O paradoxo da reforma agrária
Tomislav R. Femenick –
Contador, mestre em economia e historiador.
Plantar e colher alimentos foram
ações determinantes para a evolução do processo civilizatório da humanidade. A
posse da terra teria sido decisiva para a formação das famílias, dos clãs e das
nações. Inicialmente propriedade comum a todos os componentes do grupo, depois
a propriedade da terra tomou o caráter individual; isso em decorrência da
imposição das armas ou das leis. Friedrich Engels, o amigo mais intimo de Karl
Marx, aborda esse assunto em seu famoso livro “Origem da família, da
propriedade privada e do Estado”.
Todavia, os excluídos da posse da
terra sempre se insurgiram contra essa situação. A historiografia registra lutas
de camponeses em diversas épocas, sendo a mais citada a liderada pelos irmãos
Tiberio e Caio Graco no século II, antes de Cristo. Os detalhes dessa revolta é
que são importantes e, paradoxalmente, geralmente ocultados: embora plebeus, Tiberio
e Caio eram integrantes de uma importante e aristocrática família romana e a
reforma por eles pregada era a distribuição das terras tomadas pelas invasões romanas
(notadamente nas regiões de Tarento e na
Cápua), que estava concentrada nas mãos da nobreza.
Durante toda a Idade Média, a
Igreja adotou a postura de limitar o direito de propriedade com base no bem
comum e no direito do indivíduo a uma vida digna, porém ela mesma era uma das
maiores detentora do direito sobre a terra. Essa contradição, bem como o
enfraquecimento da autoridade dos reis e o fortalecimento do poder dos senhores
feudais sepultaram as frágeis tentativas de conquista de posse da terra pelos
trabalhadores rurais. O resultado foi um retrocesso no desenvolvimento da
economia.
Esse estado de coisa começou a
mudar no século XVIII com a Revolução Francesa, que aboliu a servidão rural,
reformulando as relações de trabalho no campo. Outro grande avanço ocorreu em
1862 nos Estados Unidos, quando foi sanciona a lei que concedeu terras públicas
a pequenos fazendeiros, a baixo custo. Não por acaso ainda hoje a França é
considerada o celeiro da Europa e os Estados Unidos são os maiores produtores
agrícolas do mundo; claro que à solução do problema fundiário se somaram a
facilidade do crédito e o desenvolvimento tecnológico.
Na Ásia, até a Segunda Guerra,
Japão, Taiwan e Coréia apresentavam sérios problemas de concentração da posse
da terra e de escassez de alimentos. O problema japonês foi resolvido pelas
forças de ocupação norte-americanas que impôs a reforma agrária, modelo que foi
transplantado para Taiwan, onde em poucos anos foi transferido aos agricultores
o equivalente a 13% do PIB. Na Coréia do Sul o governo forçou os proprietários
a transferirem a posse da terra aos antigos arrendatários, o que provocou
recorde na produção de alimentos e grãos.
De volta a Europa, há que se citarem
os êxitos obtidos com a redistribuição da terra na Itália, Finlândia, Alemanha
e Países Baixos – sempre acompanhada de assistência técnica e juros baixos. Porém,
não se poderia deixar de falar nas reformas agrárias promovidas nos países de
governos socialistas, principalmente na antiga União Soviética e China. Na URSS
houve duas fases distintas. Na primeira os camponeses ocuparam as terras dos
antigos latifundiários em nome da revolução, depois o governo as expropriou em
nome da coletivização, uma experiência que custou a vida de cerca de seis
milhões de pessoas e resultou numa colossal ineficiência produtiva. Na China de
Mao de Mao
Tse-tung, a reforma agrária obrigou os camponeses a se agruparem em
gigantescas “comunas agrícolas”, o que teria causado a morte pela fome, de 20 a 40 milhões de pessoas,
até 1962.
Essa conjunção de fatos
históricos nos leva a uma conclusão: a reforma agrária é necessária, deve vir
com assistência creditícia e tecnológica e só dá certa quando realizada sob a
ótica do capitalismo.
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