30/05/2018

   
Marcelo Alves

 
Crimes econômicos (III)

Como adiantado no artigo da semana passada, hoje vamos conversar um pouco sobre os órgãos/agências/agentes envolvidos na prevenção e na repressão aos crimes econômicos e à corrupção. 

Antes de mais nada, é possível afirmar (e, aqui, por razões metodológicas, restrinjo-me ao ambiente dos delitos praticados contra a União, suas autarquias e suas empresas públicas) que a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e a Justiça Federal formam a linha de frente desse combate aos crimes econômicos e à corrupção. Ao cabo de tudo, especialmente se as medidas preventivas não derem certo e for necessário partir para a repressão, as coisas deságuam nesse tripé de instituições. Os procedimentos criminais de que dispomos para esse combate – o inquérito policial e a ação penal, sobretudo –, alimentados pela Polícia Federal e manejados pelo Ministério Público Federal, têm, em última ratio, como destinatário, o Poder Judiciário Federal. 

Quase intuitivamente, já que mais do que nunca presente na mídia nacional, todos nós conhecemos a Polícia Federal. Organizada nacionalmente a partir de diretorias, a PF está descentralizada nos estados federados, a exemplo do nosso Rio Grande Norte, em Superintendências e, estas, em delegacias (regionais e especializadas). A PF trabalha bem (sobretudo se levarmos em conta a situação nas polícias civis dos estados). E para o combate à criminalidade econômica e à corrupção, a PF, nas últimas décadas, se especializou. Para tanto, como registra o excelente livro/guia “A investigação e persecução penal da corrupção e dos delitos econômicos: uma pesquisa empírica no sistema judicial federal” (publicado pela Escola Superior do Ministério Público da União em 2016), no que se refere à sua estrutura organizacional, a Polícia Federal conta com uma Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado (Dicor), responsável pelo estabelecimento das prioridades de atuação na investigação do crime organizado. A tal Dicor “engloba, entre outras, a Divisão de Repressão de Crimes Financeiros (Dfin) e a Coordenação-Geral de Polícia Fazendária (CGPFAZ). Da CGPFAZ, por sua vez, fazem parte a Divisão de Repressão a Crimes Fazendários (Dfaz) e a Divisão de Repressão a Crimes Previdenciários (Dprev). Nos estados, as Superintendências também possuem delegacias especializadas na investigação desses crimes e que estão vinculadas à orientação das divisões mencionadas, conforme relacionamos, respectivamente: Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros (Delefin), Delegacia de Repressão a Crimes Previdenciários (Deleprev) e Delegacia de Repressão a Crimes Fazendários (Delefaz)”. Para uma criminalidade cada vez mais complexa, a palavra na PF parece ser essa: especialização. 

Acredito que esse deve ser também o mote do Ministério Público Federal, que, constitucionalmente, é o titular da ação penal pública para o tipo de criminalidade de que tratamos, além ser de o responsável pelo controle externo da atividade policial, entre inúmeras outras responsabilidades. Para o cumprimento de suas atribuições, o Ministério Público Federal estrutura-se em três níveis diferentes: a Procuradoria-Geral da República, as Procuradorias Regionais da República para cada um dos cinco Tribunais Regionais Federais e, como pontas de lança do combate à criminalidade, as Procuradorias da República nos estados federados, com sede nas capitais e em alguns municípios importantes. Espalhados nesses três níveis estão os agentes desse combate. Busca-se, sempre que possível, a especialização na atuação. A especialização entre as áreas cível e criminal é uma tendência consolidada. E, nos últimos anos, assistimos a criação dos diversos Núcleos de Combate à Corrupção em quase todas as Procuradorias da República do país. Esse NCCs têm sido um sucesso. Outro tido de especialização, para fins de coordenação e revisão das atividades exercidas pelos membros, se dá por intermédio das Câmaras nacionais (estas, por sua vez, podem ainda criar Grupos de Trabalho temáticos, que estudam e elaboram as diretrizes de atuação nos mais diversos assuntos). Três dessas Câmaras têm relação com a criminalidade econômica: 2ª Câmara (matéria criminal em geral), a 5ª Câmara (combate à corrupção) e a 7ª Câmara (controle externo da atividade policial e do sistema prisional). Ainda para fins de combate à criminalidade organizada, deve ser destacado o papel da Secretaria de Pesquisa e Análise da Procuradoria-Geral da República e das Assessorias de Pesquisa e Análise Descentralizadas, que realizam um papel importantíssimo de assessoramento técnico aos membros do MPF (que, via de regra, não têm formação em contabilidade, economia etc.). 

Por fim, a própria Justiça Federal, no âmbito criminal, vem dando seus passos em direção ao futuro. Em busca da eficiência, nas últimas décadas, chegou-se à interiorização das varas federais e, mais importante no nosso caso, à especialização criminal de varas nas capitais dos estados federados. E, para além desse primeiro movimento de especialização (criação de varas criminais), estamos agora assistindo a um segundo passo, ainda mais relacionado ao nosso tema: “a especialização no processamento e julgamento de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e nos crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores e, em alguns casos, também nos crimes que envolvessem organizações criminosas”. Para se ter uma ideia, quando de sua publicação, em 2016, o livro/guia “A investigação e persecução penal da corrupção e dos delitos econômicos: uma pesquisa empírica no sistema judicial federal” já apontava: “Na Seção Judiciária do Paraná, mais especificamente na Subseção Judiciária de Curitiba, existem duas Varas Criminais (a 2ª e a 3ª Varas Federais) especializadas nos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e de lavagem de dinheiro e nos crimes praticados por organizações criminosas, independentemente do caráter transnacional ou não das infrações”. Hoje, quem não ouviu falar na Justiça Federal de Curitiba? 

Entretanto, mesmo com toda essa especialização na Polícia Federal, no Ministério Público Federal e na Justiça Federal, a coisa não é tão simples assim. A expansão legislativa relativa aos crimes econômicos e à corrupção (especialmente a partir da década de 1990) e a sofisticação cada vez maior na prática desses delitos desafiam crescentemente o papel desempenhado pelas três instituições que tradicionalmente dividem o trabalho jurídico-penal nesta seara. E hoje há, de fato, com papéis relevantíssimos, outras agências também engajadas na missão de viabilizar e otimizar a prevenção e a repressão a esse tipo de criminalidade. A Receita Federal, o COAF, o Tribunal de Contas da União, a Controladoria-Geral da União e por aí vai. Mas sobre elas, por falta de espaço hoje, só falaremos na semana que vem. 

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

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