MILTON SANTOS DE ALMEIDA
Valério Mesquita*
Uma vez por semana, almoço
com a minha irmã Nídia Mesquita. Conversas soltas, assuntos de ontem, e de hoje
que reabastecem as gastas baterias do viver. Aqui e acolá mergulhamos nas
reminiscências de Macaíba, da fazenda Uberaba do nosso pai, onde vivemos
momentos intensos de infância e juventude. Daí, foi um pulo retornar aos álbuns
antigos de fotos, “à la recherce du temps perdu”. Ao nosso lado, Marlene Freire
de Ó, amiga de Nídia desde a Escola Doméstica, que reside hoje em São Paulo e
que revisita Natal. Composto o trio, o importante era reviver e reatar os elos
perdidos dos momentos felizes da anfitriã.
A ansiedade dos olhos e da
mente comandava os impulsos das mãos, ora paginando, ora trocando impressões
sobre lugares e pessoas. Ai m0e detive numa foto tirada em Natal, de dez ou
quinze anos passados. Nela, figuravam o embaixador Ney Marinho, Nídia, Onfália
Tinôco e o inexcedível Milton Santos de Almeida que visitava Natal numa
temporada de reencontro e apresentações artísticas. Sobre ele já disseram que
“canta samba tão bem que a metade já seria suficiente”. Trata-se de um valor
definido dentro da arte musical brasileira e dono de uma voz personalíssima.
Ali estava, é claro, mais jovem, vitaminado, como diria a crônica paroquial,
atraído por Ney que pertenceu ao trade boêmio e receptivo da cidade na arte de
recepcionar iguais e gloriosos nomes da música popular brasileira, tais como,
Silvio Caldas, Orlando Silva, entre outros. O parceiro inseparável de Neizinho
nesse mister foi Raimundo do Cartório.
Mas, o leitor, adivinho,
já me pergunta: quem diacho é Milton Santos de Almeida? Não poderia ser outro
que não Miltinho, aquele que tem balanço todo pessoal, agudo senso rítmico e
timbre vocal inusitado. Diferente e comunicativo na interpretação mas, acima de
tudo, de profunda honestidade artística. Perturbei a atenção das duas para
falar suas músicas: Mulher de Trinta, Recado, Lamento, Cheiro de Saudade,
Formosa, Boneca de Pano, Fita Amarela, Agora é Cinza, todos com o seu timbre
inconfundível e estilo inimitável. Para chegar ao podium da consagração
nacional, Miltinho enfrentou árdua jornada desde o tempo dos conjuntos vocais
Namorados da Lua, Anjos do Inferno e Quatro Azes e um Coringa. Temperado no sereno de muitas madrugadas daquele tempo,
explodiu para o sucesso com a composição de Luis Antônio “Poema do Adeus” em
1960 e daí em diante para outros grandes êxitos que marcaram sua carreira. Dele
tenho em CD as principais músicas do seu variável repertório. Curto-o no meu
carro como valor autentico, irretocável e justo. Não sei por onde anda
Miltinho. Se ainda se apresenta, ou até, chego a pensar o pior – no
falecimento. Descobrir que vive no Rio, tem 76 anos e não perdeu a ginga. Fiz
ver a Nídia e Marlene que Miltinho pertence ao patrimônio emocional de minhas
doces recordações. E juntos, testemunhamos nossas eternas preferências musicais
de ontem e de hoje: Isaurinha Garcia, Elizete Cardoso, Alcides Gerardi, Gonzagão
e Gonzaguinha, além de muitos outros. A tarde descia preguiçosa pelos morros do
Tirol. Uma brisa carpideira soprava pelas janelas do apartamento. Fechamos os
álbuns e nos despedimos. Saí assobiando Miltinho sentindo intensamente
irresistível cheiro de saudade...
(*) Escritor.
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