NERUDA: “Quem Morre”?
Valério Mesquita*
Recebi da advogada
conterrânea Euda Fernandes, com escritório no Rio de Janeiro, um belo texto de
Pablo Neruda que me fez refletir, mais do que já faço, sobre a vida. Diz o
grande poeta chileno que “morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem
não ouve música ou quem não encontra graça em si mesmo”. E prossegue: “morre lentamente quem evita
uma paixão, quem não se permite pelo menos uma vez na vida fugir dos conselhos
sensatos ou quem se transforma em escravo do hábito, repetindo todos os dias os
mesmos trajetos”. Neruda é sábio no aconselhamento. São famosas e
universais as suas cartas e as perguntas
que um dia, aqui na Província, outro poeta, Diógenes da Cunha Lima, ousou
responder em livro com cem respostas às cem indagações do mestre de “Conto
Geral” e “Odes Elementares”.
Poeta do social e
revolucionário, Neruda sempre instigou quem o lê a interpretá-lo ou recriar as
suas vibrações líricas e reflexões existenciais, sem jamais perder a atualidade
sentimental de um mundo que se renova e se transforma. Daí, poder dizer com o
poeta sem qualquer despautério a sua criação intelectual, que também morre
lentamente quem deixa a vida pra depois ou ingressa em holocausto na
carbonizada política partidária do Rio Grande do Norte; morre lentamente o
funcionário que desde a instituição do plano real não recebe aumento de
salários; morre lentamente quem vive do salário mínimo ou depende do SUS ou da
rede pública hospitalar para viver; morre lentamente quem é correntista da rede
bancária brasileira, submetido aos cheques e traumas das CPMF’s, taxas e juros
extorsivos; morre lentamente quem adotou como profissão a atividade de produtor
rural nesse país, sem crédito, sem proteção e sem nenhum incentivo oficial;
morre lentamente quem se julga beneficiado pela enganosa qualidade do ensino
universitário hoje praticada no Brasil; morre lentamente quem acreditar na
eficiência da segurança pública, caso já não tenha sido ceifado de vez; morre
lentamente quem acreditar que o Brasil não é um país das maiorias corruptas,
praticante da lei da vantagem; morre lentamente quem crê na recuperação do real
perante o dólar estratosférico e inflacionário; morre lentamente quem acredita
que o bolsa família não é moeda eleitoral e na transposição das águas do Rio
São Francisco. E, por fim, com o perdão do poeta Pablo Neruda, morre
lentamente, daqui pra frente quem acreditar nos eleitos que gastaram e que
fizeram muito barulho para nada; dos que sonharam ou se iludiram com a mais
difícil e cada vez mais enganosa atividade pública: a política. Com a sua
permissão poeta, eu concluo, à maneira romana: saúdo aqueles que vão morrer por
acreditarem que a corrupção vai acabar e os culpados serão punidos.
(*) Escritor.
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