A mais bela biblioteca
Já escrevi aqui, em mais de uma oportunidade, sobre algumas
bibliotecas que, mundo à fora, visitei ou mesmo frequentei, vasculhando
seus acervos, na qualidade de estudante curioso. Recordo-me haver
tratado da Biblioteca Pública da Cidade de Boston (www.bpl.org), da
Bodleian Library (www.bodleian.ox.ac.uk/bodley), a biblioteca da
Universidade de Oxford, das parisienses Bibliothèque nationale de France
– BnF (www.bnf.fr) e Bibliothèque publique d'information – Bpi
(www.bpi.fr) e, em mais de uma oportunidade, da gigantesca British
Library (www.bl.uk), que fica em Londres, onde fiz o meu PhD em direito.
Hoje, em especial, vou escrever sobre aquela que considero a mais
bela biblioteca da capital do Reino Unido: a queridíssima – pelo menos
para mim – Maughan Library
(www.kcl.ac.uk/library/visiting/maughan.aspx), localizada na Chancery
Lane, rua bastante conhecida da “Central London” (estação de metrô
Chancery Lane).
Antes de mais nada, devo registrar que a Maughan Library é uma das
nove bibliotecas do King’s College London – KCL (no qual fiz o meu
doutorado), “university college” londrino fundado em 1828/29 por
iniciativa do Duque de Wellington (1769-1852), a quarta mais antiga
universidade da Inglaterra e hoje ranqueada como umas da vintes melhores
instituições de ensino superior do mundo. A mais tradicional e bela
dessas bibliotecas, certamente, vocacionada às ciências humanas e
sociais, incluindo aí línguas, literatura, cinema, história, geografia,
filosofia, teologia, política, direito e muito – muitíssimo – mais. E
nisso está, muito naturalmente, a razão do meu bem-querer pela Maughan
Library. Nos meus quatro anos de doutorado no King’s College London –
KCL, foram noites e mais noites caminhando entre aquelas estantes,
muitas vezes perdido naquele labirinto de salas e corredores, lendo e
escrevendo, sempre na boa companhia dos autores, de livros jurídicos ou
não, de minha predileção.
A história da Maughan Library como biblioteca é curiosa. A ocupação
do sítio onde ela se acha retroage ao período medieval (século XIII,
segundo se registra). A área foi adquirida pela Coroa em 1837. O imenso
prédio atual (a estrutura principal, refiro-me), projeto de Sir James
Pennethorne (1801-1871), foi edificado nos anos 1850 especialmente para
abrigar o “Public Record Office” (“arquivo público”, em português) do
Reino Unido. Nas décadas seguintes, foi várias vezes reformado e
atualizado. O edifício foi adquirido pelo King’s College London – KCL em
2001. Ao custo de algumas dezenas de milhões de libras esterlinas,
devidamente reformado e adaptado (é um edifício tombado, obviamente),
foi reinaugurado em 2002, com a presença da própria Rainha Elizabeth II
(1926-), agora como a Maughan Library (em homenagem a Sir Deryck
Maughan, homem de negócios e filantropo, ex-aluno do KCL, que fez uma
doação substancial à universidade).
Para se ter uma ideia da “majestade” da Maughan Library, ela é
muitas vezes tida erroneamente como o edifício principal do King’s
College London – KCL (que, na verdade, fica no campus da Strand, outra
famosa rua londrina). Sua fachada é lindíssima, com torres e detalhes
vitorianos quase indescritíveis. Os jardins externos, usados para
descanso ou para uma refeição rápida, são bastante agradáveis. A entrada
principal é pela bela torre do relógio, que se destaca da fachada como
principal atrativo para as fotografias dos estudantes e dos turistas.
Seu gigantesco interior, antigo e austero, apesar das orientações
afixadas em todo lugar, é labiríntico, embora não ao ponto, graças a
Deus, da “biblioteca borgeana” de “O nome da rosa” (1980) de Umberto Eco
(1932-2016). Imensas portas de madeira antiga ou de ferro fundido
separam um ambiente do outro. E só as janelas enormes, algumas
preenchidas com coloridos vitrais, nos roubam a sensação de isolamento.
Nesse “labirinto”, entre outras coisas, sugiro dar uma espiada nas
preciosidades da “Foyle Special Collections Library”, espécie de museu
da biblioteca (a exemplo do que se dá com todas as grandes bibliotecas),
que ocupa uma das partes mais antigas do prédio, a “Rolls Chapel/Weston
Room”, cuja estrutura retroage ao Medievo. E imperdível é uma visita ao
“Round Room”, sala de leitura circular (na verdade, dodecagonal), no
estilo da pertencente ao British Museum, com a qual certamente rivaliza
em atmosfera e beleza. Que tal realizar alguma pesquisa por ali, como
fizeram Robert Langdon e Sophie Neveu, em “O código Da Vinci” (2003), de
Dan Brown (1964-)?
No mais, a região onde está a Maughan Library, conhecida como a
“Legal London” (“Londres jurídica”, em português), é cheia de outros
pontos de interesse tanto para o “turista jurídico” como para o amante
de livros em geral. Por exemplo, quase em frente ao portão de entrada da
Maughan Library fica a mais bela das “Inns of Courts” de Londres, a
Lincoln’s Inn. Já sob uma das arcadas de entrada da Lincoln’s Inn (a da
Carey Street), fica a livraria jurídica de maior acervo em Londres, a
excelente Wildy & Sons. Mais ao sul, caminhando pela Chancery Lane e
chegando à famosa Fleet Street (que outrora foi a rua dos grandes
jornais londrinos), ficam mais duas outras “Inns”, o Inner Temple e o
Middle Temple, que valem também muito a pena ser visitadas. Na mesma
Fleet Street, bem pertinho, fica o belíssimo edifício das Royal Courts
of Justice (sede tanto da High Court of Justice como da Court of
Appeal). Aliás, sobre a “Legal London” e as “Inns of Courts”, já escrevi
aqui, com bem mais detalhes, em um conjunto de artigos intitulados
“Minhas livrarias em Londres I, II e III”.
Por fim, caro leitor, dali é muito fácil dar uma esticada pela Fleet
Street em direção (leste) à gigantesca e lindíssima St. Paul Catedral, a
obra-prima de Sir Christopher Wren (1632-1723), edificada entre os anos
de 1675 e 1710, e que desde então domina a paisagem da “City” londrina.
Coisa de cinco ou dez minutinhos caminhando. Mas, para ser sincero,
recomendo – quase exijo – “pit stop” no caminho, para o devido
abastecimento, no antiquíssimo Ye Olde Cheshire Cheese (número 145 da
Fleet Street), talvez o mais famoso dos pubs Londrinos, construído em
1538 e reconstruído em 1667 (após destruído pelo grande incêndio de
1666), do qual, dizem, Samuel Johnson (1709-1784) e Charles Dickens
(1812-1870), foram conhecidos “regulars”. E sem pressa, porque, ali,
querendo ou não, o tempo de pesquisa é contado em “pints” de cerveja.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP
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