26/04/2014

GC



                          As Catrevagens lá de casa...
                                                                             (*) Gutenberg Costa

Em casa de pobre só se encontra ‘catrevagem’ ou mesmo ‘bugigangas’. O ‘Dicionário de Termos e Expressões Populares’, de Tomé Cabral,1982, mostra-nos o significado para tais palavras: “quinquilharia, coisa sem valor.... coisa ordinária, ruim, imprestável... estragada.... objetos sem valor...trastes...”. Pobre passa a vida só juntando tanta troçada, que em dia de sua mudança é aquele sufoco dos diabos. E por último bota em cima do caminhão, o pote, o galo e o cachorro... o gato que é bicho da raça dos ‘bajuladores’, fica a espera do novo morador/dono. Por estes motivos, apartamento nenhum do mundo caberia minhas bem aventuradas e inseparáveis troçadas!
Está na boca do povo que ‘ladrão quando entra em casa de pobre para roubar, morre de susto’. Não sei se lá em casa o ladrão morreu, mas sei sim, que o mesmo saiu muito assustado com o que viu e por isso não levou-me. Nada antigo. Antiguidades valiosas que o mesmo não saberia usar e nem muito a quem vender. O dito larápio só podia ser era um pobre analfabeto de pai, mãe e parteira para ter saído tão rápido e deixar pra trás tanta catrevagens. O mesmo teria que ser um expert em museologia para ter noção pecuniária de objetos de artes. Mas tudo bem... Penso como os sábios matutos de Pendências: vão-se os anéis e ficam-se os dedos!
Certo dia uma vizinha, chegada do interior para morar na casa de uma filha - mansão com muito luxo, veio fazer uma visita a minha casa e ao sair de sua ‘fiscalização’, teria feito tal comentário: “Nesta casa só tem cacarecos e catrevagens”. E eu ao saber da elogiosa observação, dei muitas e gostosas gargalhadas por várias semanas. Juro que na hora até lembrei-me daquela frase que teria visto na traseira de um velho fusca há algum tempo: “É tudo velho, mas já está pago!”.
E para encerrar o ‘causo’ dessa ilustre visitante comentarista, eu lhes conto como a tal voltou para a sua antiga morada de poucos móveis lá do seu sertão: o luxo da casa da filha em Natal era todo fiado e quando as contas começaram a encher a caixa de correspondência à bandalheira foi grande: a velha voltou para o sítio lá do interior e a sua filha caloteira para a Itália.
Minha saudosa mãe (dona Estela) sempre dizia ao seu filho caçula, duas máximas: - “Mil vezes um bocado sossegado num barraco, do que uma mansão com tudo fiado e os donos vivendo num inferno!”. E outra: “Dessa vida nada se leva!”. Já papai (Geraldo Costa), ao seu modo, usava sempre essas duas filosofias de seu norteamento cotidiano entre os seus sete filhos: -“ Só pegue na rodilha, se puder com o peso do pote!”. E a segunda: - “É melhor o bucho do que o luxo!”.
Ainda lembro hoje quando papai foi no seu fusquinha visitar a minha nova casinha e em cima da bucha fez o seu sincero desabafo: “Agora meu filho você é um homem rico, pois tem uma casinha sem ninguém cobrar-lhe o aluguel”. Para ‘seu’ Geraldo - não era rico aquele que morava em mansão alugada ou mesmo apartamento financiado. Ele dizia é da Caixa ou do Banco do Brasil...
Mas voltando as minhas catrevagens ou ajuntamentos de tralhas velhas, lá em casa tem muita coisa antiga em variados formatos, como: lamparinas; ferros de engomar; brinquedos infantis de criança pobre do meu tempo; inúmeras coleções, vinis; máquinas de datilografias; garrafas de cachaças; obras de arte em madeira, metal, cerâmica e muitas porcarias boas; livros antigos; artesanatos de cidades que fui; móveis antigos, relógios de paredes, utensilhos caseiros e interioranos, além de quadros de pintores amigos e molduras com fotos antigas de familiares por tudo quanto é canto...
Nada de valor segundo os ladrões atuais e pessoas que gostam do moderno e luxuoso... Uma vez, minha filha caçula, (Sarah Costa) fez-me a triste comparação: “Painho o senhor ainda chama esse museu de casa!”. Em nome de sua sinceridade infantil foi perdoada, pois respeito à liberdade de minhas duas filhas. E para minha segunda filha, a minha casinha até hoje não passa de um ‘museu’, como com certeza também para aquela minha ex vizinha que viveu pouco tempo numa mansão luxuosa toda fiada. E diga-se, casinha com tanta coisa velha boa para recordar as casas de meus avós! E para desagradar aos inimigos – minha riqueza está tudo paga graças a Deus! Vivo pobre, feliz, barriga cheia, alegre, em paz e sempre rodeado de bons amigos e amigas. Só invejando quem tem boa memória e saúde!         
(*) É presidente da Comissão Norte Rio Grandense de Folclore.


Lembrando Djalma Maranhão

Luciano Capistrano – luciano.capistrano@natal.rn.gov.br

Historiador/SEMURB

Professor/Esc. Est. Myriam Coeli

             Cidadão norte-rio-grandense Djalma Maranhão. Político, professor de educação física, jornalista e esportista. Fundador e diretor de jornais. Djalma Maranhão iniciou sua vida política nos primeiros anos da década de 1940, reorganizando as forças populares herdadas do Cafeísmo. Na eleição de 1954, foi eleito Deputado Estadual e na condição de primeiro suplente assumiu o mandato de Deputado Federal ( 1959 – 1960 ). Por duas vezes exerceu o cargo de Prefeito da Cidade do Natal. O primeiro mandato por nomeação do governador Dinarte Mariz e o segundo mandato, em 1960, por eleição direta, tendo seu nome sufragado por mais de 60% dos votos validos.

            Em conseqüência do golpe de Estado de abril de 1964 foi deposto da prefeitura. Esteve preso em quartéis do exército em Natal, na ilha de Fernando de Noronha e no Recife. Morreu no exílio, em Montevidéu, em 30 de julho de 1971, aos 56 anos de idade. Segundo o professor Moacyr de Góes de saudades de sua terra Natal.

            Efetivado o golpe militar-civil, no Rio Grande do Norte, retrato da situação que o país vivenciava em abril de 1964, as forças políticas e as organizações sociais oponentes ao regime militar instituído, foi vitimas da repressão, sendo toda a mobilização gradativamente desmontada. Sindicatos foram fechados e suas lideranças presas, dentre elas Elvlim Medeiros, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Natal. Foi o Primeiro preso Político do Rio Grande do Norte.

            Na manhã de 1º de abril, as principais ruas de Natal foram ocupadas pelas Forças Armadas. Estava inaugurado um período de perseguições, torturas e exílio. Época das trevas, muitos potiguares conheceram a dureza da clandestinidade, outros, a morte.

            Djalma Maranhão, é, com certeza, um dos personagens da história política Potiguar que mais identificou seus mandatos eletivos com os interesses do povo. Deputado Federal, foi durante sua estadia no Congresso Nacional um tribuno defensor das bandeiras nacionalistas. A luta por políticas de valorização e preservação dos interesses nacionais, sempre fizeram parte dos seus pronunciamentos. Político ético, sofreu por ter ousado em sonhar com uma sociedade solidária.

            Em tempos de crise ética, faz necessário registrar exemplos de homens públicos como o do prefeito dos autos populares, o amigo da cultura do povo, Djalma Maranhão. Não esqueçamos a invasão da prefeitura e a prisão do prefeito, da Campanha de Pé No Chão Também Se Aprende a Ler, e de grande parte de sua equipe. O famigerado golpe de 1964 interrompia, através da força, uma das experiências das mais exitosas, em termos de educação e de administração popular.

Djalma Maranhão, apesar da vida difícil do exílio, evocou à Natal por ele amada:

“Não te esquecerei, Natal!

Os olhos do sol transpondo as dunas,

Iluminando a cidade,

Que dormiu embalada

Pelo sussurro das águas do Potengi”.

            Natal não pode esquecer o prefeito dos autos populares, das praças de cultura, do incentivo ao esporte amador e da mais ousada política de erradicação do analfabetismo: “A Campanha De Pé No Chão Também Se Aprende A Ler”. Não, Natal não esquecerá o seu prefeito e fará sua à poesia de Palmyra Wanderley:

“Louvado seja o Prefeito que o destino da cidade tão cristãmente entendeu

Pelos cantos. Pelas danças. Pelos fandangos nas praças.
Pelas lapinhas de outrora. Revivendo a tradição
Aceite meus parabéns!”.

25/04/2014


O beija-flor da Ribeira

Elísio Augusto de Medeiros e Silva

Empresário, escritor e membro da AEILIJ
elisio@mercomix.com.br

Mais uma vez ando pelo casario velho da Ribeira. Tudo em paz – e, como dizem os poetas, é uma tarde gloriosa. Começo o passeio pela Rua Chile, repartida pelo trilho de trem que não circula mais. Cruzo com diversos operários de uma obra próxima em uma das empresas beneficiadoras de pescado.

Os prédios antigos da Rua Chile sempre me provocam recordações. O cheiro forte de maresia parece estar impregnado em todos eles. Poucos automóveis e caminhões circulam pela rua estreita – mesmo assim, o tráfego é congestionado e confuso.

Chego ao largo e detenho-me para observar o movimento do porto e o casario antigo, com suas fachadas estreitas e coloridas. As obras do novo terminal de passageiros marítimos continuam em ritmo acelerado. As lembranças embaçam, mas não apagam os registros da memória. Sinto a ausência do Bar da Bandeira, de Graça. Por onde andará “Loyde”?

Observo o Potengi que, apertado em suas margens, corre manso em seu leito largo. Alguns barcos descem rio abaixo, nos arrancos da correnteza. Ao longe, avisto o Iate Clube, a ponte Newton Navarro, as areias da Redinha.

Volto à Avenida Tavares de Lira, ao antigo Cais Pedro de Barros – no local, vários meninos pulam no rio e tomam banho. Sigo em direção contrária e, mais à frente, encontro um grupo de pessoas na esquina da Dr. Barata, comentando as novidades do dia.

Lembro-me do café Cova da Onça, do sebo de João Nicodemos, da alfaiataria do Laércio, do caldo de cana, da Peixada Potengi, da Tipografia Lira, de Santos & Cia, do cartório de Alínio Azevedo... coisas de outro tempo! Esses locais não existem mais, e muitos dos prédios por eles ocupados estão maltratados, sem reboco, deixando à mostra a intimidade dos tijolos brancos – em alguns um amontoado de entulhos.

A tardinha vem chegando, e o sol começa a esmorecer – o vento da tarde açoita as ruas pouco movimentadas do bairro ribeirinho. Nesse momento, avisto um pequeno beija-flor, que zumbia como uma abelha, sorvendo o néctar das flores de uma árvore próxima, na esquina da Rua Frei Miguelinho. Sua cabeça diminuta ao movimentar-se adquire tonalidades de cores que vão da púrpura ao verde; o peito colorido “furta-cor” e as penas brilhantes de variadas cores.

Isso nos dá uma sensação revigorante, embora perceba como muitos erros são cometidos contra esse maravilhoso pedaço de nossa cidade.

Dali encaminho-me pela Rua Dr. Barata estreita e sinuosa, que, nas décadas de 1930/40, era o centro do comércio da Capital. Impressiono-me com a quantidade de prédios comerciais fechados - alguns quase a desmoronar. Todos estão pichados pelo vandalismo.

Como cronista apaixonado pelo bairro, apresso os meus passos em direção à Praça Augusto Severo. Tive a sensação de que era seguido pelo beija-flor. Não encontro mais a Confeitaria Delícia, O Tabuleiro da Baiana, a Importadora Omar Medeiros... No entanto, o Teatro Alberto Maranhão continua firme na sua vigília centenária.

Vejo, consternado, como o bairro precisa de novos investimentos públicos e privados. Aqui fica o registro.


Arquivos


Arquivos públicos e privados: uma reflexão!

Luciano Capistrano  - luciano.capistrano@natal.rn.gov.br

Historiador/SEMURB

Professor/Escola Estadual Myriam Coeli


Na pesquisa histórica, a relação do historiador com o documento não é uma ação de neutralidade. A fonte histórica fala com a voz do pesquisador, com toda a subjetividade de quem olha o passado com o olhar do presente. Aqui não é nossa intenção fazer uma reflexão historiográfica, e, sim, trazer a reflexão, sobre nossos arquivos e seus acervos, para a ordem do dia. Compartilhar das angustias, de quem se sente impotente, diante do descaso que teima em persistir quando o assunto é preservação de vestígios do tempo passado. Este é o objetivo deste artigo.

O historiador, por seu oficio, dialoga permanentemente com o passado. Este fazer histórico o leva a andar entre arquivos públicos e privados, buscar construir os caminhos e descaminhos das gerações passadas é a tarefa primeira. Um labutar, por entre, poeiras, revirando velhos manuscritos, documentos, hoje, fontes que dizem mais do que uma carta de amor ou um balancete comercial. O objeto pesquisado não exerce a mesma função de outrora. No tempo presente o olhar do historiador, dá “voz” ao passado através de sua interpretação do documento selecionado.   

O encontro do documento é um dos momentos de maior felicidade do historiador. Como bem lembrou o professor Carlos Bacellar (2006): “o trabalho com fontes manuscritas é, de fato, interessante, e todo historiador que entra por essa seara não se cansa de repetir como os momentos passados em arquivos são agradáveis”.            

Realmente, a descoberta, o encontro com o passado através dos achados realizados nos arquivos é de uma imensa alegria. Saber que um álbum de fotografias, pode dizer muito dos valores constituídos de uma determinada sociedade, em uma determinada época, são fundamentais na construção da história.

Nossa cidade Natal, como o Brasil, carece de uma política de valorização dos arquivos, como espaços guardiões de nossa memória. Nestes, lugares, apesar da boa vontade dos seus funcionários, falta infraestrutura e equipamentos adequados para a conservação do acervo.

Um exemplo, bem ilustrativo, da situação destes lugares de memória, são o arquivo Público Estadual e o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Volto a repetir, meu caro leitor, nossos arquivos contam com profissionais comprometidos na preservação da documentação pertencentes aos seus acervos.  

Acervos em situação de risco. Coleções de jornais, manuscritos, fotografias, livros de óbitos, diversos tipos de documentos, enfim, encadernados mas impossibilitados de serem consultados, pois, o estado em que se encontram correm riscos de abertos, se desmancharem, virarem pó.

Urgente faz necessário, desenvolver políticas públicas referentes a preservação dos acervos  guardados nestes lugares de memória. Os arquivos públicos ou particulares, não podem ser tratados como, “lugar de mortos”, e sim “lugar de vivos”. Espaços em que encontramos o pulsar das gerações passadas, fazedores do amanhã. Aos órgãos de preservação da memória nacional, resta efetivar uma política de salvaguardar os acervos deixados por nossos antepassados. Uma política que contemple dois vieses: a organização dos arquivos  e o desenvolvimento de Educação Patrimonial. Deste modo, o indicativo infraestrutura e educação caminhando de mãos dadas na guarda dos “tesouros da história”.

  Não deixemos, então, as traças devorarem a nossa memória.

24/04/2014

 
 
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INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RN - NATAL - RN - BRASIL

Rocha Pitta e as informações de Nestor dos Santos Lima

João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, sócio do IHGRN e do INRG
Transcrevo para cá, ipsis litteris, carta enviada para Wanderley Pinho, autor de “História de um Engenho do Recôncavo”.
O Dr. Nestor Lima, presidente do Instituto Histórico do Rio Grande do Norte, forneceu ao autor as seguintes informações sobre as fazendas inventariadas no acervo do capitão-mor Cristovão da Rocha Pita: “As fazendas Caó (ou Cuó), Sacramento e Itu estão localizadas à margem direita do Rio Açu, no município de Santana do Matos, do Estado do Rio Grande do Norte. As fazendas Malheiro, Catinga e Canto dos Cavalos estão também localizadas à margem direita do Rio Açu, no atual município de Angicos, deste mesmo Estado. As fazendas Olho-d’água e Saco estão à margem esquerda do Rio Açu, no município deste mesmo nome neste Estado. E a fazenda Estreito, no município de Macau, à margem direita do Rio Açu, deste Estado”... “Constam dos registros das sesmarias existentes no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte as seguintes datas concedidas aos Rocha Pita: 1º) Data de Campo Grande, Três Irmãos e Aguamaré: João Teive Barreto de Menezes, a 24 de março de 1734, concedeu na Ribeira do Apodi, em Pau dos Ferros, uma sesmaria a Dinis da Rocha Pita Deus Dará, Luis da Rocha Pita, Francisco da Rocha Pita e D. Maria Joana Inácio Gomes Câmara – 2º) Data da Ilha do Sabugi: Joaquim Feliz de Lima concedeu, a 21 de fevereiro de 1781, a Cristovão da Rocha Pita, uma sesmaria na Ribeira do Açu.”... “É grande o desdobramento das terras que foram dos Rocha Pita nesta então Província e Capitania. “Cuó” ou “Caó” pertence hoje a Manuel da Fonseca Nobre que a adquiriu aos herdeiros ou filhos do Cel. Luis Antonio Ferreira Souto (meu avô materno) e este houve de seus antecessores em herança. Suponho que houveram estes a terra dos filhos de Cristovão da Rocha Pita. “Sacramento” é hoje um mundo de propriedades entre outras “Veneza” do Dr. Ernesto Emílio da Fonseca, “Ubarana” do mesmo e de outros herdeiros do Cel. Manuel Lins Wanderley, como sejam Minervino Wanderley, Maria Wanderley, Beatriz Wanderley, Minerva Wanderley e outros, filhos do finado Minervino Wanderley, do Açu. “Itu” pertence hoje ao Dr. Pedro Soares de Araújo Amorim e major Manuel de Melo Montenegro Pessoa, que houveram por herança do Cel. Ovídio de Melo Montenegro Pessoa, sogro e pai dos atuais donos e por que por sua vez herdou  do Cel. Manuel de Melo Montenegro Pessoa, comprador, por  escritura de 22 de setembro de 1845, a três filhas de Cristovão da Rocha Pita. “Malheiro está atualmente subdividido entre trinta proprietários em mil braças de terra. “Estreito é hoje de José dos Santos e outros muitos donos. “Olho –d’água” pertence aos herdeiros de Justiniano Lins Caldas. “Catinga” não conserva hoje o mesmo nome primitivo e é ignorado o seu dono atual. “Canto dos Cavalos” idem, idem. “Saco” pertence em parte a José Paulino de Oliveira e outros herdeiros de Antonio Benevides de Oliveira e a Camilo de Lélis Bezerra”. – Acrescenta Nestor Lima que na zona do Oeste, havia também fazendas dos Rocha Pitas, a respeito das quais se originou a demanda entre Rochas Pitas e Nogueiras, muito conhecida naquelas paragens nordestinas. E cita documentos: “O capitão Antonio da Rocha Pita dirigiu ao Ouvidor Geral Dr. Cristovão Soares Reimão a seguinte petição: Sr. Dr. Ouvidor Geral. Diz Antonio da Rocha Pita, morador nesta cidade, que, sendo senhor e possuidor de muitas partes de terra na Ribeira do rio Podi ou Poti e Lagoa do guerreiro Itaú, no Rio Grande do Norte, por compra feita aos mesmos Nogueiras, e estando ele nesta mansa e pacífica posse, a sua notícia, e vendo que o sargento Manuel Nogueira Ferreira e seus parentes os pretendem perturbar espalhando vaquejadas, edificando povoação em terras próprias, quando devia fazê-lo no lado esquerdo da lagoa do Itáu, onde existe a taba da tribo dos Payacus vilada há muitos anos pelo ouvidor Marinho, vem o suplicante pedir a V. Ex. para fazer notificar, para que dentro de suas terras não tragam ms. os suppdos vaquejadas, nem façam picadas, nem por si ou por interposta pessoa, sendo condenados a duzentos mil réis e degredo por cada vez que assim perturbaram  o suplicante em suas posses. Termos em que: P. a V. Excia. lhe faça mandar desde já notificar aos suppdos por tudo referido e condenação declarada. (Despacho) P. mdo. Em trás. (a) Reimão. Bahia, três de fevereiro de mil setecentos e três. – “A 10 de setembro de 1704, em audiência foram entregues os autos da questão ao Des. Reimão e a seu escrivão Alberto Pimentel pelo advogado dos Nogueiras, Carlos da Rocha, no lugar Mopebu (hoje São José de Mipibú) no Rio Grande do Norte – a 3 de março de 1708, o desembargador Reimão publicou a sentença da causa, julgando não provados os embargos dos Rocha Pita e provados os dos hereus Gonçalo de Castro e outros “visto os autos e disposições de direito”. Na sentença foi confirmada a data dos contrários e havida por nenhuma a dos Rocha Pita. Houve apelação para o Tribunal de Lisboa que por decisão de 29 de julho de 1713, pelos juízes Amaral e Dr. Ferreira Suderal, com vista do Procurador da Coroa, Ris., proferiu a confirmação”. – Sobre Nogueiras e Rochas Pitas vide Docs. Hist., vol. 69, pag.306.
No documento de Nestor, uma correção: a sesmaria de Campo Grande foi concedida ao coronel Luiz da Rocha Pitta Deus Dará, Francisco da Rocha (Pitta), Simão da Fonseca Pitta e D. Maria Joanna, e não há nenhum Dinis. Esse Inácio Gomes da Câmara, que aparece acima, é na verdade outro sesmeiro, que recebeu as terras que vão de Três Irmãos até Guamaré.
Escravos de Christovão da Rocha Pitta

                      S Ã O   P A U L O.  O   I N Í C I O.
Gileno Guanabara, do IHGRN

            São Paulo teve de início a história de três povoados: Com a destruição da feitoria de Pernambuco pelos franceses, sobrou a feitoria de São Vicente (ex-Porto dos Escravos). Era, pois, a única feitoria existente ao tempo da chegada de Martim Afonso de Souza (1532). Já instituídas as capitanias, uma vila foi fundada pelo donatário-mor, a qual se chamou Piratininga, a dez léguas do litoral, onde viviam padres e índios convertidos. Organizada a Câmara Municipal, passou à condição de vila, a primeira do Brasil, antes da criação de S. Paulo. Piratininga foi destruída pelos indígenas.

 Outro povoamento existente antes da chegada do navegador foi o de Santo André da Borda do Campo, fundada por João Ramalho, à margem direita do riacho Guapituba, início do alto do planalto, onde residiam mamelucos e índios. Foi alçada à condição de vila em 1553 e destruída em 1560, por ordem de Mem de Sá, Governador Geral, que ordenou fosse transferido o seu foral à vila de São Paulo.

            Representante da Companhia de Jesus no Brasil, Manuel da Nóbrega teve a incumbência de criar uma província. Para isso, ordenou aos padres recém-chegados da Bahia, Manuel de Paiva, José de Anchieta, Leonardo Nunes e outros, para que se enfurnassem na direção dos Campos de Piratininga, onde corria o atual rio Pinheiros (ou rio Piratininga) e ali fundassem um novo colégio dos Jesuítas no Brasil.

            Foram 13 os discípulos que, ajudados pelos índios da região, edificaram o “tejupar”, casa feita de palha, com portas de caniços e esteiras, que serviu de abrigo e depois colégio e igreja. Dormiam em redes, à maneira do gentio; acendiam fogueira no seu interior, à noite, a fim de dissipar o frio e os mosquitos. Andavam quase despidos, de pé no chão e não dispunham de alimentos, à exceção de quando os índios lhes doavam farinha de mandioca, peixes do rio ou, raramente, uma caça.

            No dia 25 de janeiro, consagrado pela igreja ao apóstolo São Paulo, no ano de 1554, nos campos de Piratininga, no altar singelamente edificado, foi rezada a missa pelo padre Manuel de Paiva, início da atual metrópole de São Paulo.

            A colonização iniciada pelo litoral evitava o vasto território do Pindorama, como chamava os nativos. Assim, a decisão de Manoel da Nóbrega de ordenar aos padres da Companhia de irem para o sertão de Piratininga foi relevante pelo fato dos portugueses “andar arranhando ao longo do mar, como caranguejos” (H. do Brasil, Frei Vicente do Salvador). A ideia de fundação de Brasília no cerrado, pois, não teria sido original.

            No sertão residiam monstros tenebrosos, dizia-se, a quem estavam confiadas as montanhas de ouro e prata por descobrir. Pedro de Gandavo (Hist. da Província de S. Cruz), professor que veio para ficar rico, referia-se a “pedras facetadas à maneira de diamantes” ... “arrebentando quando de vez, com estrondo” ... “pela terra a dentro, na encosta da montanha parturiente.”.

            De logo o percurso que os desbravadores enfrentaram. Defronte de si o cume da serra majestosa e íngreme, de onde se descortinavam as planícies que se esbanjavam na direção sul, depositárias de incontidas riquezas. Ao fundo, a ilha de São Vicente, o mar que a vista alcança. Visão projetada até o beiço do mar, baixio a que chamavam “Enguaguassú” (Pilão Grande), atual baixada santista, com a vista alongada até Santo Amaro e São Vicente. Pelo outro lado, a cercania alterosa da planície, que os indígenas chamavam “Paranapiacaba”. Ao seu derredor a Barra Grande, cujas águas salobras se encontram com as doces do “Mangaguá”, através dos riachos Cubatão, Itutinga, Pirakikê, e as dos vales do Jeribatiba e do Tescopara.

            Postados defronte à São Vicente os morros do Itararé, onde brotavam verdes canaviais, ao receptivo do Rio do Mantimento (“Turiuru”). Tal como sentinela avançada, despontando da floresta da Mantiqueira, Bertioga, portal de entrada e saída das terras baixas, cobertas de lodo e protegidas pelos manguezais.

            Ascendente o Jaraguá e as montanhas do Ibituruna do Parnaíba, emparedavam-se com a Mantiqueira faustosa, de onde desaguam as águas do riacho do Tietê. Eis, pois, a elegância descritiva do padre e cronista Simão de Vasconcelos (A Vida do Padre Anchieta), e o seu sentimento confesso: “amada capitania de São Vicente”.

            Os primeiros “mamalucos” do que veio a se formar São Paulo foram o berço da santidade de José de Anchieta, que chegou em São Vicente em 1553. Foram recepcionados por moradores “de frágil sentimento religioso, de grave obliterado senso moral”, no reconhecer de Nóbrega. Diferentemente da metrópole portuguesa, Anchieta e seus companheiros traziam consigo a liberdade, o instinto de criar a civilização mameluca, a epopeia diferenciada com base na fé e no desprendimento.

            Foram 13 os que desbravaram as encostas da “Paranapiacaba”, diante dos córregos do “Tamanduateí” e do Anhangabaú (Rio do Diabo), de onde corriam as “águas da maldade”, acercando-se da amizade e proteção dos gentios dos caciques “Tibiriçá” e “Cai-Ubi”.

            Despontava uma cumeeira de pedras avermelhadas, na direção sul, atual Largo da Liberdade. Tal saliência ia até o “Caaguassuí” (Mato Grosso), atual bairro da Vila Mariana. Sob a guarda das gentes de Tibiriçá, ao Norte e, ao Sul, as do gentio de Cai-Ubi, e noutra ponta, a trilha que seguia o rumo da atual Rua Direta, esta que foi a primeira rua de São Paulo.

            Eis o início da grande metrópole brasileira, “gente paulista, que tem no coração a imagem de um Brasil grande e glorioso”, no dizer do paulista e andrada, Antônio Carlos, em 1830.