(*) Gutenberg Costa
Em
casa de pobre só se encontra ‘catrevagem’ ou mesmo ‘bugigangas’. O ‘Dicionário
de Termos e Expressões Populares’, de Tomé Cabral,1982, mostra-nos o
significado para tais palavras: “quinquilharia, coisa sem valor.... coisa
ordinária, ruim, imprestável... estragada.... objetos sem valor...trastes...”.
Pobre passa a vida só juntando tanta troçada, que em dia de sua mudança é aquele
sufoco dos diabos. E por último bota em cima do caminhão, o pote, o galo e o
cachorro... o gato que é bicho da raça dos ‘bajuladores’, fica a espera do novo
morador/dono. Por estes motivos, apartamento nenhum do mundo caberia minhas bem
aventuradas e inseparáveis troçadas!
Está
na boca do povo que ‘ladrão quando entra em casa de pobre para roubar, morre de
susto’. Não sei se lá em casa o ladrão morreu, mas sei sim, que o mesmo saiu
muito assustado com o que viu e por isso não levou-me. Nada antigo.
Antiguidades valiosas que o mesmo não saberia usar e nem muito a quem vender. O
dito larápio só podia ser era um pobre analfabeto de pai, mãe e parteira para ter
saído tão rápido e deixar pra trás tanta catrevagens. O mesmo teria que ser um
expert em museologia para ter noção pecuniária de objetos de artes. Mas tudo
bem... Penso como os sábios matutos de Pendências: vão-se os anéis e ficam-se
os dedos!
Certo
dia uma vizinha, chegada do interior para morar na casa de uma filha - mansão
com muito luxo, veio fazer uma visita a minha casa e ao sair de sua
‘fiscalização’, teria feito tal comentário: “Nesta casa só tem cacarecos e
catrevagens”. E eu ao saber da elogiosa observação, dei muitas e gostosas
gargalhadas por várias semanas. Juro que na hora até lembrei-me daquela frase
que teria visto na traseira de um velho fusca há algum tempo: “É tudo velho,
mas já está pago!”.
E
para encerrar o ‘causo’ dessa ilustre visitante comentarista, eu lhes conto como
a tal voltou para a sua antiga morada de poucos móveis lá do seu sertão: o luxo
da casa da filha em Natal era todo fiado e quando as contas começaram a encher
a caixa de correspondência à bandalheira foi grande: a velha voltou para o
sítio lá do interior e a sua filha caloteira para a Itália.
Minha
saudosa mãe (dona Estela) sempre dizia ao seu filho caçula, duas máximas: - “Mil
vezes um bocado sossegado num barraco, do que uma mansão com tudo fiado e os
donos vivendo num inferno!”. E outra: “Dessa vida nada se leva!”. Já papai (Geraldo
Costa), ao seu modo, usava sempre essas duas filosofias de seu norteamento
cotidiano entre os seus sete filhos: -“ Só pegue na rodilha, se puder com o
peso do pote!”. E a segunda: - “É melhor o bucho do que o luxo!”.
Ainda
lembro hoje quando papai foi no seu fusquinha visitar a minha nova casinha e em
cima da bucha fez o seu sincero desabafo: “Agora meu filho você é um homem rico,
pois tem uma casinha sem ninguém cobrar-lhe o aluguel”. Para ‘seu’ Geraldo -
não era rico aquele que morava em mansão alugada ou mesmo apartamento financiado.
Ele dizia é da Caixa ou do Banco do Brasil...
Mas
voltando as minhas catrevagens ou ajuntamentos de tralhas velhas, lá em casa
tem muita coisa antiga em variados formatos, como: lamparinas; ferros de
engomar; brinquedos infantis de criança pobre do meu tempo; inúmeras coleções, vinis;
máquinas de datilografias; garrafas de cachaças; obras de arte em madeira,
metal, cerâmica e muitas porcarias boas; livros antigos; artesanatos de cidades
que fui; móveis antigos, relógios de paredes, utensilhos caseiros e interioranos,
além de quadros de pintores amigos e molduras com fotos antigas de familiares
por tudo quanto é canto...
Nada
de valor segundo os ladrões atuais e pessoas que gostam do moderno e luxuoso...
Uma vez, minha filha caçula, (Sarah Costa) fez-me a triste comparação: “Painho
o senhor ainda chama esse museu de casa!”. Em nome de sua sinceridade infantil
foi perdoada, pois respeito à liberdade de minhas duas filhas. E para minha segunda
filha, a minha casinha até hoje não passa de um ‘museu’, como com certeza
também para aquela minha ex vizinha que viveu pouco tempo numa mansão luxuosa toda
fiada. E diga-se, casinha com tanta coisa velha boa para recordar as casas de
meus avós! E para desagradar aos inimigos – minha riqueza está tudo paga graças
a Deus! Vivo pobre, feliz, barriga cheia, alegre, em paz e sempre rodeado de
bons amigos e amigas. Só invejando quem tem boa memória e saúde!
(*)
É presidente da Comissão Norte Rio Grandense de Folclore.