30/11/2014

A Tipografia Lira

Elísio Augusto de Medeiros e Silva (in memoriam)

Quando comecei a me entender de gente, fui apresentado àquela velha oficina gráfica: a Tipografia Lira, a mais antiga de Natal, segundo diziam, que tinha sido do Dr. Alfredo Lira, de quem herdara o nome. Em 1955, fora a mesma arrendada e, posteriormente, vendida a Mozart Silva, seu último proprietário, fato que me deu a oportunidade de conhecê-la.
No escritório, aquela escrivaninha, ao lado da mesinha de máquina, feita de imbuia. Sobre a mesinha, uma autêntica Remington 51, que tinha aposentado a Royal preta, de teclas grandes e redondas, usada em época anterior à guerra. O velho telefone preto Ericson, com o disco ligeiramente oxidado, tocava alto e estridente quando, de fora, discavam 11-40.
Os lançamentos da Willys Overland desenrolavam-se à nossa porta, pois a firma Santos & Cia., nossa vizinha, era a distribuidora daquela associação mercantil e, todas as semanas, ali chegavam Rurais, Jeeps, Aero-Willis e Gordines para vender, ficando os veículos expostos estacionados em frente à Tipografia, ao lado do cartório de Alínio Azevedo.
Eu, ainda menino, sentia-me fascinado por aquele mundo diferente... O mundo gráfico, com cheiros fortes e variados de papel e tinta.
A sala dos tipógrafos, profissão hoje extinta, ficava no final de um comprido salão, com aquelas inúmeras estantes de madeira, possuindo gavetas e mais gavetas, cheias de tipos de todas as fontes. Eram tipos que não acabavam mais! Vocês imaginem! Cada fonte de tipo continha todas as letras do alfabeto, números e sinais ortográficos. Isso mesmo: maiúsculo, minúsculo, negrito, caixa alta, caixa baixa e por aí vai.
O cheiro de gasolina era uma constante, pois a mesma era utilizada como o material de limpeza das chapas, fruto do trabalho minucioso dos tipógrafos ou chapistas. Essas chapas, depois de prontas, iam tirar uma prova para serem submetidas à revisão, antes de serem engradadas nas máquinas, após a correção.
Depois de utilizadas para o serviço, os tipógrafos faziam o trabalho inverso: tinham que desmanchar tudo, com muito cuidado, pois havia o risco de empastelar; e, assim, as letrinhas, com a ajuda de uma pinça, iam sendo colocadas, uma a uma, nos seus lugares originais.
Tipos 12, 14, 16, 20 eram alguns dos tamanhos utilizados, mas, de vez em quando, tornavam-se necessários outros tamanhos, dos quais a tipografia, às vezes, não dispunha. Aí, entrava o espírito do companheirismo, entre as gráficas da época: uma emprestava à outra a fonte necessária para a execução daquele serviço.
As máquinas tipográficas, velhas Heildelberg alemãs, manuais, tinham a capacidade de 1.000 impressos por hora, limite a que nunca atingiam por que os rolos de gelatina, que levavam a tinta dos tinteiros para as chapas, tinham um desgaste muito grande, e necessitavam ser refeitos.
Naquela época, idos dos anos 60, na Ribeira existiam muitas tipografias: Tipografia Santo Antônio, Tipografia Lira, Tipografia Vilar, Tipografia Vitória, Tipografia Galhardo, Tipografia Augusto Leite e Tipografia Internacional, porque, então, todos se utilizavam dos serviços gráficos: para um santinho de primeira comunhão, para um papel timbrado, cartões de visita, e até para os grandes livros de escrituração pública ou comercial.
Existiam vários tipos de papel: 14, 16, couché, fluor post, linho, apergaminhado, pele de cabra. A utilização do tipo de papel dependia do serviço. O mais barato era o papel jornal, que, normalmente, era utilizado nas últimas vias de talões, ou na confecção de tablóides, que são aqueles jornais de formato quadrado, bem menores do que o jornal tradicional.
Trabalhando ao lado das velhas máquinas tipográficas, existia uma infinidade de máquinas auxiliares, indispensáveis aos serviços. A grande guilhotina alemã, responsável pelo corte dos papéis, era a cabeça do intrincado processo de impressão daquela época. Era ela quem alimentava a praça de impressão. Suas lâminas de aço, grandes e pesadas, eram afiadíssimas e precisavam de uma afiação periódica, pois perdiam o corte. Havia pessoas que prestavam esse tipo de serviço aos proprietários das tipografias.
Ao lado da guilhotina, uma máquina de dourar era a responsável pela gravação de nomes em lombos de livros.
Serena e precisa, havia também a pequena máquina de serrilhar: manual ou a pedal, que depois foi substituída por outra, mais moderna.
Tínhamos ainda o grande grampeador, que grampeava, sem dificuldades, grandes volumes de papel destinados à encadernação.
Na hora da confecção dos blocos ou talões, utilizavam-se o grampeador ou tachas, dessas de sapateiro, que eram batidas em cima de velhos trilhos de trem. Os trilhos também serviam para prensar os papéis na hora da colagem.
Difíceis eram os convites de casamento, ou santinhos de primeira comunhão e os cartões de Natal, quando o cliente queria dourados ou prateados. Na hora da impressão, antes da tinta secar, os papéis rapidamente eram levados para a mesa de dourar, a fim de polvilhar o pó, na cor dourada ou prateada, ao gosto do freguês, que já deixava tudo escolhido, ao fazer a encomenda.
Outra dificuldade daquela época eram os clichês, que tinham de ser encomendados no Recife. As aparas de papel eram convertidas em talões de jogo do bicho, ou em notas de posto de gasolina. Lembro-me do papel em resmas chegando do Recife, em cargas lonadas, que eram descarregadas no depósito, na Rua Câmara Cascudo.
Hoje, praticamente, as tipografias foram substituídas por gráficas rápidas, bem mais modernas. Vale salientar que os santinhos, calendários e convites finos para casamento vinham com a policromia pronta de São Paulo: da Probus, Pombo, Rotschild, etc. Aqui, eles eram apenas personalizados.
E assim, a Tipografia Lira ia andando, até a chegada da década seguinte, quando foi adquirida, em outro Estado, uma impressora plana, de alta velocidade para a época, e que precisou de um operário especializado a fim de operá-la. Era utilizada nos grandes serviços, como por exemplo, na confecção dos talonários do programa “Seu Talão Vale um Milhão”, da Secretaria da Fazenda do Estado. Nesta época, gerenciava a Tipografia o Sr. Moisés Villar, bastante experiente nesse ramo, um eterno aliado de Mozart.
Houve épocas em que a Tipografia Lira funcionava direto das 7 às 23 horas, dado o grande volume de serviços. Os funcionários faziam refeições normalmente na Peixada Potengi, de Heronides, ao lado. Sob o lema: “serviço realizado, cliente conquistado”, Mozart liderou o ramo gráfico, durante anos a fio, no Estado.
Todas as tardes, lá para as 15 horas, passavam em frente à Tipografia Lira o menino das tapiocas de coco, a moça que vendia bolo e a velha das cocadas, para a alegria dos gráficos.
Os dias se seguiam como as folhas impressas nas velhas máquinas. Muitos livros e livretos passaram por lá e, de tipo a tipo, a Tipografia Lira cooperou com a construção da História da Ribeira. Resistiu até o limite, quando cedeu à chegada do progresso, com as modernas gráficas off-set e computadores, pois, aí, a luta tinha ficado desigual.

29/11/2014

A GRANDE FESTA DA ASSEJURIS


H O J E

O PRESIDENTE DA UBE/RN - ROBERTO LIMA DE SOUZA - CONVIDA PARA A NOITE DE AUTÓGRAFOS DA CONFREIRA JANIA MARIA SOUZA. A REALIZAR-SE EM 29-11-2014, NA LIVRARIA NOBEL DA AV. SALGADO FILHO, ÀS 19 HORAS.


 
JANIA SOUZA

28/11/2014

CAARN CONVIDA - DIA 28 NOVEMBRO


26/11/2014

A injeção miraculosa

Elísio Augusto de Medeiros e Silva (in memoriam)

As barbearias do sertão, lá pelos anos de 1920, tinham as suas características próprias. Essa a que me refiro tinha duas portas antigas, de madeira, com ferrolho e cadeado, as paredes internas caiadas de branco e a fachada azul com o nome: “Barbeiro”.
Dentro, descia do teto um chicote de luz ligado à pera de acender e apagar. A cadeira de braços importada, de encosto reclinável, era forrada de chita estampadinha e ficava em frente ao espelho grande e à bancada de madeira com gavetas.
Em cima da bancada: tesouras, pentes, navalhas “Solinger” alemãs, loção, pedra-ume, pincel, toalhinhas de morim, toalha grande para o cliente que ia cortar o cabelo e o amolador de navalhas. Sempre disponíveis ao barbeiro a cumbuca de alumínio e o frasco de sabonete para fazer espuma.
Na parte de trás, cadeiras para a freguesia esperar a sua vez, um lavatório na parede com depósito de água em cima da torneira, uma bacia para aparar a água e a toalha de algodão branco.
Uma das características inerentes a todo barbeiro era a de tirar prosa com o freguês. Nas barbearias, as notícias corriam orais e velozes entre os frequentadores que ali iam regularmente. Foi numa dessas antigas barbearias que escutei o fato que vou transcrever a vocês.
Essa curiosa história aconteceu em Serra Negra no século passado, final da década de 1920 e início de 1930. Naqueles tempos no sertão nordestino era comum a cura por prática de charlatanismo.
Um paraibano de nome José Fábio tinha uma farmácia em Guarabira, e nos anos do Estado Novo foi morar em Mossoró. Não demorou muito, e a Saúde Pública do Estado caiu em cima dos seus processos, e ele, simplesmente, desapareceu da Cidade.
Então, inesperadamente, ele surgiu em Serra Negra, vindo de Brejo da Bananeira, onde já era dado à prática de fornecer receitas e consultas ao povo.
Ao chegar em Serra Negra, passou a aplicar umas injeções de um líquido a que atribuía poderosa eficácia no tratamento de quase todas as enfermidades.
A notícia foi circulando entre o povo, e o movimento na Cidade aumentava a cada dia. De manhã, quando abria as portas, já estava a casa cheia de pessoas que viajavam em busca da prometida cura. Vieram pessoas ricas, parentes de médicos, de padres e de autoridades, de muito longe.
A figura estranha do curandeiro atraía multidões fanatizadas para a cidadezinha do Seridó, que, nessa época, era apenas um velho arruado, nas terras fronteiriças da Paraíba.
A injeção não custava nada, era gratuita, mas, o paciente, antes de entrar, para ser atendido, entregava à sua secretária a importância de R$ 50 mil réis, a título de “contribuição”. Alguns, inclusive, doavam mais, a título de donativo.
No centro da sala, em cima de uma mesa forrada de tecido de algodão branco, um vidro transparente, do que se usava em antigos boticários, ocupado até a metade com um líquido claro e pegajoso, do qual não se sabia a origem, nem por que processo tinha sido obtido. Na verdade, era “cuspe”.
Assim, ele ia fazendo as suas aplicações miraculosas, e a fila de incautos crescendo, junto com as curas que se iam processando, em meio a inúmeras versões contadas: paraplégicos jogam fora as muletas, cegos passam a ver, e outros, que tinham chegado em redes ou padiolas, saem andando felizes. Dizem que até doido saía curado.

Porém, o fanatismo tem vida curta, e, certo dia, um homem rico e importante da região morreu, depois de tomar a injeção. Então, José Fábio, o curador miraculoso, encerrou as suas atividades e desapareceu, para nunca mais ser visto.