Moacy Cirne: um nome essencialíssimo ao Brasil
(Lívio Oliveira)
O meu querido amigo Moacy Cirne, escritor e poeta de elevado renome, que não se situava somente nos limites do nosso Rio Grande do Norte, concluiu sua obra terrena na tarde quente do verão natalense desse último sábado que passou. Acompanhava notícias sobre o seu complexo quadro de saúde já havia um bom tempo. Mas, mesmo assim, fui tomado por um certo impacto, um choque, ao ler a notícia numa das redes ditas sociais. Havia ali uma foto de Moacy e alguns vagos dizeres sobre a sua passagem para um outro plano. Logo após, surgiu em mim uma tristeza calma e reflexiva que compartilhei com a minha esposa.
Intelectual múltiplo, Moacy detinha um olhar circular e atento que poucos possuíam neste país. Não é à toa que o mestre Tarcísio Gurgel costuma dizer que Moacy Cirne era o intelectual mais completo de sua geração. Além de toda a obra que deixou em livros e que também firmou na criação e liderança do histórico e emblemático movimento do Poema-Processo, lecionou com afinco e amor em universidade carioca, foi um dos maiores amantes e estudiosos do cinema e dos quadrinhos e exerceu outras muitas tarefas de cultivo do intelecto no seu envolvimento visceral e apaixonado pelo mundo das realizações artísticas e culturais. Firmou, ainda, dignas posições político-ideológicas avançadas e preocupações sociais que manteve até o final dos seus dias.
Moacy também era um grande fazedor de amizades, sabendo alimentá-las com atenção e generosidade, doando a cada um dos seus próximos um pequeno quinhão de sua sabedoria calma, serena. Seu sorriso suave e doce cativava fortemente quem dispunha das saborosas oportunidades de uma conversa mansa, tranquila, ou mesmo com a paixão e os argumentos sólidos e cortantes e até irreverentes por ele levantados. Um aspecto lhe era intrínseco e se fazia indissociável da figura do grande amigo que partiu: Moacy era um sábio, era um sábio, era um sábio! (lembro que ele gostava de brincar com os famosos versos de Gertrude Stein: “uma rosa é uma rosa é uma rosa”). Bastava ouvi-lo e olhar para ele e perceber isso estampado nos seus olhos perspicazes e nas suas barbas brancas que lembravam as de um profeta bíblico. Por sinal, a Bíblia foi um forte objeto de estudos de Moacy nos últimos anos – salientando-se que era ateu (ou agnóstico), reconhecidamente. O livro póstumo terá, certamente, o nome que Moacy já havia escolhido, segundo me afirmou um dia: “A Bíblia: travessia, travessias”, numa alusão direta a Guimarães Rosa.
Os momentos de desfrute intelectual e da amizade com Moacy foram muitos para mim: Encontros fortuitos por Natal, participação mútua em lançamentos de livros, algumas visitas que lhe fiz em casa (nunca encontrei Moacy no Rio, infelizmente. Seria ótimo ver um Fla-Flu no Maracanã e sentir a vibração de Moacy pelo seu Fluminense, mesmo que eu seja sempre Flamengo), um texto introdutório que ele fez para um dos meus livros, uma entrevista que me concedeu em 2008, debates culturais diversos (inclusive através do seu blog “Balaio Porreta, que manteve por muitos anos), dentre outras boas situações que tive de encontrar Moacy e sua inteligência viva e dinâmica.
Ao grande Moa dedico a minha pequena homenagem e agradecimento. Moacy Cirne se fez e se faz essencial à cultura potiguar e brasileira e a todos os seus amigos saudosos. Todos, certamente, dedicarão parte de suas memórias a Moacy, estando em processo de amadurecimento, inclusive, a ideia de um livro coletivo de depoimentos acerca de suas vida e obra, o que é algo que lhe é devido, mas simples diante de tudo que fez por estas bandas de cá. Moacy Cirne é, sim, um nome que se inscreve como essencialíssimo ao Seridó, ao Rio Grande do Norte e ao Brasil. Sempre será lembrado e deverá ser homenageado fortemente (autoridades potiguares que nos ouçam e, se possível, leiam), por seus grandes méritos e valores. Não custa repetir: Moacy vive e nos orgulha a todos!