O MORRO DOS VENTOS UIVANTES
Valério Mesquita*
mesquita.valerio@gmail.com
Não é o romance da
escritora inglesa Emily Bronte (1818-1848). O morro dos ventos uivantes é o
Guarapes, entre Natal e Macaíba. Aquele frontispício em ruínas, vergastado pelo
vento e cercado de densa vegetação – visto da estrada – tem aparência e
transparência de mistério e esplendor. Uma ruína viva do passado. À noite,
habitantes das redondezas escutam vozes e ruídos estranhos como se tudo
desejasse restituir o burburinho de outrora. Fabrício Pedroza, o capataz dos mistérios
circundantes, em vestes senhorais, já foi visto várias vezes subindo e descendo
as encostas. Quem passar por ali, ao largo, sentirá frêmitos e calafrios. Há um
gemido suspenso no ar pedindo para ser ouvido.
Toda aquela área é
propriedade efetiva do governo do estado e afetiva do povo de Macaíba. Por ser
um patrimônio histórico, foi tombado, desapropriado e pago pelo poder público
estadual com o objetivo de restaurá-lo, desde o início do ano dois mil. Ali, doze
décadas de história nos contemplam. Há anos que ergo a minha voz, sem que seja
ouvido. Ao derredor do casarão semidestruído, grileiros se apossam para barganharem
posses ilícitas e falsos privilégios. Tudo me parece crer que o dinheiro
público foi enterrado sem a devolução da paisagem, do tempo e da história do
Rio Grande do Norte. Uma página está faltando nos livros escritos pelos
historiadores Câmara Cascudo, Tavares de Lyra, Tarcísio Medeiros, Olavo
Medeiros Filho e tantos outros.
Nas urnas do ano 2006,
em Macaíba, inúmeros parlamentares obtiveram votos para se elegerem. De
estadual a federal. Ninguém se lembrou, até agora, de colocar uma emenda
parlamentar em favor da restauração do empório dos Guarapes. Nem, ao menos, uma
pífia proposição no plenário lembrando ao poder executivo o resgate dessa
memória caída no escuro tenebroso do esquecimento. Não posso deixar de
salientar as sucessivas promessas oficiais de cumprir esse compromisso. E o
cobro em nome dos filhos de Macaíba, como acadêmico, como confrade do Instituto
Histórico, como membro do Conselho Estadual de Cultura, e, enfim, como
ex-parlamentar que iniciou todo esse processo memorialístico.
Anos passado, em encontros
eventuais com os últimos governantes, entre outros assuntos, repeti a cobrança.
Primeiro, revelei que havia tido uma
visão emblemática. Elas manifestaram curiosidade e estranheza. Narrei que ao
passar pelo morro dos Guarapes me deparei com esquisita procissão liderada por
Fabrício Pedroza e dezenas de falanges espíritas repetindo em uníssona voz que
iriam perturbar o sono delas. Riam e entendam a sutileza do bem humorado e atípico
lembrete. “Diga a Fabrício, que não precisa dessa assombração. Já me comprometi
e vou fazer”. Cá comigo, disse eu: mas os ventos não cessam de uivar. Nem
Vilma, nem Rosalba cumpriram a palavra ou não puderam. O tempo passou e veio o
novo governador sob o domínio do mal. Esse fez pior. Devolveu um milhão de
reais que o ministério do turismo havia remetido para o início da restauração
do Casarão dos Guarapes. Agiu politicamente com ranço e rancor. O dinheiro
estava na Caixa Econômica do Rio Grande do Norte. E o projeto técnico estava
pronto e Faria não pediu, como deveria, a prorrogação do convênio.
Por fim, tudo voltou
a estaca zero. Macaíba mergulhou no esquecimento.
(*) Escritor.
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