A REVOLUÇÃO PERNAMBUCANA
Por:
CARLOS ROBERTO DE MIRANDA GOMES
Desde a expulsão
dos holandeses em 1654 ficou latente um ideal nativista movido pela repulsa à discriminação
dos portugueses em favor dos seus patrícios, agravada com as dificuldades
oriundas de uma grande seca em 1816, gerando o contraste de uma exacerbação
tributária e a escassez de mercantilização da produção do açúcar e do algodão e
consequente período de miséria da população. Pernambuco teve papel de destaque
no movimento, pela sua pujança econômica, ganhando o epíteto de “Leão do
Norte”.
Esse
descontentamento foi acrescido devido ao surgimento de ideais libertários
advindos da Revolução Francesa e da Independência dos Estados Unidos frente à
Inglaterra, despertando igual aspiração na América latina, caracterizada pelos
desencontros na convivência entre os nativos e os reinóis.
Foi fundamental o evidente
espírito eclesiástico então desenvolvido com a criação do Seminário Episcopal
de Olinda, composto de intelectuais de profunda formação filosófica e política
que levou a constituição de sociedades secretas, a partir da loja Areópago de
Itambé, da Academia do Cabo e outras, máxime quando em 1814 foi fundada a Loja
Maçônica Patriotismo, agregando Padres de grande valor, dentre os quais o
potiguar Padre Miguelinho (Miguel Joaquim de Almeida e Castro), Frei Caneca
(Joaquim do Amor Divino Rabelo) e, ainda, os Padres José Inácio de Abreu e Lima
(Roma) – sumariamente fuzilado a mando do Conde dos Arcos quando tentava
conquistar adeptos em Salvador, Deão Bernardo Luiz Ferreira e João Ribeiro
Pessoa. A rebeldia contou em Pernambuco com cerca de 50 Padres e 5 Frades, daí
ser conhecida, também, como Revolução dos Padres ou Revolução dos Letrados.
O movimento
emancipatório estava em cogitação para eclodir em 8 de abril com o trabalho de
algumas pessoas da região, como o comerciante Domingos José Martins, oriundo da
Bahia, educado na Inglaterra e com a missão de estimular a criação de lojas da
Maçonaria, Domingos Teotônio Jorge, Antonio José da Cruz (o Cabugá), José de
Barros Lima (o Leão Coroado) e seu genro José Mariano de Albuquerque, José Luiz
de Mendonça, Antonio Carlos de Andrada, Vicente dos Guimarães Peixoto e José
Maria Vasconcelos Bourbon quando, em 6 de março, foi precipitada a rebelião face
a uma ordem do Governo de Pernambuco em 1817, a cargo do Marechal José Roberto
e do Brigadeiro Manuel Joaquim Barbosa de Castro para efetuar a prisão dos
referidos revoltosos, no que este, ao tentar prender José de Barros Lima, foi
pelo mesmo atravessado com sua espada. Nova investida foi ordenada pelo
Governador através do Ten.Cel. Alexandre Tomás, que também tombou morto, provocando
a fuga do Governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro, escondendo-se no
Forte do Brum, depois de um grande confronto, dando início à
revolta.
Foi organizado em 7
de março um governo provisório composto de 5 nomes, com representatividade das
classes que apoiaram o movimento, tendo por Governador o Capitão Domingos
Teotônio, representando o Exército, com apoio do Padre João Ribeiro Pessoa, representando
o Clero, José Luiz de Mendonça, representando a Justiça e que redigiu um
manifesto justificando a revolução, Domingos José Martins, pelo Comércio, Manoel
Correa de Araújo, representando a Agricultura como, também, a participação de outras
pessoas das classes produtoras, da magistratura, e homens considerados
socialmente importantes. A posse ocorreu no dia 9 de março.
O Padre Miguelinho
ficou como Secretário de Interior, mercê da sua grande capacidade de redigir
documentos, coragem, poder de oratória, atributos consolidados com o seu
trabalho de Professor de Teologia.
Miguelinho
pertenceu à Ordem Carmelita da Reforma, onde tomou o nome de Frei Miguel de São
Bonifácio. Contudo, pela diversidade de seus trabalhos, conseguiu do Papa Pio
VII a secularização e ficou conhecido como Padre Miguelinho, haja vista ser um
homem de pequena estatura física em contraste com o seu gigantismo de patriota.
O governo
provisório buscou apoio dos estados mais próximos da região Norte e Nordeste, e
também de outras Nações com resultados pouco frutíferos em razão da pressão das
forças militares portugueses, e pela falta de apoio popular. A Bahia sucumbiu
logo.
Foi criada uma
bandeira na cor azul e branca, meio a meio, com o arco Iris, o sol e a cruz. Há
controvérsias sobre a estrela colocada. Para uns foram 3, representando os
Estados que aderiram (Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte). Mas outros
Estados também se sublevaram, como Alagoas, Bahia e possivelmente contando com
a simpatia do Ceará. O mais provável é que a bandeira preponderante foi criada com
uma única estrela representando Pernambuco.
Para complementar o
Governo, em 19 de março foi escolhido um Conselho ou Junta com mais 5 membros,
composta do Ouvidor Antonio Carlos Ribeiro de Andrada, o lexicógrafo Antônio de
Morais Silva, o vigário-geral do bispado Deão Bernardo, o português Manuel José
Pereira Caldas e o rico comerciante Gervásio Pires Ferreira.
No dia 18 de maio
houve uma debandada dos revoltosos, ficando Teotônio Jorge como líder único, o
qual no dia seguinte foi obrigado a também refugiar-se no Engenho Paulista.
Em 20 de maio Recife capitulou. O governo provisório durou 75 dias, sendo que alguns líderes, como
Teotônio Jorge, Padre Souza Tenório, Antônio Henriques, Padre Roma e José de
Barros Lima, foram capturados e condenados à morte. O Padre João Ribeiro
suicidou-se. O Padre Miguelinho foi condenado e executado na Bahia. Outros,
como Antônio Carlos, Pedro Ivo e mais cem revoltosos também foram sacrificados,
culminando com o fim da Revolução Pernambucana, que se caracterizou pela
revolta popular em busca do poder e por ser o último movimento revolucionário
antes da Independência do Brasil, em 1822.
Frei Caneca
foi preso e depois solto, participando do movimento da independência de 1822,
depois na República da Confederação do Equador em 1824 até ser condenado à
morte em 13 de janeiro de 1825, dando exemplo de valor e coragem
No nosso Estado,
diante dos rumores de simpatias ao movimento pernambucano, o então Governador
José Inácio Borges, pessoa reconhecida como de espírito culto, em 11 de março
decidiu ter um encontro com o Coronel da Cavalaria Miliciana e grande
proprietário de engenhos André de Albuquerque Maranhão no Engenho Belém (de
propriedade de Luiz Albuquerque), até então seu aliado e em outro lugar próximo
de Papary (Nísia Floresta) e depois com passagem pelos Engenhos Cunhaú, de
André de Albuquerque, em Goianinha e Estivas de outro Andre, primo do primeiro
tentando reforçar a reação aos revoltosos, mas não recebendo apoio para tal
mister.
Após isso, movido
por repreensão do Padre João Damasceno, André foi movido a dar ordem de prisão
ao Governador. Era o dia 28 de março e André de Albuquerque assumia o Governo
Provisório no dia 29, se instalando no prédio da Provedoria da Fazenda (hoje
Memorial Câmara Cascudo).
Para garantir a
sublevação contra a Coroa, o novo Governador contava com pessoas de grande
influência como os Padres João Damasceno Xavier Carneiro e Antônio de
Albuquerque Montenegro, Feliciano José Dornelles e dos membros dos núcleos de
Martins, Portalegre e Apodi, os quais também instalaram seus governos
republicanos no período entre 10 e 19 de maio.
Em verdade, a força
maior que encorajou a instalação do Governo Republicano no Rio Grande do Norte
foi a seleção de 16 oficiais de milícia, alguns parentes do novo mandatário e
outros vindos da Paraíba, liderados pelo jovem miliciano Coronel José Peregrino
Xavier de Carvalho, a quem alguns historiadores se referem como mártir revolucionário potiguar, considerada pessoa simpática e heroica, verdadeiro
guarda de confiança, tanto que, ao ser convocado no dia 24 a retornar à Paraíba
houve um fato de a Matriz de Nossa Senhora da Apresentação tocar 9 badaladas,
que era a senha para uma contra revolta e a retomada do poder, deixando sem
proteção o então governante.
André estava no
palácio despachando quando foi surpreendido no dia 25 de abril por um grupo que
vinha destituí-lo. Nesse momento recebeu uma perfuração com um sabre e foi
conduzido preso para o Forte dos Reis Magos, onde veio a falecer no dia
seguinte (26). Atribui-se, pelo dizer do próprio, que o gesto mortal partiu do cadete
português Antônio José Leite de Pinho, embora ventilado pelo povo como o crime
tenha sido perpetrado por Francisco Felipe da Fonseca Pinto.
Muitos
correligionários negaram a participação e até houve negativa à revolta e ainda
quem tramava contra ela, caso do Padre Feliciano José Dorneles, que foi membro
do Governo Provisório, mas resolver mudar de lado, enquanto outros eram
perseguidos como o Padre Pinto (Manuel Pinto de Castro), irmão de Miguelinho e
duas mulheres, possivelmente as primeiras presas políticas da nossa história
pátria, Bárbara de Alencar, de ilustre família cearense e Clara Joaquina de
Almeida Castro, esta também irmã de Miguelinho.
Registra-se, com o
acontecimento fatídico, gestos marcantes na história, quando a Senhora Ritinha
Coelho, num gesto de respeito, manda que parasse o séquito que conduzia o corpo
do Governador deposto e sobre o cadáver coloca uma esteira nova para servir de
mortalha. O Padre Simão Judas Tadeu faz a encomendação, mas o miliciano João
Alves do Quental, em pleno templo, tripudiou do corpo inerte, ficando sobre ele
com esporas. O sepultamento aconteceu na Igreja Matriz, hoje a Catedral de
Nossa Senhora da Apresentação.
Terminara assim o
efêmero governo republicano no Estado do Rio Grande do Norte, deixando rastros
de heroísmo e espírito cívico a par de outros nem tanto lisonjeiros.
REFERÊNCIAS:
CÂMARA CASCUDO, Luis. História do Rio Grande do Norte, 2ª Ed.FJA, 1984/ 134
az 140.
CASSIMIRO JÚNIOR. A Participação da Capitania do Rio Grande do Norte e da
Maçonari Potiguar na Revolução Pernambucana de 1817. Ed. Gráfia Off Set,
2017.
ENCICLOPÉDIA DELTA LAROUSSE, vol 2. Ed. Delta,
1962/1062 a 1064.
GRANDES PERSONAGENS DA NOSSA HISTÓRIA, vol. II. Abril
Cultural, 1969/333 a 348..
HISTÓRIA DO BRASIL, VOL. Ii. Bloch Editores,
1972/266 a 268.
INTERNET, História Brasileira » Brasil Colônia. Revolução Pernambucana. Artigo de Tiago da
Silva. Data de publicação: 17/03/2010.
|
|
NAVARRO DA COSTA, JUrandyr. Rio Grande do Norte. Os Notáveis dos 500 anos. Ed. Do autor, 2004.
PREFEITURA MUNICIPAL DE NATAL. 400 Nomes de Natal. Coordenação de REJANE CARDOSO, 2.000.
REVISTA DO IHGRN, vol. 94. Artigo de Manoel Marques Filho – Bicentenário da Morte de André de
Albuquerque, 2016.
ROCHA POMBO. História
do Rio Grande do Norte. Ed. Annuario do Brasil, RJ e Renascença
Portuguesa, Porto, março de 1921/237 a 260.
TAVARES DE LIRA, Augusto. História do Rio Grande do Norte. Ed. Senado Federal, vol. 167, 2012.
TESOURO DA JUVENTUDE, vol. 13. Gráfica Editora
Brasileira, 1953/42 a 44.
TRINDADE, Sérgio Luiz Bezerra. Introdução à História do Rio Grande do Norte. Ed. Sebo Vermelho, 2015/123 a 133.
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário