Crimes econômicos (III)
Como adiantado no artigo da semana passada, hoje vamos conversar um
pouco sobre os órgãos/agências/agentes envolvidos na prevenção e na
repressão aos crimes econômicos e à corrupção.
Antes de mais nada, é possível afirmar (e, aqui, por razões
metodológicas, restrinjo-me ao ambiente dos delitos praticados contra a
União, suas autarquias e suas empresas públicas) que a Polícia Federal, o
Ministério Público Federal e a Justiça Federal formam a linha de frente
desse combate aos crimes econômicos e à corrupção. Ao cabo de tudo,
especialmente se as medidas preventivas não derem certo e for necessário
partir para a repressão, as coisas deságuam nesse tripé de
instituições. Os procedimentos criminais de que dispomos para esse
combate – o inquérito policial e a ação penal, sobretudo –, alimentados
pela Polícia Federal e manejados pelo Ministério Público Federal, têm,
em última ratio, como destinatário, o Poder Judiciário Federal.
Quase intuitivamente, já que mais do que nunca presente na mídia
nacional, todos nós conhecemos a Polícia Federal. Organizada
nacionalmente a partir de diretorias, a PF está descentralizada nos
estados federados, a exemplo do nosso Rio Grande Norte, em
Superintendências e, estas, em delegacias (regionais e especializadas). A
PF trabalha bem (sobretudo se levarmos em conta a situação nas polícias
civis dos estados). E para o combate à criminalidade econômica e à
corrupção, a PF, nas últimas décadas, se especializou. Para tanto, como
registra o excelente livro/guia “A investigação e persecução penal da
corrupção e dos delitos econômicos: uma pesquisa empírica no sistema
judicial federal” (publicado pela Escola Superior do Ministério Público
da União em 2016), no que se refere à sua estrutura organizacional, a
Polícia Federal conta com uma Diretoria de Investigação e Combate ao
Crime Organizado (Dicor), responsável pelo estabelecimento das
prioridades de atuação na investigação do crime organizado. A tal Dicor
“engloba, entre outras, a Divisão de Repressão de Crimes Financeiros
(Dfin) e a Coordenação-Geral de Polícia Fazendária (CGPFAZ). Da CGPFAZ,
por sua vez, fazem parte a Divisão de Repressão a Crimes Fazendários
(Dfaz) e a Divisão de Repressão a Crimes Previdenciários (Dprev). Nos
estados, as Superintendências também possuem delegacias especializadas
na investigação desses crimes e que estão vinculadas à orientação das
divisões mencionadas, conforme relacionamos, respectivamente: Delegacia
de Repressão a Crimes Financeiros (Delefin), Delegacia de Repressão a
Crimes Previdenciários (Deleprev) e Delegacia de Repressão a Crimes
Fazendários (Delefaz)”. Para uma criminalidade cada vez mais complexa, a
palavra na PF parece ser essa: especialização.
Acredito que esse deve ser também o mote do Ministério Público
Federal, que, constitucionalmente, é o titular da ação penal pública
para o tipo de criminalidade de que tratamos, além ser de o responsável
pelo controle externo da atividade policial, entre inúmeras outras
responsabilidades. Para o cumprimento de suas atribuições, o Ministério
Público Federal estrutura-se em três níveis diferentes: a
Procuradoria-Geral da República, as Procuradorias Regionais da República
para cada um dos cinco Tribunais Regionais Federais e, como pontas de
lança do combate à criminalidade, as Procuradorias da República nos
estados federados, com sede nas capitais e em alguns municípios
importantes. Espalhados nesses três níveis estão os agentes desse
combate. Busca-se, sempre que possível, a especialização na atuação. A
especialização entre as áreas cível e criminal é uma tendência
consolidada. E, nos últimos anos, assistimos a criação dos diversos
Núcleos de Combate à Corrupção em quase todas as Procuradorias da
República do país. Esse NCCs têm sido um sucesso. Outro tido de
especialização, para fins de coordenação e revisão das atividades
exercidas pelos membros, se dá por intermédio das Câmaras nacionais
(estas, por sua vez, podem ainda criar Grupos de Trabalho temáticos, que
estudam e elaboram as diretrizes de atuação nos mais diversos
assuntos). Três dessas Câmaras têm relação com a criminalidade
econômica: 2ª Câmara (matéria criminal em geral), a 5ª Câmara (combate à
corrupção) e a 7ª Câmara (controle externo da atividade policial e do
sistema prisional). Ainda para fins de combate à criminalidade
organizada, deve ser destacado o papel da Secretaria de Pesquisa e
Análise da Procuradoria-Geral da República e das Assessorias de Pesquisa
e Análise Descentralizadas, que realizam um papel importantíssimo de
assessoramento técnico aos membros do MPF (que, via de regra, não têm
formação em contabilidade, economia etc.).
Por fim, a própria Justiça Federal, no âmbito criminal, vem dando
seus passos em direção ao futuro. Em busca da eficiência, nas últimas
décadas, chegou-se à interiorização das varas federais e, mais
importante no nosso caso, à especialização criminal de varas nas
capitais dos estados federados. E, para além desse primeiro movimento de
especialização (criação de varas criminais), estamos agora assistindo a
um segundo passo, ainda mais relacionado ao nosso tema: “a
especialização no processamento e julgamento de crimes contra o Sistema
Financeiro Nacional e nos crimes de lavagem ou ocultação de bens,
direitos e valores e, em alguns casos, também nos crimes que envolvessem
organizações criminosas”. Para se ter uma ideia, quando de sua
publicação, em 2016, o livro/guia “A investigação e persecução penal da
corrupção e dos delitos econômicos: uma pesquisa empírica no sistema
judicial federal” já apontava: “Na Seção Judiciária do Paraná, mais
especificamente na Subseção Judiciária de Curitiba, existem duas Varas
Criminais (a 2ª e a 3ª Varas Federais) especializadas nos crimes contra o
Sistema Financeiro Nacional e de lavagem de dinheiro e nos crimes
praticados por organizações criminosas, independentemente do caráter
transnacional ou não das infrações”. Hoje, quem não ouviu falar na
Justiça Federal de Curitiba?
Entretanto, mesmo com toda essa especialização na Polícia Federal,
no Ministério Público Federal e na Justiça Federal, a coisa não é tão
simples assim. A expansão legislativa relativa aos crimes econômicos e à
corrupção (especialmente a partir da década de 1990) e a sofisticação
cada vez maior na prática desses delitos desafiam crescentemente o papel
desempenhado pelas três instituições que tradicionalmente dividem o
trabalho jurídico-penal nesta seara. E hoje há, de fato, com papéis
relevantíssimos, outras agências também engajadas na missão de
viabilizar e otimizar a prevenção e a repressão a esse tipo de
criminalidade. A Receita Federal, o COAF, o Tribunal de Contas da União,
a Controladoria-Geral da União e por aí vai. Mas sobre elas, por falta
de espaço hoje, só falaremos na semana que vem.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP |
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