As livrarias de Oxbridge
“Oxbridge” é uma palavra amálgama que serve para designar
conjuntamente as cidades e, mais especificamente, as universidades de
Oxford e Cambridge. Pertinho de Londres, menos de uma hora de trem,
essas duas cidades universitárias são belíssimas e, assim, indicadas
tanto para o estudo sério como para o mero turismo diletante. Eu mesmo,
antes de fazer doutorado no King's College London, mais de uma vez
prestei exames (o IELTS e o ILEC, se não estou enganado) e estudei em
Oxford e em Cambridge. Direito no Corpus Christi College da Universidade
de Oxford (lembro-me bem) e língua inglesa em mais de uma das muitas
escolinhas de línguas que essas duas cidades oferecem. Para quem for ao
Reino Unido a passeio, enfaticamente recomendo dar um pulo nelas. Se não
nas duas, numa ou noutra (e desde já adianto que tanto faz qual delas).
Sobre “Oxbridge”, aliás, eu já escrevi aqui algumas vezes, como,
por exemplo, em “Oxford e Cambridge: as grandes rivais (I) e (II)”.
Entretanto, não me recordo de haver tratado das livrarias e sebos
dessas duas cidades, tipos de comércios que, em razão da natural demanda
de seus milhares de estudantes e professores, ali são achados, tanto
grandes como pequenos, em abundância.
Faço agora, selecionando, na profusão das dezenas de comércios de
livros novos e usados existentes, os quatro – dois em Cambridge e dois
em Oxford – que, por motivos diversos, mais me encantaram, tanto que
ainda guardo, na algibeira da memória, as boas horas ali passadas.
Começo pela “Heffer's Bookshop”, que pode ser considerada “a
livraria” de Cambridge. Mais que centenária, fundada em 1876 e
administrada pela própria família Heffer até a década de 1990, ela foi
adquirida e é hoje gerida pela rede de livrarias “Blackwell’s”. Muito
bem localizada, no número 20 da Trinity Street, é uma livraria gigante, a
maior de Cambridge, que, para além de livros, vende de quase tudo em se
tratando de produtos relacionados a leitura e à vida acadêmica da
cidade. O seu acervo é “especializado” em tudo, “de arqueologia a
zoologia”, para atender aos professores e estudantes da Universidade e,
de quebra, aos turistas/pesquisadores de ocasião. Se livros acadêmicos
não faltam, a Heffer's também se gaba do seu acervo mais diletante, a
exemplo das seções de ficção, em especial a da ficção policial, que ela
afirma ser a maior no Reino Unido. Quanto a mim, e olhem que já faz
algum tempo que estive lá, ainda recordo as tardes passadas na seção de
livros de segunda mão, garimpando exemplares bem conversados e com preço
bastante em conta. Adoro promoção.
Mas se tem uma livraria em Cambridge que me traz as melhores
recordações, essa é a “Cambridge University Press Bookshop”, que fica no
número 1 da Trinity Street. Não é uma livraria grande. Pelo contrário,
são dois andares de um prédio até modesto. O seu acervo, entretanto, que
gira em torno das publicações da Cambridge University Press, é, por
esse motivo, especial. Livros técnicos de todos os ramos do saber ali
são encontrados em abundância. Isso inclui direito e filosofia, ou a
mistura deles, que é a minha preferência. A loja atual data de 1992. Em
2009, foi inaugurada uma extensão especializada no aprendizado da língua
inglesa. Embora essas instalações sejam recentes, elas estão exatamente
no local/região onde historicamente – e ponha alguns séculos nisso – o
comércio de livros era realizado em Cambridge. Por sinal, turisticamente
falando, a localização é fantástica, mesmo na praça central que dá para
a fachada leste do King's College da Universidade de Cambridge. Tenho
guardada na memória a visita que lá fizemos, a família toda, no
comecinho do meu doutorado. E até hoje uso as sacolas de pano, com a
logomarca da livraria, que compramos, num tempo, tão gostoso, em que
ainda viajava com os meus pais.
Já em Oxford, a primeira livraria que tenho para sugerir é a “Oxfam
Bookshop”, localizada no número 56 da St. Giles Street. Para quem não
sabe, a Oxfam (por extenso: “Oxford Committee for Famine Relief”), como
organização não governamental, foi fundada em 1942. Hoje é famosíssima
para muito além do Reino Unido, estando oficialmente presente, através
da “Oxfam International Confederation”, em ao menos vinte países,
incluindo o Brasil. Indo à Terra da Rainha (a Londres, especialmente), é
quase certo topar com uma das lojas da Oxfam, quase sempre misto de
livraria, sebo e brechó. A Oxfam Bookshop aqui sugerida é a livraria
original dessa badalada organização, em funcionamento há mais de trinta
anos, e essa rica história já basta para ela merecer a nossa visita. De
toda sorte, o seu acervo também é muito bom, indo de obras de ficção e
outras “diletantices” a livros acadêmicos, para atender às necessidades
do ambiente estudantil da cidade. Esse acervo, pela própria dinâmica do
comércio de livros usados, muda frequentemente, o que é bom. E o preço é
bastante em conta, o que é ainda melhor.
Por derradeiro, ainda em Oxford, vai aquela que é considerada por
muitos “a melhor livraria do mundo” (com o que tendo a concordar): a
“Blackwell’s Bookshop”. Falo da loja gigantesca que fica nos números
48-50 da Broad Street, bem pertinho de algumas das melhores atrações
turísticas de Oxford, como a “Bodleian Library”, a “Radcliffe Camera”, o
“Sheldonian Theatre” e a “Bridge of Sighs”. Na verdade, inaugurada em
1879 (por um tal Benjamin Blackwell), com seus alegados mais de 250 mil
livros, a Blackwell’s é, por si só, uma atração turística nesta cidade
onde o cotidiano se confunde com o ensino e o aprendizado. Excetuando as
coleções especializadas (que ficam em outras lojas da rede Blackwell’s
na cidade), em termos de livros, ali se acha de tudo, tudo mesmo, para
fins acadêmicos (no que é imbatível no Reino Unido) ou não. O ambiente
colorido, para quem gosta da coisa, é de tirar o fôlego, sobretudo a
enorme “Norrington Room”, a sala subterrânea que, com seus cinco
quilômetros de estantes, em mais de um nível, é considerada, pelo
“Guinness Book of Records”, o maior espaço contínuo e permanente para
venda de livros do mundo. Para mim, quando penso em uma livraria
descomunal, que contenha de tudo, numa paródia imperfeita da Biblioteca
de Borges (1899-1986), é a Blackwell’s de Oxford, mais do que qualquer
outra, que me vem à cabeça.
Bom, caro leitor, em “Oxbridge”, recomendo que você visite essas
quatro livrarias. Se possível com a família toda, como eu fiz um dia,
num tempo em que ainda viajava com os meus pais.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP |
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