19/02/2018


 
   
Marcelo Alves

 

Ao que tudo espera...

Ao partirmos em direção à Índia, uma das coisas que mais nos empolgava era a visita à cidade de Agra, para, especialmente, conhecer o célebre Taj Mahal, belissimamente cantado na voz do nosso Jorge Ben Jor. 

Localizada no estado de Uttar Pradesh, às margens do importantíssimo rio Yamuna, Agra é – juntamente com Nova Déli e Jaipur – uma das três cidades do turístico “Triângulo Dourado” indiano. Todavia, se você for a Agra esperando encontrar uma cidade esplendorosa (ou, no mínimo, organizada), vai se decepcionar. Como fomos advertidos pelo nosso guia assim que chegamos em Déli, um tanto exageradamente, “Agra não passa de um vilarejo”. Nem tanto, até porque ela é bem grande. Mas ali a pobreza condói. O trânsito – de caminhões, carros, motos, tuc-tucs, pessoas, vacas, cães e por aí vai – é muito mais que caótico. A sujeira é gritante. E toda essa confusão, que incrivelmente funciona, faz de Agra, de fato, “outra civilização”. 

Para o turista médio, o que mais importa em Agra são os monumentos do seu passado como antiga capital do Império Mugal, que, com os seus soberanos muçulmanos, dominou grande parte da Índia por cerca de dois séculos. O primeiro desses “conquistadores” muçulmanos foi Babur, que era, segundo registra Alain Deniélou em “A Brief History of India” (Inner Traditions, 2003), descendente tanto de Tamerlão como de Genghis Khan. A ele se seguiram outros famosos soberanos, como Humayun, o grande Akbar, Jahangir, Shah Jahan (o responsável pela caríssima construção do Taj Mahal), Aurangzeb (que depôs o pai pelas “loucuras” do tipo Taj Mahal) e por aí vai. Se você for à Índia, vai ouvir muito esses nomes. 

Agra teve seu apogeu sobretudo nos séculos XVI e XVII, sob o domínio dos imperadores Akbar, Jahangir e Shah Jahan, que trouxeram à corte artistas de toda a Índia e da Ásia Central, para construção de seus belíssimos fortes/palácios e mausoléus, alguns deles declarados Patrimônio da Humanidade pela Unesco. 

Um deles é o Forte de Agra (“Agra Fort”, como ele é chamado por lá), que se espalha nas beiradas do rio Yamuna. Em arenito vermelho, ele foi edificado por Akbar, que é considerado o maior dos imperadores da dinastia Mugal, entre os anos de 1565 e 1573. Shah Jahan e, mais recentemente, os britânicos fizeram consideráveis acréscimos ao complexo de áreas públicas e privadas. Com seus portões, pátios, salões, galerias e fossos, esse forte/palácio me encantou por dar a noção de uma corte – seja do império Mugal, seja do Taj britânico – em pleno funcionamento. 

Também adorei a visita ao “místico” Fatehpur Sikri, mistura de forte, palácio, cidade e capital, situado não muito longe de Agra, cuja história já tinha visto inúmeras vezes num desses ótimos canais de TV por assinatura. Como explica o “Guia Visual Folha de São Paulo – Índia” (PubliFolha, 2015): “Fundada pelo imperador Akbar entre 1571 e 1585, em homenagem a Salim Chishti, famoso santo sufi da ordem chishti (p. 380), Fatehpur Sikri foi capital mogul por catorze anos. Ótimo exemplo da cidade murada mogul, possui áreas públicas e privadas bem definidas e portas imponentes. Sua arquitetura, uma mistura de estilos hindu e islâmico, reflete a visão secular de Akbar, assim como seu estilo de governo. Depois que a cidade foi abandonada (dizem que por falta de água), muitos de seus tesouros foram pilhados. Ela deve o atual estado de manutenção aos esforços iniciais do vice-rei, lorde Curzon, um conservacionista lendário”. Minha sensação aqui foi outra. A satisfação de ver “in loco” aquilo que assistia maravilhado pela TV, misturada com a aura de abandono e de mistério que envolve a história daquele lugar. Foi muito bom mesmo. 

E o tal Taj Mahal? 

Bom, o Taj Mahal é um dos monumentos mais badalados do mundo. Construído pelo imperador Shah Jahan, como prova de amor a sua consorte favorita, Mumtaz Mahal (falecida em 1631), ele é cantado em verso e prosa (vide a música do nosso Jorge). Finalizado em 1643, custou muitos milhões de rúpias, muito ouro e doze anos de suor de dezenas de milhares de artesãos e operários de então. E, mais à frente, também o trono do próprio Shah Jahan, nas mãos do seu filho Aurangzeb. De proporções perfeitas, esse túmulo-jardim é realmente muito belo. Belíssimo. O mármore trabalhado, o luxo das pedrarias, a caligrafia rebuscada, os tapetes, a câmara mortuária, o espelho d'água na parte de fora e tudo o mais mostram o refinamento do apogeu da arte mugal. Em termos de harmonia e elegância, difícil achar outro igual. Tiramos muitos retratos com um fotógrafo local que, pelas ordens que me dava, devia ser descendente de um dos imperadores acima citados. 

Mas sabem de uma coisa? Depois da visita, conversando, nós dois concluímos que restou uma certa sensação de decepção. Não foi tudo aquilo que esperávamos. Cogitamos que a razão disso talvez esteja no fato de o Taj Mahal ser essencialmente um túmulo e não ter a vivacidade/dramaticidade daqueles maravilhosos fortes/palácios que já havíamos visitado. 

Mas eu tenho uma explicação melhor. Simplesmente esperamos antecipadamente demais do mausoléu de amor (talvez um êxtase?). Sem ignorar a sua história, muito pelo contrário, ficamos ansiosos demais pelo calmo Taj Mahal. E assim infringimos gravemente uma das leis de Ricardo Reis/Fernando Pessoa. Afinal: “Aos que a riqueza toca, o ouro irrita a pele/Aos que a fama bafeja, embacia-se a vida/Aos que a felicidade é sol, virá a noite/Mas ao que nada espera, tudo que vem é grato”. 

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

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