15/11/2017



BRITO E O PROTOCOLO DA CANINHA

Valério Mesquita*
Mesquita.valerio@gmail.com

01)  Nas eleições diretas de 1982 para governador, a SUDENE voltou a desempenhar importante papel no desenvolvimento do Nordeste. Qualquer notícia sobre as ações da SUDENE ganhava as primeiras páginas dos principais jornais do país. Em Pernambuco, o então governador Roberto Magalhães anfitrionava os colegas e suas comitivas com whisky 12 anos, sucos e acepipes. A secretária chefe do Gabinete Civil era Margarida Cantarelli, mulher finíssima, cara de madre superiora. Certa vez, foi polidamente interpelada pelo secretário de estado Manoel de Medeiros de Brito com uma sugestão inteligente, mas não menos capciosa. “Professora Cantarelli, com todo respeito”, pondera Brito, “reconhecemos à unanimidade que Pernambuco é a terra abençoada e pródiga do melaço da cana, da galinha caipira e da carne de sol. Mas, não vemos, para nossa tristeza, esses produtos da culinária nordestina serem exibidos à mesa para todos os convidados”. Margarida Cantarelli anotou a sugestão e nas reuniões seguintes, a cachaça, a galinha caipira e a carne de sol, ingressaram no cardápio das recepções do Palácio Campos das Princesas do governo de Pernambuco, pra ninguém botar defeito, graças a Brito.
02) O garçom do Palácio chamava-se Paulo Maluf e se tornou amigo incondicional de Brito. Quando terminava a reunião da SUDENE e os primeiros grupos chegavam ao salão de recepção para os aperitivos inaugurais do almoço, e uma voz se erguia em meio aos circunstantes: “Maluf, Maluf, cadê a minha cachaça!”. Era Brito exercitando o ritual.
03) De outra feita, a caninha foi servida (ainda discriminada), sob olhares de esgueira dos presentes. O jornalista João Batista Machado, bem posicionado, comenta: “Brito parece que só nós dois estamos bebendo!”. “Que nada, Machado Lopes”, rebate Brito, “o beiçola ali já tomou três”. O beiçola era João Alves, governador do Sergipe, o mulato dos lábios carnudos. Gostava de uma pinga “amuada”.
04) Certa vez, estava no interior, quando veio o apelo irresistível de uma cachacinha. O seu fiel escudeiro era Raul, motorista. “Raul”, recomenda Brito, com parcimônia, “veja se encontra nesses botecos uma cachaça pelo menos razoável”. Empreendida a busca, volta Raul com a recomendação protocolar: “Dr. Brito, tem umas, mas não são de boa qualidade”. Brito, sediço e aliciador, sentencia: “Seu Raul, ruim é não ter”.
04) Brito é um exímio apreciador da “pinga” nordestina. Degusta o precioso líquido como se fosse um príncipe do semiárido. Como Secretário do Interior e Justiça, Brito gostava de integrar a comitiva oficial às reuniões da Sudene em Recife. E explicava ao jornalista Machadinho: “eu vou porque lá é tudo muito bom e barato”. Mas nunca perdia o paladar de uma branquinha. Na capital do frevo, encontrava sempre o amigo Raimundo Nonato Borba, chefe da Representação do Rio Grande do Norte junto à SUDENE. Como é do seu hábito, arranjou-lhe logo um apelido: Borba Gato. E no trajeto do aeroporto à Sudene, do banco traseiro Brito avisava: “Borba Gato, não se descuide de parar antes num boteco para eu beber um “rabo de lagartixa”.
05) O Palácio Campo das Princesas, em Recife, era o local refinado das reuniões da Sudene para os convescotes e rega-bofes do mundo oficial do Nordeste. Num desses eventos gastronômicos, estava presente o então Secretário da Indústria e Comércio do Rio Grande do Norte, Jussier Santos. Conhecido pela sua finesse, foi logo se servindo de champignon e sugerindo a Brito para provar aquela delícia. E esse responde de bate-pronto: “Jussier, eu não como frieira”.



(*) Escritor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário