MOSSORÓ E OS PRESOS
POLÍTICOS DO 1º DE MAIO
Por: Gileno Guanabara,
sócio efetivo do IHGRN
A cidade de Mossoró já não se lembra,
não faz ideia de como aconteceu, nem faz tanto tempo. Foi na madrugada do dia
1º de maio, Dia do Trabalhador, do ano de 1970. Ao amanhecer o dia, a notícia
se espalhou: dois bancários e três que se diziam
camponeses tinham sido presos juntos, durante a madrugada, por policiais do
esquadrão militar. O flagrante se dera no instante em que distribuíam um
manifesto apócrifo, em comemoração ao dia do trabalhador, cuja cópia era enfiada
nas brechas das portas de quem era trabalhador e, naquela hora, dormia. O texto
do panfleto exaltava a comemoração da data e exortava os trabalhadores a
resistirem à ditadura. Os bancários eram Jonas e Ricardo, filhos de famílias
simples, natural de Aracati e de Natal, respectivamente, ambos escriturários do
Banco do Brasil, lotados na Agência de Mossoró. Hoje passado tanto tempo, estão
aposentados. Os camponeses atendiam
pelos codinomes Baraúna, Santa Cruz e Da Fé, e seus nomes verdadeiros eram: Francisco
Aurélio, Lourival Alves e José Henrique. Dois nascidos no povoado de Jucuri e, o
terceiro, na cidade de Apodi, nos altos da Chapada que tem o mesmo nome. Deles não
se teve mais notícia.
Cientificado da prisão, Cortez Pereira,
então Governador do Estado, deslocou o Coronel Edmilson Holanda, chefe do
Gabinete Militar, para efeito de, ainda pela manhã trasladar os presos para
Natal e alojá-los em celas do Quartel da Polícia Militar. Dado o caráter atentatório
aos preceitos da Lei de Segurança Nacional então vigente (Decreto-Lei nº 898/69),
a ocorrência foi imediatamente comunicada as autoridades da 7ª Circunscrição da
Justiça Militar, no Recife, a quem competia processá-los e julgá-los.
A denúncia que o Auditor Militar da
7ª Auditoria atribuiu aos acusados referia-se à infringência da Lei de
Segurança Nacional. A defesa coube as Dra. Mércia Albuquerque e, no final, a
Dra. Elizabeth Diniz. Ocorreram as audiências de instrução, no Recife. No mês
de agosto, o Conselho Judiciário da Auditoria se reuniu e decidiu pela
improcedência da denúncia e absolveu os três camponeses e um dos bancários,
Jonas, os quais foram libertados imediatamente. O bancário Ricardo foi
condenado a dez meses de reclusão, preso recorreu ao Superior Tribunal
Militar-STM. Em relação a parte da sentença que os absolveu, o Ministério
Público Militar também recorreu.
Somente em fevereiro de 1976, o STM,
reunido em sessão secreta, sob a Presidência do Ministro Tenente-Brigadeiro do
Ar, Carlos Alberto Huet de Oliveira Sampaio, (Apelação Nº 38.216/70), por
maioria de votos, negou provimento ao recurso do Ministério Público e manteve a
sentença na parte que não condenou. Para os Ministros Faber Cintra, Honório
Magalhães e Sylvio Moutinho, que manifestaram votos divergentes, mas foram
vencidos, era de ser mantida a parte condenatória da sentença em relação a um
dos acusados, como também se proclamaram pela sua reforma, a fim de rever a
absolvição dos demais e condená-los a igual pena. Ao apreciar o recurso impetrado
por parte do bancário apenado, a decisão do STM foi pelo acolhimento, para
efeito de também absolvê-lo da acusação, contrariamente aos votos divergentes. O
bancário Ricardo já cumprira integralmente a pena e já se achava em liberdade.
Integravam a composição do STM e
participaram do julgamento os Ministros Amarílio Salgado (Relator), Jurandyr de
Bizarria Mamede (revisor), Alcides Carneiro, Syseno Sarmento, Faber Cintra,
Rodrigo Octávio Jordão Ramos, Honório Pinto Pereira de Magalhães Neto e dos
Ministros cujos votos foram vencidos.
Durante a prisão, os réus receberam o
conforto de amigos comuns, alguns deles subscreveram e recolheram declarações de
pessoas ilustres da cidade, em que afirmavam a conduta profissional, o
coleguismo dos bancários, tudo para efeito de defesa junto à Justiça Militar. O
Banco do Brasil, através de sua direção nacional, não demitiu os servidores, os
quais, ao final da instrução e com a sentença de absolvição, retornaram aos
seus cargos naquela instituição bancária.
Dos camponeses presos e absolvidos
não se tinha conhecimento de quais ideias os movia, a razão ideológica que os
inspirava, ou até da influência nas lides da política sindical. Nem mesmo eram sabidas
as suas filiações partidárias, da militância clandestina que os vinculasse à
causa dos bancários. Durante os interrogatórios, os acusados bancários portaram-se
com dignidade, não acusaram. De outro lado, os camponeses que se fingiam incapazes
de entender e explicar os fatos a que respondiam. Utilizando-se de uma
artimanha convincente, no momento em que eram submetidos à inquisição, as
respostas articuladas que davam era de não entenderem, de serem inocente útil dos acontecimentos. No
Recife, durante uma audiência, um Auditor Militar, que procedia o
interrogatório, esgotou a paciência diante da leniência de um acusado. Encarou-o
e perguntou: O senhor conhece um
Volkwagem? ... O camponês, a par do seu fingimento, retrucou de bate
pronto: Eu nunca vi Volkwagem, quem é
doutor? ... O Auditor abufelou-se, deu um murro na mesa e dirigindo-se aos
demais juízes: Trata-se de um inocente.
Se num dia de hoje ele não sabe, nem nunca viu um Volksawem na rua, não pode
saber de nada. Estou satisfeito. Nesse diapasão, os camponeses foram inocentados,
por ausência de dolo e por se mostrarem incapazes de reconhecer o objeto do
crime cometido. A absolvição foi uma mera decorrência.
A conduta romântica de fazer política
por contaminação foi determinante nos atos praticados por aqueles militantes, presos
no dia 1º de Maio de 1970, na cidade de Mossoró. A improvável existência de uma
aliança operário/camponesa não possuía substância de aliar aos anseios românticos
da classe média os arrufos pseudo/revolucionários de camponeses não letrados e
pouco politizados, ainda que bem intencionados, para contestar o poder militarizado
e, ainda mais, de forma clandestina. Durante o governo do General Médici, a
luta armada a que setores da esquerda aderiram tornou a repressão mais seletiva
e implacável. Não foram poucos os militantes desviados pelo espontaneismo cego,
pela insensatez do radicalismo infantil, que se deixaram conduzir para a lamentável
reta da confrontação política desigual. Pela dignidade da causa que os moveu, no
entanto, saúdo a todos eles.
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