PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO (pe.medeiros@hotmail.com)
A primeira Carta Encíclica de Francisco dá o tom de seu estilo pastoral, apesar do projeto inicial ter sido concebido por Bento XVI, que ali traçou algumas ideias. No entanto, o uso de certas expressões, a riqueza de imagens a que faz referência, algumas citações de autores antigos e modernos fazem desse texto uma introdução ao pensamento do atual Pontífice, permitindo melhor compreensão de sua visão teológica.
No documento, Francisco emprega três verbos: caminhar, construir, confessar. São os mesmos de sua primeira homilia aos cardeais, no dia seguinte de sua eleição. De certa forma, podemos dizer que a encíclica está estruturada sobre este eixo. Dividida em quatro capítulos, mostra que se deve continuar a experiência que a Igreja viveu durante O Ano da Fé, com tantos fatos significativos.
Há encíclicas que se tornaram famosas pelo seu conteúdo, por exemplo, a Rerum Novarum, de Leão XIII (1891). Outras passarão à história pelo caráter inédito de sua gênese. É o caso da Lumen Fidei. O texto escrito “a quatro mãos” tem de insólito o fato de que os dois protagonistas estão vivos: um papa emérito e outro reinante. Não seria um caso sem precedentes, se Bento XVI fosse falecido, pois a primeira Carta de Ratzinger (Deus caritas est) utilizou material póstumo de João Paulo II. A novidade, portanto, está no fato da Lumen Fidei ter dois coautores. É o que expressa Francisco no começo do documento: Bento XVI “já tinha completado praticamente uma primeira redação desta carta encíclica sobre a fé. A ele agradeço de coração e, na fraternidade de Cristo, assumo o seu precioso trabalho, acrescentando ao texto algumas contribuições”.
No século XX, Pio XI bateu recorde em matéria de encíclicas, escrevendo quarenta e uma. No entanto, Francisco é o papa que publica a primeira em menos tempo, quase quatro meses, após ser eleito. Mais rápido ainda que João Paulo II, ao escrever Redemptor hominis, no sexto mês de seu pontificado.
Desde sua eleição como Papa, Bergoglio vem insistindo sobre a centralidade da fé. Parece-nos que seu programa está sintetizado na última parte da encíclica: “A luz da fé não nos leva a esquecer dos sofrimentos do mundo. Quantos homens e mulheres de fé receberam a luz das pessoas que sofrem! São Francisco de Assis, do leproso; a beata Madre Teresa de Calcutá, dos seus pobres”.
Talvez pudéssemos resumir a Lumen Fidei em poucas palavras: um humanismo evangélico. “A fé não é a luz que dissipa todas as nossas trevas, mas é uma lâmpada que guia nossos passos na noite e isto basta para o caminho. Não é prestar assentimento a um conjunto de verdades abstratas, mas fazer a vida entrar em comunhão plena com o Deus vivo”. A fé não é obscurantista, tampouco intransigente. É a primeira vez que um papa fala nisso, contradizendo a tese de alguns: “o catolicismo não pode se separar da intransigência”. Na Lumen Fidei, o Papa diz claramente que o católico não pode ser arrogante. Ao contrário, deve ser humilde, pois se refere a uma verdade que não lhe pertence: o Deus do Amor e da Misericórdia. Sem dúvida, é uma mensagem cheia de paz, sabedoria e bondade.
Francisco, pouco a pouco, está ocasionando mudanças na Igreja e na relação desta com a sociedade. Seus gestos têm mostrado uma nova face do catolicismo. Assim o fez, quando afirmara que deseja “uma Igreja pobre e para os pobres” ou anunciou que “para minha própria saúde mental, fico morando em Santa Marta, porque não quero viver isolado”. Ou, ainda, quando, em audiência para seis mil seminaristas, noviços, num discurso improvisado, proferiu estas palavras: “dói ver uma freira ou um padre com o último modelo de carro”. Em Roma, há quem antecipe que, após a Lumen Fidei, logo virá outra, tendo como eixo a bem-aventurança bíblica dos pobres.
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