HÁ MILHÕES DE ANOS JÁ HAVIA
VIDA NO RIO GRANDE DO NORTE
Tomislav R. Femenick – Jornalista, historiador e membro da diretoria do
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.
Na década de 1960 o
Instituto de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (hoje Museu
Câmara Cascudo) realizou importantes descobertas de fósseis
de animais que, em épocas pré-históricas, viveram na região oeste do Rio Grande
do Norte. Na ocasião, o jornalista Tomislav R. Femenick publicou algumas
reportagens sobre o assunto nos jornais Diário de Natal, Diário de Pernambuco,
Correio Braziliense, Folha de São Paulo, Jornal do Brasil e O Povo.
Pelo menos há dois
milhões de anos já existia vida em Baraúnas, conforme pesquisas que o Instituto
de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte realizou em junho
de 1968, na localidade de Olho D’Água da Escada, a 52 quilômetros de
Mossoró – Município ao qual Baraúnas então pertencia –, onde foram achados
fósseis de animais pré-históricos.
Fósseis são restos vegetais ou de animais que viveram em épocas
pré-históricas e que foram conservados em sedimentos que, com o passar do
tempo, se acumularam sobre eles. Esses vestígios, como outros, sinalizam a
existência de vida em tempos remotos, como pegadas, conjunto de circunstâncias físicas e
geográficas que oferece condições favoráveis à vida e restos de alimentos. A importância
de descobertas dessa natureza está no fato de que os estudos da pré-história
fundamentam-se quase exclusivamente nos conhecimentos obtidos pela análise de
fósseis, a partir do que é possível obter conhecimentos sobre o meio-ambiente,
o clima e as migrações da fauna (e da flora), anteriores à evolução do homem.
O trabalho do Instituto
de Antropologia da UFRN foi uma verdadeira viagem à pré-história, ao período
plistocênico (glacial) e evidenciou a existência de gliptodontes (mamíferos
gigantescos e desdentados, fósseis no quaternário da América), megatérios
(grande mamífero desdentado, fóssil nos terrenos terciários e quaternários da
América) e mastodontes (mamíferos de focinho prolongado em forma de tromba,
corpulento e de constituição análoga à do elefante, que surgiu no oligoceno e
se extinguiu no plistoceno), ao lado de pequenos roedores e tigres de dente de
sabre, que integravam a fauna potiguar em uma época que se conta por milhões de
anos, em uma terra que, como de resto a Chapada do Apodi, surgiu do fundo do
mar, também há milhões de anos. Os ossos de um cliptodonte (um tatu gigante) que
foram localizados pelo pesquisador Manuel Dailou Teixeira formam uma peça de
indicação quase perfeita.
ZONA DE PESQUISA – Olho D’Água da Escada apresenta um cenário
bruto, inclemente, rude, áspero e agreste. A topologia é um desafio à presença
do ser humano, que se sente repelido e quase agredido pelos cactos e outras
vegetações características da caatinga nordestina. De espaço a espaço, o
afloramento do calcário fere a vista, como em uma paisagem lunar. Completando a
cena, cavernas abruptas aumentam o perigo para o passante desprevenido.
Na época das pesquisas a
civilização ainda não havia chegado totalmente ao local. Apenas um ou outro
tiro de espingarda, disparado por um caçador ocasional, marcava a presença do
homem. Distantes alguns quilômetros uns dos outros, se encontram pequenos
roçados de milhos, feijão e algodão. A água era trazida de outras localidades,
pois não há registro de riachos ou mesmo um único olho d’água, como era de se
esperar pelo nome do lugar.
A EQUIPE – Os
trabalhos de exploração foram realizados em Olho D’Água da Escada, distante oito
quilômetros do povoado de Boa Sorte, onde ficaram acampados o professor José
Nunes Cabral de Carvalho, diretor do Instituto de Antropologia da UFRN e chefe
da equipe; o pesquisador Leon Diniz Dantas de Oliveira, do Departamento de Mastozoologia;
os pesquisadores Manuel Daiton Teixeira de Vasconcelos, do setor de
Geomorfologia; Marilda Fernandes de Carvalho, do setor de Paleontologia; José
Crispin, do setor de Antropologia Física; Celma Bezerra, do departamento de Entomologia
e o professor Antonio Campos e Silva, do Departamento de Geologia.
AS CONDIÇÕES – Trabalhando em condições precárias e em constante
risco de vida, os pesquisadores fazem uma jornada de mais de dez horas de
trabalho por dia. Andam quilômetros a pé, em solo formado por pedras cortantes
ou em veredas que correm dentro a caatinga, para atingirem as cavernas, onde
estava localizado o material pesquisado. A descida às cavernas é feita por
escadas de cardas, às vezes por aberturas estritas e abruptas, que mal oferecem
condições de passagem para uma pessoa.
As acomodações da equipe constam
de duas barracas de lona, sob as quais fazem suas refeições, dormem, revelam filmes
e se reúnem os membros do grupo.
COMO SE ACHA UM FÓSSIL – Ali foi que o Instituto de Antropologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte realizou alguns dos mais
importantes achados fósseis do território nacional, somente comparável aos feitos
de Peter Lungan, em Lagoa
Santa , no Estado de Minas Gerais.
Seis cavernas foram trabalhadas,
sendo que a mais importante é a que recebeu a classificação de “F-3” , a qual tem a profundidade de
30 metros, ao pé da escada .
Sua largura e seu comprimento são de 20 metros . Do seu salão central surgem dois
túneis, um dos quis leva a um sumidouro com 40 metros de
profundidade. Na ocasião, mais de vinte e duas toneladas de detritos foram
removidas desta caverna, composto principalmente de terra e pedras resultante
de assoreamento provocado pelas águas de chuva.
PRECIPITAÇÃO – Os pesquisadores estimaram que
na época em que aqueles animais – hoje extintos e cujos fósseis foram
encontrados – viviam na região de Baraúnas já eram constantes os períodos de
estiagem. Em busca da água, os animais caminhavam para os únicos reservatórios que
existiam: as cavernas que armazenavam as águas das chuvas. Cavernas essas que
tinham (e ainda hoje têm) pequenas entradas nas grandes cavidades internas. Os
pesados animais nelas se precipitaram quando o teto de calcário se partia e
trazia todos os elementos de superfície.
MATERIAL COLHIDO –
Na ocasião o número de fósseis localizado representou um achado de grande
valor. Foram encontrados restos de preguiças gigantes, um tatu de seis metros
aproximadamente e um mamute primitivo. Por outro lado, milhares e milhares de
pequenos ossos isolados ou componentes de conjuntos também foram encontrados e
transportados para a sede do Instituto em Natal.
As pesquisas visam a uma
análise do passado e sua correlação com o presente. Paralelamente aos achados
paleontólogos, vão sendo efetuados estudos sobre a fauna e a flora atual.
Vários animais foram capturados ou mesmo abatidos, para comparação entre as
faunas presente e a passada. Com vista
a realização de estudos sobre a evolução do relevo do terreno, técnicos do
setor geomorfologia (ramo da geologia física que estuda as formas atuais do relevo terrestre e
investiga a sua origem e evolução)
realizaram coleta de elementos atuais e residuais do passado, característicos da
região estudada.
Os estudos se
complementavam com análise e pesquisa de mastozoologia (ramo da zoologia que se ocupa do estudo dos
mamíferos), geomorfologia, paleontologia, antropologia física, entomologia
e geologia.
TAMBÉM EM SÃO RAFAEL – O
Instituto de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte também
realizou trabalhos de pesquisas no Município de São Rafael, situado na mesorregião Oeste Potiguar e na
microrregião Vale do Açu, onde foram encontrados restos de material lítico
(cerâmica). Na data das descobertas, esses objetos não tiveram idade
catalogada, vez que não tinha sido encontrado um fóssil guia, nem se dispunha
de métodos e equipamentos capazes de determinar a idade do material descoberto.
A cerâmica encontrada em
São Rafael , no nível dos fósseis, não permitiu aos
pesquisadores afirmar se ela é contemporânea dos mastodontes, megatérios e
outros animais pré-históricos.
As pesquisas do
Instituto de Antropologia foram realizadas, em grande parte, graças a ajuda
recebida do Conselho Nacional de Pesquisas.
DO INSTITUTO AO MUSEU – O Instituto de Antropologia foi criado pela Lei estadual nº 2694, de 22.11.1960, com
órgão da então Universidade do Rio Grande do Norte, dias antes desta
ser federalizada e ser transformada na atual Universidade Federal do Rio Grande
do Norte. Sua primeira equipe técnica era composta por Luís da Câmara
Cascudo, José Nunes Cabral de Carvalho, Veríssimo de Melo e D. Nivaldo Monte.
O Instituto de Antropologia foi o primeiro órgão de pesquisa da instituição
de ensino superior, tendo como objetivo “promover e divulgar estudos sobre o homem em
seus diversos aspectos físicos e culturais, além de realizar pesquisas
relativas às jazidas pré-históricas do território norte-rio-grandense”.
Além das atividades de pesquisa direta, o Instituto oferecia cursos de extensão
universitária nas áreas de antropologia, arqueologia, etnologia e
paleontologia.
Em 1965 passou a ser denominado Instituto de Antropologia
Câmara Cascudo, em
homenagem ao seu primeiro diretor. Em outubro de 1973, por resolução do
Conselho Universitário da UFRN, foi transformado em Museu Câmara Cascudo, tendo como compromisso “preservar os
resultados das pesquisas e estruturar as atividades de proteção, utilização e
exposição das peças do acervo”.
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