27/02/2018


 
   
Marcelo Alves

 


Coisa de cinema (I)

Das cidades da Índia onde estivemos, Jaipur (e incluo aqui os seus arredores) foi, disparado, a que mais nos encantou. 

Para quem não sabe, Jaipur, também conhecida como a “Cidade Rosada” (em razão da cor predominante em seus prédios), é a capital do Rajastão, talvez o mais belo estado da Índia. Cortado pelo rio Chambal, o Rajastão é uma terra de contrastes naturais. Tem-se um deserto a oeste, um semiárido ao norte, montanhas e florestas ao sul e até um parque nacional (com seus tigres) mais para o centro. Por falar em semiárido, nas nossas andanças por aquelas bandas, de uma cidade a outra, sempre de ônibus, achei a paisagem da região muito parecida com as paisagens da Angicos e da Umarizal dos meus avós. A diferença é que o populoso Rajastão é um dos estados indianos mais ricos em templos, palácios, fortes e assemelhados, com várias cidades belíssimas, como uma tal Udaipur, que, infelizmente, não tivemos oportunidade de conhecer. Fica para a próxima. 

Curiosamente, Jaipur é uma cidade de história recente (para os padrões indianos, claro). Antes dela, pelo que li e compreendi, a capital daquela região/reino era a vizinha Amber. Para o turista, e recomendo desde já, o mais interessante em Amber é a visita ao seu forte/palácio, que se acha no alto de uma elevação acima da cidade velha e não muito distante de um tal lago Maota. Pelo que nos foi dito, o Amber Fort (é assim que ele é chamado) foi originalmente erguido em 1592, sobre as ruínas de um forte ainda mais antigo. Foi consideravelmente ampliado no reinado do rajá Jai Singh I (1611-1667). Estivemos lá, naturalmente. Subimos do sopé do forte até o seu topo em elefantes. Todas fêmeas, em razão da menor agressividade destas, foi o que nos disseram (coisa esquisita, a natureza, tão diversa). Foi bem legal na hora. Tiramos muitas fotos. Mas depois fiquei com a sensação de que se impunha um esforço demasiado àquelas dóceis elefantas. Voltamos do passeio em velhos (e ponha velhos nisso) jipes. Achei melhor. 

A construção de Jaipur se deve ao rajá/marajá Sawai Jai Singh II (1688-1743), grande estadista e militar, matemático e astrônomo, historiador e urbanista e patrono de todas as demais artes e ciências. Segundo reza a lenda, que ouvimos ali várias vezes, quando tinha pouco mais de 10 anos, Jai Singh II recebeu do imperador mogal Aurangzeb (1618-1707) o título de “Sawai” ou “um e um quarto”, uma metáfora para alguém realmente extraordinário. E como consta do “Guia Visual Folha de São Paulo – Índia” (PubliFolha, 2015): “Com a ajuda de Vidyadhar Chakravarty, engenheiro talentoso de Bengala, Jai Singh ergueu uma nova capital ao sul de Amber e a chamou Jaipur (Cidade da Vitória). As obras começaram em 1727 e terminaram seis anos depois. Cercada por um muro com ameias, transposto por sete portões, Jaipur dispõe de um traçado geométrico de ruas e praças, em um dos melhores exemplos de cidade planejada da Índia”. 

O centro de Jaipur é cheio de atrações para o turista. 

Imperdível é a visita, que fizemos ainda em grupo, ao City Palace Museum, hoje um misto de palácio e museu. Como explica o meu sempre querido “Guia Visual Folha”: “No coração da cidade de Jai Singh II, o City Palace abrigou os governantes de Jaipur desde a primeira metade do século XVIII. O complexo amplo é uma sofisticada mistura das arquiteturas rajput e mogul. Seus prédios públicos abertos e arejados, no estilo mogul, conduziam aos aposentos privativos. Atualmente, parte do complexo é aberta à visitação, como o Maharaja Sawai Man Singh II Museum, mais conhecido como City Palace Museum. O acervo, que inclui pinturas em miniatura, manuscritos, tapetes moguls, instrumentos musicais, trajes reais e armamentos, oferece uma bela introdução ao passado de Jaipur como principado e a seu artesanato fascinante”. Passeio nota 10. 

Outro complexo muito interessante é o Jantar Mantar, que é o maior e o mais bem conservado dos cinco grandes observatórios astronômicos construídos pelo rajá Sawai Jai Singh II, que, espécie de polímata, era também versado em astronomia. Os outros, como registra Jawaharlal Nehru em “The Discovery of India” (Peguin Books, 2004), foram edificados em Déli, Ujjain, Varanasi/Benares e Mathura. A sua edificação data de 1728 a 1734. Basicamente, são mais de uma dezena de enormes instrumentos de pedra e alvenaria, que serviriam, entre outras coisas, para a marcação das horas, do nascer e do pôr do sol e até mesmo para a prever a chegada, a duração e a intensidade das famosas monções. Nos explicaram a ciência por detrás deles. Sem ser polímata ou entender de astronomia, não posso assegurar se funcionam. 

Deixando a mulher e mais duas amigas no comércio da vizinhança, fui sozinho ao belíssimo Hawa Mahal (ou “Palácio dos Ventos”), que, como parte do complexo do City Palace, mas projetando-se sobre a principal via da cidade, servia de esconderijo para as mulheres do harém observarem as festividades e mesmo o dia a dia de então. Lá hoje funciona um museu. Tirei fotos. Xeretei bastante. Não achei nenhuma concubina. Mas ainda assim valeu a pena. 

Entretanto – e aqui vai o mais importante –, ao contrário de Agra (pobre e desorganizada) e Nova Déli (grande demais e superpopulosa), Jaipur é, para o turista médio, uma cidade viável e vibrante. Nas suas ruas coloridas, já se disse, “motos lutam por espaço com camelos, e idosos de turbante se acotovelam com os jovens de jeans”. Mas é possível se hospedar bem e a locomoção não é nenhum problema. Ali, a modernidade (dos shopping centers e hotéis no estilo ocidental) convive com a tradição de seus monumentos históricos e de bazares labirínticos que vendem de quase tudo, acho que até felicidade. Parece coisa de cinema, mas não é. 

E é sobre essa cinematográfica vivacidade de Jaipur que conversaremos na semana que vem. 

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

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