Para repousar, rede de deitar
14/03/2017
Mobiliário & objetos
texto Gustavo Sobral e ilustração Arthur Seabra
A patente declarada é ser herança indígena. Peça do mobiliário
brasileiro, foi ficando mansa ao repouso dos ventos nas varandas e
terraços, nos alpendres, formando curva armada entre as pilastras,
segura nos armadores, para contemplação e sossego, seja sentado,
deitado, atravessado. Dizem que à noite, nela os casais se fazem um só e
são capazes de gerar terceiros, é o milagre da multiplicação que também
está na rede. Portátil desde sempre, os índios não foram bobos que
nada, fizeram uma cama para levar a qualquer lugar, basta enrolar e
fazer uma trouxa.
É possível de pendurar em qualquer canto. Já se viu muito
caminhoneiro pela estrada, quando há parada para descanso, armá-la na
sombra da carroceria. Antigas do tempo das ocas preenchiam o vão do
espaço e nela se deitava todo mundo, balançavam os mais velhos e os
meninos. E assim foi ficando. Um conhecido tinha por hábito, que não
herdou dos barões e do rei Dom João VI, de andar de rede conduzido por
dois carregadores. Privilegio do uso de quem lhe fazia as vontades.
Dizia à mulher, quero andar de rede, e lá se ia realizado o capricho.
A arquiteta ibrasileira (de origem italiana) Lina Bo Bardi quando
conheceu a rede tomou-se encanto: era além de cama, cadeira, certa que o
que povo confia e leva adiante no tempo é a verdadeira sabedoria do
conforto no uso. Feita de tecido, corda, os materiais são diversos,
para explicar a sua composição basta se dizer assim: é como um grande
lençol que se estica para deitar. Nas pontas, os chamados punhos, que é
onde está a estrutura para pendurar ou amarrar, seja numa pilastra, que
lhe dará sustento, porque é feita para ser pendurada, seja onde for.
É um móvel extremamente utilitário, mas como o homem é bicho que não
vive sem enfeite, para ela foram feitas as varandas, que são bordados
que se prendem às suas margens laterais, tramas desenhadas e compostas
pelas rendeiras. O sertanejo pobre também dela se aproveitou para
sepultura. O defunto se enterra com sua rede. Nela adormecido no sono
eterno, por ela é levado para a cova (rasa) quando se transpassa uma
vara entre os punhos para armá-la conduzida por dois serventes do
destino último na solidariedade derradeira da vida.
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