10/10/2014

Presos Políticos


MOSSORÓ E OS PRESOS POLÍTICOS DO 1º DE MAIO

Por: Gileno Guanabara, sócio efetivo do IHGRN

A cidade de Mossoró já não se lembra, não faz ideia de como aconteceu, nem faz tanto tempo. Foi na madrugada do dia 1º de maio, Dia do Trabalhador, do ano de 1970. Ao amanhecer o dia, a notícia se espalhou: dois bancários e três que se diziam camponeses tinham sido presos juntos, durante a madrugada, por policiais do esquadrão militar. O flagrante se dera no instante em que distribuíam um manifesto apócrifo, em comemoração ao dia do trabalhador, cuja cópia era enfiada nas brechas das portas de quem era trabalhador e, naquela hora, dormia. O texto do panfleto exaltava a comemoração da data e exortava os trabalhadores a resistirem à ditadura. Os bancários eram Jonas e Ricardo, filhos de famílias simples, natural de Aracati e de Natal, respectivamente, ambos escriturários do Banco do Brasil, lotados na Agência de Mossoró. Hoje passado tanto tempo, estão aposentados.  Os camponeses atendiam pelos codinomes Baraúna, Santa Cruz e Da Fé, e seus nomes verdadeiros eram: Francisco Aurélio, Lourival Alves e José Henrique. Dois nascidos no povoado de Jucuri e, o terceiro, na cidade de Apodi, nos altos da Chapada que tem o mesmo nome. Deles não se teve mais notícia.

Cientificado da prisão, Cortez Pereira, então Governador do Estado, deslocou o Coronel Edmilson Holanda, chefe do Gabinete Militar, para efeito de, ainda pela manhã trasladar os presos para Natal e alojá-los em celas do Quartel da Polícia Militar. Dado o caráter atentatório aos preceitos da Lei de Segurança Nacional então vigente (Decreto-Lei nº 898/69), a ocorrência foi imediatamente comunicada as autoridades da 7ª Circunscrição da Justiça Militar, no Recife, a quem competia processá-los e julgá-los.

A denúncia que o Auditor Militar da 7ª Auditoria atribuiu aos acusados referia-se à infringência da Lei de Segurança Nacional. A defesa coube as Dra. Mércia Albuquerque e, no final, a Dra. Elizabeth Diniz. Ocorreram as audiências de instrução, no Recife. No mês de agosto, o Conselho Judiciário da Auditoria se reuniu e decidiu pela improcedência da denúncia e absolveu os três camponeses e um dos bancários, Jonas, os quais foram libertados imediatamente. O bancário Ricardo foi condenado a dez meses de reclusão, preso recorreu ao Superior Tribunal Militar-STM. Em relação a parte da sentença que os absolveu, o Ministério Público Militar também recorreu.

Somente em fevereiro de 1976, o STM, reunido em sessão secreta, sob a Presidência do Ministro Tenente-Brigadeiro do Ar, Carlos Alberto Huet de Oliveira Sampaio, (Apelação Nº 38.216/70), por maioria de votos, negou provimento ao recurso do Ministério Público e manteve a sentença na parte que não condenou. Para os Ministros Faber Cintra, Honório Magalhães e Sylvio Moutinho, que manifestaram votos divergentes, mas foram vencidos, era de ser mantida a parte condenatória da sentença em relação a um dos acusados, como também se proclamaram pela sua reforma, a fim de rever a absolvição dos demais e condená-los a igual pena. Ao apreciar o recurso impetrado por parte do bancário apenado, a decisão do STM foi pelo acolhimento, para efeito de também absolvê-lo da acusação, contrariamente aos votos divergentes. O bancário Ricardo já cumprira integralmente a pena e já se achava em liberdade.

Integravam a composição do STM e participaram do julgamento os Ministros Amarílio Salgado (Relator), Jurandyr de Bizarria Mamede (revisor), Alcides Carneiro, Syseno Sarmento, Faber Cintra, Rodrigo Octávio Jordão Ramos, Honório Pinto Pereira de Magalhães Neto e dos Ministros cujos votos foram vencidos.

Durante a prisão, os réus receberam o conforto de amigos comuns, alguns deles subscreveram e recolheram declarações de pessoas ilustres da cidade, em que afirmavam a conduta profissional, o coleguismo dos bancários, tudo para efeito de defesa junto à Justiça Militar. O Banco do Brasil, através de sua direção nacional, não demitiu os servidores, os quais, ao final da instrução e com a sentença de absolvição, retornaram aos seus cargos naquela instituição bancária.

Dos camponeses presos e absolvidos não se tinha conhecimento de quais ideias os movia, a razão ideológica que os inspirava, ou até da influência nas lides da política sindical. Nem mesmo eram sabidas as suas filiações partidárias, da militância clandestina que os vinculasse à causa dos bancários. Durante os interrogatórios, os acusados bancários portaram-se com dignidade, não acusaram. De outro lado, os camponeses que se fingiam incapazes de entender e explicar os fatos a que respondiam. Utilizando-se de uma artimanha convincente, no momento em que eram submetidos à inquisição, as respostas articuladas que davam era de não entenderem, de serem inocente útil dos acontecimentos. No Recife, durante uma audiência, um Auditor Militar, que procedia o interrogatório, esgotou a paciência diante da leniência de um acusado. Encarou-o e perguntou: O senhor conhece um Volkwagem? ... O camponês, a par do seu fingimento, retrucou de bate pronto: Eu nunca vi Volkwagem, quem é doutor? ... O Auditor abufelou-se, deu um murro na mesa e dirigindo-se aos demais juízes: Trata-se de um inocente. Se num dia de hoje ele não sabe, nem nunca viu um Volksawem na rua, não pode saber de nada. Estou satisfeito. Nesse diapasão, os camponeses foram inocentados, por ausência de dolo e por se mostrarem incapazes de reconhecer o objeto do crime cometido. A absolvição foi uma mera decorrência.

A conduta romântica de fazer política por contaminação foi determinante nos atos praticados por aqueles militantes, presos no dia 1º de Maio de 1970, na cidade de Mossoró. A improvável existência de uma aliança operário/camponesa não possuía substância de aliar aos anseios românticos da classe média os arrufos pseudo/revolucionários de camponeses não letrados e pouco politizados, ainda que bem intencionados, para contestar o poder militarizado e, ainda mais, de forma clandestina. Durante o governo do General Médici, a luta armada a que setores da esquerda aderiram tornou a repressão mais seletiva e implacável. Não foram poucos os militantes desviados pelo espontaneismo cego, pela insensatez do radicalismo infantil, que se deixaram conduzir para a lamentável reta da confrontação política desigual. Pela dignidade da causa que os moveu, no entanto, saúdo a todos eles.

 

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