PADRE LUIZ
MONTE
Jurandyr
Navarro
Do
Conselho Estadual de Cultura
Há 68 anos despedia-se do nosso mundo um dos espíritos mais cintilantes que a espécie humana produziu. Dele pode-se dizer
outro tanto do que foi fixado para o grande pensador inglês:
"A terra
cansada de dar homens comuns, gerou um Shakespeare.”
Faleceu em Natal,
cidade em que permaneceu toda sua vida. Uma doença insidiosa trouxe-lhe numa taça de cicuta o veneno da morte.
Deixou o bulício dos mortais com apenas trinta e nove anos de idade. O golpe de sua
morte foi tão lancinante para a comunidade que serviu e guiava com o
archote da sua sabedoria, que abalou a Cidade inteira.
Naquele dia a notícia se espalhou à maneira de um raio: "O Padre
Monte morreu".!
Era muito jovem
ainda para instilar os miasmas letárgicos. Estava a subir a ladeira da
vida anabólica intelectual. Mas seu espírito tinha mil vezes a idade do corpo, por ser um espírito genial de um sábio e de um santo.
Na lage de seu túmulo, encerra a inscrição que diz com eloquência o que foi a sua vida: "Ele tudo fez bem".
Foi ele um dos grandes homens da sua geração. O seu comportamento
retilíneo, cujo
tropismo inclinado para o sol esplendente da Verdade, situou-se no vértice da pirâmide luminosa
onde repousam os gigantes da ciência.
A sua inteligência privilegiada
abraçava todo âmbito científico, cingia
todo firmamento do saber humano, mergulhando verticalmente nas profundezas pelágicas do imenso
amazonas da sabedoria.
Viveu fazendo o Bem e sempre em busca da Verdade, porque a "Verdade é o fundamento mais sublime" (Píndaro), é "a formosura da alma" (Virgílio), é "o argumento mais forte" (Sófocles).
Abeberou-se tanto do licor sagrado das fontes cristalinas da Ciência, que abusou da auto-regulação do seu cérebro genial. O corpo franzino não pôde suportar mais o peso enorme de sua cabeça majestosa.
Brilhou intensamente em todos os domínios do saber. A sua miraculosa cultura
desmentiu a afirmação do filósofo germânico
Schopenhaeur, para quem:
"Mocidade e sabedoria, a um só tempo, é impossível para
um mortal".
O Padre Monte aos vinte e cinco anos já dominara a ciência do seu tempo.
Ele não se parecia com os demais porque era um sábio. E "os sábios se
diferenciam dos ignorantes como os vivos dos mortos". Era como Leonardo
Da Vinci - "um semi-deus nascido na
raça dos homens".
Não passou pela vida sem deixar vestígio, à maneira de um "vôo de pássaro".
A gigantesca planta da sabedoria ele explorou da coifa, percorrendo ao
longo do caule até as nervuras dos pecíolos do ramal mais alto. Talvez não se encontre, nas páginas do Livro do
Tempo, quem tivesse assimilado tão imenso cabedal de conhecimentos, com apenas trinta e nove anos de vida! Estudava em nove línguas, dentre as quais o hebraico, o grego e o latim.
Não viveu a idade
provecta do nosso "Águia de Haia", nem a do autor do "Fausto". No entanto,
com o lastro cultural que possuía, acrescido a mais quarenta anos
de pesquisas, teria multiplicado a sua sabedoria. Camara
Cascudo afirmou ter sio ele “a nossa mais ampla cultura.”
Se dizem que o
grande Rui com seus setenta anos era um dicionário ambulante, o padre Monte com
seus trinta, apenas, era uma enciclopédia. Já dzia Calderon, ser o genio uma
revelaçao de Deus.
Como teria sido distinguida a Ciência, se ele tivesse chegado a viver os oitenta e três anos de Goethe!
Nas porfias dialéticas e disputas
teológicas não encontrou adversário. O seu vigoroso talento
policultural pulverizava, logo de saída, as lições decoradas dos antagonistas.
Se tivesse vivido
na Roma de Cícero, teria sido adornado com a coroa de mirto que cingia a fronte dos grandes oradores.
A tocha da Verdade, acesa pelo Cristo, ele tutelou na noite de um mundo
repleto de misérias humanas. Pelo
seu singular devotamento aos semelhantes, parecia ter se embebido da fulguração radiosa que refulgiu aos
olhos deslumbrados das multidões nos acampamentos da Galileia.
Em seu meigo coração residia o Espírito Santo, estava
Jesus, a chama da Vida. A sístole e a diástole replicavam a melodia da vida no santuário do seu coração, aberto, todo aberto para o Cristo.
No seu apostolado era o sentinela indormido da Igreja Católica. Defendia a
cidadela religiosa dos ataques dos incrédulos, como os fagócitos defendem,
muitas vezes, o organismo da ofensiva e da invasão patogênica das chusmas microbianas.
Vestido de luz, a todos ensinava, aconselhava e amava.
A alma do Padre Luiz Monte é aquela "feliz alma que uma centelha divina incendiou e que o fogo sagrado
devorou".
A sua morte, embora prematura, e levando-se em conta a sua irreparável perda para a Igreja, pelo menos durante largo período, não constitui motivo para seus contemporâneos ficarem
inconformados, em virtude de ter sido um chamamento de Deus, contra o quai a
ninguém é lícito se insurgir.
Não nos deve causar
tristeza a sua morte. Devemos afivelar a máscara lutuosa por termos em derredor
gente de baixa extração, e não por perdemos
os espíritos cintilantes.
A propósito disso, Epemetes, o tirano, certa
vez, vendo Demóstenes chorando pela morte de um filósofo, indagou ao autor da "Oração da Coroa", por que tanto
lacrimejava, pois não se concebia um homem do seu quilate em prantos.
Respondeu-lhe Demóstenes :
"Não choro eu, ó Epemetes, porque o filósofo morreu,
senão por tu que vives; e, se não o sabes, quero
te fazer sabê-lo, é que na Academia de Atenas mais choramos nós
porque vivem os maus, que porque morrem os bons".
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