Gileno Guanabara.
O Bairro da Ribeira se ateve nos
limites da Cidade Baixa, circundado pelo Rio Potengi, entre as “Roccas” e o nascituro
Bairro da Cidade Alta. Numa faixa que se estendia desde a “Campina”, como era chamada,
sujeita às enchentes das marés altas, a Ribeira ganhou projeção urbanística, haja
vista o comércio conjugado à agitação do cais da Avenida Tavares de Lira. A população
de suas ruas e becos viu edificarem-se igreja, teatro, praças, escolas, grassou
o pecado, pois funcionavam plenamente os “estabelecimentos de distração”.
Dentre os logradouros mais importantes
da Ribeira tem-se a Avenida Tavares de Lira. Privilegiada durante o Governo de
Alberto Maranhão, ganhou arborização com fícus benjamim, calçamento a paralelepípedos,
postes e a passagem do bonde elétrico. Desde o cais, onde ancoravam os vapores
e a banda de música tocando para os que aportavam, a Avenida Tavares de Lyra se
estendia até os jardins da Praça José da Penha (ex-Praça Leão XIII). Ao fundo
destacavam-se as construções do “Monte Belo”, ofuscados depois pela presença da
Igreja do Bom Jesus, com suas torres retilíneas e sinos musicais. Avenida dos carnavais do confete, das
serpentinas e lança-perfumes; dos carros Ford l929 e do proselitismo
revolucionário, com os “meeting” das caravanas da Aliança liberal. A majestosa
presença do Hotel Internacional, de cujas sacadas os partidários da revolução, faziam
discursos inflamados perante a multidão. Batista Luzardo, Café Filho, Neves da
Fontoura, Kerginaldo Cavalcanti, (A Patativa do Norte), incendiavam os
populares com a eloquência dos discursos.
Outra via de importância do Bairro foi
a Rua do Comércio (atual Rua Chile). À margem direita do Rio Potengi, cruzava a
Avenida Tavares de Lyra, seguia em direção à Explanada Silva Jardim e ao
Edifício Fernando Costa. Nela residiu Ferreira Itajubá. Funcionou a usina de
beneficiamento de algodão de Wharton Pedrosa; funcionaram os armazéns de secos
e molhados das famílias Lettieri, Morelli, Machado e Suassuna e ainda a empresa
de beneficiamento de algodão Sanbra. Os clubes de remo. Lá estava a Estação da
Estrada de Ferro (atual sede da CBTU). Os trilhos seguiam a Rua em direção ao
Bairro das Roccas. A sede da Alfândega instalada ao final da Rua desde 1840. Entre o prédio da Estação e o da firma Wharton
Pedroza, o espaço aberto para o Rio, servia de depósito aduaneiro.
A Rua Dr. Barata antes fora Rua Visconde
de Rio Branco. Famílias ali residiram. Notabilizou-se pela atividade comercial.
Empórios como Galvão Mesquita; Farmácia Brasil; Armazém Lamas; A Cooperativa de
Crédito de Ulisses de Gois. A Livraria e Papelaria Pereira; Alfaiataria
Londres; A Nova Aurora, dentre outros. Ainda na direção Sul/Norte, a Avenida Sachet
que passou a chamar Avenida Duque de Caxias, arborizada com fícus benjamim,
canteiros centrais e residências. Nela se construiu o Edifício Alves Billa e residiu
o médico Januário Cicco.
Outra via pública, no mesmo sentido,
a partir da Praça Augusto Severo, era a Rua Senador José Bonifácio, que passou
a ser “Rua das Virgens”, atual Rua Câmara Cascudo. De moradias residenciais, lá
nasceu Luis da Câmara Cascudo. Apontando ao Nascente, a Rua General Glicério. Caminhou
desde os fundos da Igreja do Bom Jesus, em direção aos jardins da Lagoa do Jacó,
com residências, indústrias e serviços públicos (Usina de Algodão de João
Câmara e o Estádio de futebol e a Estação Central Ferroviária).
Durante o Governo de Alberto
Maranhão, o Bairro da Ribeira foi alvo das construções que lhe deram a atual
configuração, tendo por área central a Praça Augusto Severo. Nesse aspecto, o
prédio do Banco do Povo (atual Rádio Cabugi); o Edifício Fernando Costa; O
Banco do Brasil, os bondes da Cia. Municipal de Transporte, cuja rota
interligou a Ribeira aos demais bairros do Sul da cidade.
O encantamento do Zepelim e a tradição do Café
“Cova da Onça”, fechado em decorrência dos boatos políticos. Certa feita, Café
Filho em visita ao “Cova da Onça”, foi vítima de um tiro. Jogou-se ao chão. No
momento era seu acompanhante o correligionário Abelardo Calafange, que em
disparada gritava: “chame um médico”... ”Chame um médico”. Ele próprio era
médico. A Peixada Potengi e os saraus
gastronômicos de Cascudo. Os pecados da Rua 15 de Novembro. O albergue do “Beco
da Quarentena”. O descortino de Aluísio Alves e o periodismo de A Tribuna do
Norte; o Jornal do Comércio de Theodorico Bezerra; a presença do Teatro Carlos
Gomes, da Escola Augusto Severo, da Escola Doméstica de Henrique Castriciano, e
a Estação da Great West. O Grande Hotel na Praça José da Penha que acolheu governantes,
artistas e militares, são marcas de épocas diferentes que contribuíram para as transformações
urbanas que estavam por vir.
A Ribeira que durante o dia conciliava
a noção pueril de vida pachorrenta, dolente, à noite se via festiva na alegria dos
“estabelecimentos de distrações”, como eram chamados os cabarés e as boates. Na
polaridade de tais extremos, a Cidade do Natal viveu intensamente aquele
momento, tendo em vista se tornar moderna apesar de tudo. Enquanto os holofotes
da guerra não causavam preocupações maiores, a Ribeira viveu infestada de
vitrolas, luzes e boemia.
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