com
ele: o coronel da reserva da Policia Militar Benedito Florêncio de Queiroz, seu
ex-aluno, afilhado e Ajudante de Ordens durante o seu governo. Queiroz era
íntimo do monsenhor e das conversas de bastidores. Sobre a vida e a obra do
padre governador muita informação foi revelada e publicada atestando a sua
lisura no trato da coisa pública e personalidade tanto religiosa quanto política,
que se casavam perfeitamente. Aqui, pinço fatos rotineiros, humanos, que
realçam cada vez mais o homem simples, o cidadão bem intencionado e fiel a sua
tradição, porém, acima de qualquer suspeita.
01) Certa vez, numa
reunião do secretariado, convidou a todos para a festa de Nossa Senhora de
Santana na sua Caicó. Todos assentiram, inclusive, o general Ulisses
Cavalcante, secretário de segurança que era radicalmente contra a exploração
dos chamados “jogos de azar”, tão comum nas festas paroquiais e profanas do
interior. “Vou governador, mas chagando lá não deixarei de agir e fechar todo o
tipo de jogo!”. Lembrando-se dos seus correligionários que bancavam o joguinho,
o monsenhor não esperou pra depois: “Ô Ulisses, sendo assim você está desconvidado,
porque lá quem manda sou eu. Festa sem esses divertimentos não presta. É a
tradição!”. E Ulisses não foi.
02) De outra feita, o
capitão Durval majorou em 100% a cobrança dos alvarás dos jogos ditos
contraventores de Caicó. Walfredo, mesmo governador, não abdicava da condição
de municipalista por causa das raízes políticas e o fato de ser também a terra
do seu adversário senador Dinarte Mariz. Após receber a visita dos
“prejudicados”, chamou Queiroz para intermediar. O delegado local não teve
alternativa: liberou geral. Ai aconteceu o inusitado. O pessoal voltou ao monsenhor
com uma reivindicação esquisita mas típica do interior: “Governador, deixe os
alvarás no valor de 50% porque senão vamos sofrer represálias do delegado”. E
assim ficou.
03) E esta, demonstra a
atenção que o então presidente Humberto de Alencar Castelo Branco dispensava ao
padre governador, testemunhada através de diversos fatos, não obstante, o clima
local de radicalismo político. Numa das vindas presidenciais, Castelo foi
convidado a fazer uma visita às obras de construção do hospital, que,
posteriormente, se chamou “Walfredo Gurgel”. Após ouvir a exposição do
governador acerca das dificuldades, Humberto de Alencar Castelo Branco não titubeou
em ajudar, virando-se para o seu ministro da Saúde Raimundo de Brito, por
sinal, norte-riograndense: “Providencie o atendimento do pleito”. Era todo o
equipamento necessário ao funcionamento do hospital. O baixinho gostava mesmo
do monsenhor.
04) Outro fato ocorreu
dentro do carro oficial com destino a Caicó, ouviu de Aluízio Alves que estava
deixando o governo, solicitar ao governador eleito: “Monsenhor, gostaria de lhe
fazer um pedido. É a indicação de Manoel de Brito para a secretaria de finanças”.
“Aluízio”, responde o padre, “Para essa secretaria já escolhi um nome: é o doutor
José Daniel Diniz, meu sobrinho afim”. Aluízio não tocou mais no assunto e nem
se aborreceu com Walfredo. Tempo depois, Brito foi para a Casa Civil. Foram
dois gênios da política.
05) Parelhas, ano da
graça de 1967. Manoel Virgílio do Nascimento, seridoense, 80 anos,
reencontra-se com o conterrâneo e amigo monsenhor Walfredo Gurgel, governador do
estado. Havia muito tempo que não se avistavam. Alegria, abraços e as perguntas
inevitáveis do padre: “Manoel, que prazer! E esses meninos, são seus netos?”.
“Não, governador, são meus filhos”, responde o velho sem perder o prumo. “Mas,
seus filhos, você já com essa idade?”. “Pois é, governador, o segredo é treinar
sempre”, fechou o firo da conversa o seridoense de fibra longa.
(*) Escritor.
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