O Código de Hamurábi
Na semana passada, como alguns de vocês vão se lembrar, conversamos
aqui sobre o Código de Ur-Nammu, que, datando de aproximadamente 2040
a.C. (época do denominado “Novo Império Sumério” na Mesopotâmia), é
comumente apontado como o mais antigo “código de leis” de que temos
notícia ou, pelo menos, o mais antigo que chegou até nós.
No artigo de hoje, damos um salto de quase três séculos na história,
para o entorno do ano 1772 a. C., com o objetivo de tratarmos do (bem
mais) badalado Código de Hamurábi, aquele do “olho por olho, dente por
dente” e exemplo mais conhecido da “lei de talião”, que também é fruto
do esplendor político/cultural da Mesopotâmia antiga, desta feita, mais
especificamente, do chamado “Primeiro Império Babilônico” (ou “Império
Paleobabilônico”).
O rei Hamurábi (1810-1750 a.C.) subiu ao trono do Império
Babilônico, sucedendo ao pai, em 1792 a.C.. Era um período de relativa
paz, no qual Hamurábi pôde dedicar-se ao desenvolvimento interno do seu
reino (com a fortificação das muralhas da sua cidade, construção e
expansão de templos, controle das cheias na região etc.). Já as décadas
de 1760 e 1750 a.C. foram marcadas por sucessivas e vitoriosas guerras
com os povos vizinhos, o que fez da Babilônia, no período Hamurábi (cujo
reinado vai até 1750 a.C., ano de sua morte), indiscutivelmente,
senhora de quase toda Mesopotâmia. Mas, certamente, o principal legado
de desse grande rei para as civilizações futuras reside no “código de
leis” que ele promulgou para a Babilônia durante o seu reinado, por
volta de 1772 a.C., e que leva o seu nome.
Como artefato arqueológico, o Código de Hamurábi chegou até nós em
um belo monólito de pedra de diorito, achado por uma expedição francesa
que, na virada dos anos 1901-1902, realizava escavações na Acrópole da
cidade de Susa, no atual Irã. Pelo que sei, essa “pedra”, mais que
preciosa, encontra-se hoje no museu do Louvre, à disposição de
especialistas e curiosos de ocasião.
Composto no alfabeto cuneiforme e na língua acadiana, o Código de
Hamurábi contém 282 disposições (ou artigos, para usar de um termo
jurídico mais compreensível), organizadas, segundo informa Michael H.
Roffer (em “The Law Book: from Hammurabi to the International Criminal
Court, 250 Milestones in the History of Law”, Sterling Publishng Co.,
2015), por temática: processo, propriedade, direito de família, danos
pessoais, forças armadas e por aí vai.
Devotadas em grande medida ao direito penal da época, com suas
gravíssimas punições retributivas – a exemplo da “lex talionis” do “olho
por olho, dente por dente” –, mas que podiam variar a depender dos
status social do ofensor e da vítima, muitas das disposições do Código
de Hamurábi certamente nos parecerão hoje fora de propósito (muito
embora, aqui e acolá, partidários da pena de morte ainda as invoquem
como justificativas de suas controversas opiniões), mas, à época, o
Código firmou um importante precedente para legislações futuras.
De toda sorte, para além da retórica declaração de propósitos
contida em seu prólogo, de que “o forte não deve oprimir o fraco e de
que a justiça deve ser proporcionada ao órfão e à viúva”, o Código de
Hamurábi contém também, como registra Robert Hockett (em “Little Book of
Big Ideas – Law”, A & C Black Publishers Ltd., 2009), alguns
elementos bem progressistas para a época, que hoje são repetidos nas
codificações/leis contemporâneas, entre eles, por exemplo, o direito do
acusado de produzir, em um processo criminal, prova a seu favor.
Interessantemente, o Código de Hamurábi também firmou um reconhecido
precedente para as concepções, desenvolvidas posteriormente, da “rule
of law” e do jusnaturalismo. Quanto aos direitos naturais, por exemplo,
consta no monólito de pedra acondicionado no Louvre, logo acima das
disposições do código propriamente ditas, a imagem de Hamurábi recebendo
a “lei” de Shamash, o deus da justiça babilônico, para que ela (a lei)
fosse promulgada para o seu povo. E isso é visto, conforme nota o já
citado Robert Hockett (em “Little Book of Big Ideas – Law”), como uma
primeva afirmação da existência de um direito/autoridade superior ao
direito positivado, estabelecendo uma boa base para concepções futuras
do direito natural.
Bom, caro leitor, que tal uma estada no Louvre para estudar
pessoalmente o Código de Hamurábi? Isso, claro, se você, além de possuir
euros para tanto, for um daqueles muitos nordestinos que leem acadiano
fluentemente...
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP |
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