PARTE 1
Vai texto de artigo publicado domingo retrasado, dia 30 de setembro de 2018, no jornal Tribuna do Norte (de Natal/RN):
Viajando com a amiga (I)
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP
Vai texto de artigo publicado domingo retrasado, dia 30 de setembro de 2018, no jornal Tribuna do Norte (de Natal/RN):
Viajando com a amiga (I)
É fato: nos romances da minha amiga Agatha Christie (1890-1976), nós
somos “convidados” a desvendar um crime. Seguimos os passos e o
raciocínio do seu Hercule Poirot ou da sua Miss Marple, através de um
jogo de pistas e charadas, para chegarmos a um final, quase sempre,
surpreendente. O mistério por detrás do crime é, com certeza, o mais
importante para o sucesso da estória.
É algo bem diferente do que
se dá com os policiais noir americanos, de gente como Raymond Chandler
(1888-1959) e Dashiell Hammett (1894-1961), que nos apresentam um mundo
estranho de dinheiro farto, casamentos falidos, destruição pelo álcool,
fêmeas fatais e assassinatos, misturado a um aparelho policial e
judicial corrupto, que é enfrentado pelos seus detetives durões. Nos
policiais noir, para o sucesso da coisa, o ambiente no qual estão
inseridas as personagens é tão ou mais importante do que a
trama/mistério em si.
Entretanto, por mais paradoxal que seja –
já que o ambiente onde se passa a estória, em Agatha Christie, é bem
menos importante que o mistério por detrás do crime –, para mim, uma das
coisas mais gostosas de se fazer, na companhia da Rainha do Crime, é
“viajar” nos seus romances.
Explico: em regra, o ambiente das
estórias de Agatha Christie é muito “saudável” e turístico. São casas de
campo em cidadezinhas da Inglaterra, balneários na sua “Riviera”, a
alta sociedade londrina ou mesmo o outrora pitoresco Oriente Médio. E o
turista, literário ou não, pelo menos aquele “bom da bola”, gosta de
viajar para lugares pitorescos, mas que sejam também saudáveis e
razoavelmente seguros.
É o que também pensam os autores de
“Agatha Christie: Shocking Real Murders behind her Classic Mysteries”
(publicado pela HarperCollins Publishers/Índia em 2017), que, mandando
esquecer o Nilo ou o Expresso do Oriente (aqui eu discordo), recomendam
vários sítios para se visitar, a partir das estórias da Rainha do Crime,
no sul do belo condado inglês de Devon ou mesmo na chamada Riviera
inglesa.
De fato, muitas das cidadezinhas inglesas retratadas
por Agatha Christie são visivelmente inspiradas na sua cidade natal,
Torquay, que, às margens do Canal da Mancha, em Devonshire, com seu
clima ameno, é um destino certo para os fãs da nossa amiga. O exemplo
mais visível disso é St. Mary Mead, a pequena vila fictícia criada por
Christie como lar da sua famosa detetive, uma senhorinha solteirona,
batizada de Miss Marple. St. Mary Mead aparece já em “The Murder at the
Vicarage” (“Assassinato na casa do pastor”, 1930), o primeiro caso da
querida Miss Marple, assim como em “The Body in the Library” (“Um Corpo
na Biblioteca”, 1942), também protagonizado pela detetive e que, de tão
bom, eu recomendo sem pestanejar. O mesmo se dá em “The Mirror Crack’d
from Side to Side” (“A maldição do espelho”, 1962), sem dúvida um dos
maiores sucessos de Agatha Christie. Neste romance, não
coincidentemente, o crime a ser desvendado é praticado em Gossington
Hall, antiga residência de Dolly Bantry, amiga de Miss Marple, a mesma
mansão em St. Mary Mead onde, alguns anos antes, foi encontrado o
cadáver no já citado “The Body in the Library”. Desde já eu asseguro: a
trama de “The Mirror Crack’d from Side to Side”, parcialmente inspirada
na trágica história da atriz americana Gene Tierney (1920-1991), é
simplesmente fantástica. Por fim, na fictícia St. Mary Mead também se
passa “Sleeping Murder” (“Um crime adormecido”, 1976), o último romance
publicado por Christie com Miss Marple “no comando” das investigações. E
aqui, para se ter uma ideia, o Hotel Imperial da trama não é outro
senão o famoso Hotel Imperial de Torquay, no qual, um dia, se Deus
quiser, fã da Rainha da Crime, eu de fato me hospedarei.
Mas não
foi só Miss Marple que andou xeretando por Devon e pela Riviera
inglesa. Também ali ambientados, mas com Hercule Poirot no comando das
investigações, os autores de “Agatha Christie: Shocking Real Murders
behind her Classic Mysteries” citam, entre outros, o excelente “The ABC
Murders” (“Os Crimes ABC”, 1936). Aqui, por exemplo, Poirot e Hastings
viajam, de trem, da gigante estação londrina de Paddington para a
“Churston Railway Station”, no sul de Devon, que fica não muito longe de
onde morou a Rainha do Crime. Dali dão ensejo às suas investigações.
Por aquelas bandas ainda se passa outro excelente romance de Christie,
também protagonizado por Poirot, que até já mencionei aqui, “Five Little
Pigs” (Os cinco porquinhos”, 1942). É seguro dizer que o local em que é
assassinado o pintor e hedonista Amyas Crale não é outro senão a famosa
Greenway House, a casa adquirida por Christie em 1938, perto de
Dartmouth e às margens do rio Dart, onde ela viveu idilicamente até o
explodir da Segunda Guerra Mundial. Greenway House, aliás, aparece
representada em pelo menos dois outros títulos de Christie: “Dead Man’s
Folly” (“A extravagância do morto”, 1956) e “Ordeal by Innocence”
(“Punição para a inocência”, 1958).
Por fim, é preciso lembrar
que, apesar da “campanha” dos autores de “Agatha Christie: Shocking
Real Murders behind her Classic Mysteries” em prol de Devon e da Riviera
Inglesa, os mistérios de Agatha Christie não se resumiram a essas
paragens. A Rainha do Crime passou por outras partes da Inglaterra.
Esteve frequentemente em Londres. Na verdade, como veremos na semana que
vem, ela foi até muito – e ponha muito nisso – mais longe.
Marcelo Alves Dias de SouzaProcurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP
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