LUTAS E ADVERSIDADES
Valério Mesquita*
Outubro se despediu em
meio à efemérides, tormentos e mistérios. Nele foi celebrada a canonização dos
mártires de Cunhaú e Uruaçu. Provou-se que a alma é divina e a obra humana
imperfeita. As formas imprecisas e os rostos invisíveis dos martirizados não
foram abstratos. Mas reconhecidos na história e nos altares. Lembro o infante
arcebispo Nivaldo Monte pugnando e estabelecendo o rumo e o prumo da longa
jornada. Nada pode ficar encoberto. Tudo teve que ser revelado. Monsenhor
Francisco de Assis e o padre Pio empreenderam viagem de circunavegação flamenga
que antes Mauricio de Nassau fizera em 1630 de lá para cá. Em Haia, o silêncio,
a névoa do tempo e o assombro da hecatombe dos cristãos não esmoreceram o ânimo
dos dois pesquisadores.
Nesse anfiteatro de
ressurreição de ambientes, lembro ter feito o meu dever de casa ao tempo em que
presidi a Fundação José Augusto. Dom Nivaldo foi o entusiasta maior no sonho de
desvendar as ruínas de Cunhaú. Tudo era escombro. Apenas tijolos, monturos e
entulhos. O projeto de restauração elaborado pelos arquitetos Paulo Heide Feijó
e Orígenes Monte sofreu ingentes resistências no IPHAN em Recife, exigindo viagens
em meio às turbulências e dúvidas. A última nau saída do cais da Tavares de
Lyra em Natal conseguiu convencer os técnicos pernambucanos que a densidade
histórica do solo e do genocídio de Cunhaú não poderiam ficar à margem. Afinal,
foi restituída a capela de Cunhaú, com recursos do Programa Pró-Memória do
governo federal e da Fundação Roberto Marinho sob as lágrimas de dom Nivaldo, quando
revivia em palavras o sofrimento do martírio.
A restauração de ruínas
históricas são possibilidades técnicas cosagradas e aceitas no sentido de
resguardar e/ou recompor as origens, a memória, as raízes, em qualquer sentido,
apurados os fundamentos, o legado e a importância no contexto cultural de
qualquer local, cidade ou povo. Assim ocorreu também com as ruínas do Solar do
Ferreiro Torto em Macaíba. Em 1974, como prefeito, desapropriei o velho casarão
e toda a área adjacente que pertencia aos herdeiros de dona Amélia Machado. Houve
contenda cartorial (que era de se esperar), mas, por sentença judicial, meses
depois, o município tomou posse do imóvel em ruínas. Ano seguinte, convidado
pelo então governador Tarcísio Maia, assumi a presidência da Empresa de Turismo
do Rio Grande do Norte, renunciando um ano do mandato de prefeito. Com recursos
obtidos junto ao governo federal para a restauração de monumentos históricos
para fins turísticos, foi celebrado convênio com a Fundação José Augusto e
repassados os recursos recebidos, visto que, ela é a instituição responsável
pelo patrimônio memorialístico do Rio Grande do Norte. Essa decisão,
corroborada pelos colegas da diretoria Valmir Targino e Francisco Revoredo,
custou a minha saída do cargo de presidente da EMPROTURN. O governador desejava
que o recurso federal fosse aplicado na recuperação da cadeia pública de
Mossoró. Mas, o Solar do Ferreiro Torto felizmente foi restaurado com luta e
adversidade. Paguei caro por uma obstinação que muitos esqueceram.
Sobre esse episódio
cabe uma reflexão: por que o atual governo recusou a dotação federal de quase
hum milhão de reais para restaurar o empório dos Guarapes? Ademais, a área
desapropriada é propriedade do Rio Grande do Norte, tombado pelo patrimônio
histórico, já com o projeto técnico pronto e o dinheiro na Caixa Econômica
Federal “ouvindo” a omissão, conforme atestou a Procuradoria da Defesa do Patrimônio
e do Meio Ambiente. Chegaram até a informar que a verba havia retornado a
Brasília. Depreende-se que o governo do Estado procura convencer
permanentemente as pessoas com aquilo que elas não precisam.
Com a palavra os
responsáveis.
(*) Escritor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário