08/05/2014
Praça
1911 – Praça Augusto Severo
Elísio Augusto de Medeiros e Silva
Empresário,
escritor e membro da AEILIJ
elisio@mercomix.com.br
Na
Estação da Great Western da Ribeira, eu aguardava alguns familiares que
retornavam a Natal. Bateu o sino da estação – o trem já deveria estar próximo –
segundo alguns já partira da última parada intermediária.
Para
me assegurar disso procurei um dos funcionários da rede que me comunicou que o
trem estava dentro do horário e logo mais estaria chegando.
Aproveitei
o tempo de espera para uns pastéis e bolos de tabuleiro vendidos na estação.
A
informação estava certa – logo mais avistei a maria-fumaça. A locomotiva vinha
da esquerda – margeando o Rio Potengi. Antes de aparecer na curva, ouvíamos o
ronco forte da máquina resfolegando nos trilhos – espantando homens e animais.
Finalmente,
a locomotiva apareceu ao longe, bufando fumaça pela longa chaminé.
Quando
se aproximou da plataforma de embarque e desembarque, escutávamos o barulho dos
ferros, o guinchar das rodas escorregando sobre os trilhos, a freada demorada,
o aço sobre o aço, o chiado da fornalha e os vapores da caldeira.
Os
passageiros desciam sem pressa, parecendo querer curtir os últimos momentos na
carruagem de ferro. Uma pessoa me chamou atenção: uma senhora elegantemente
vestida – enorme chapéu florido, sombrinha colorida e rendada, e sapato negro
bicudo com fivela de prata.
Paralelamente,
os funcionários da companhia desciam as malas e outras bagagens, com a
vigilância atenta do chefe da estação.
Da
porta da calçada da estação, quem vinha a Natal pela primeira vez avistava a
bela Praça Augusto Severo, com o monumento à Nísia Floresta.
Pelo
dia e hora quase não havia ninguém na rua. Várias casas comerciais estavam de
portas fechadas.
Do
outro lado da praça, o Teatro Carlos Gomes e o Grupo Escolar Augusto Severo,
sob os olhares vigilantes da antiga fábrica de tecidos de Juvino Barreto.
Um
carro de boi passava vagarosamente em frente da estação, com o seu canto triste
produzido pelo eixo de suas rodas. Era um lamento sem fim... triste e ouvido à
distância.
Esse
cantoril era motivo de orgulho dos carreiros, que chegavam a jogar água no
buraco da roda para que o canto saísse mais sofrido.
Corria
o finalzinho de 1911 na Cidade dos Reis Magos. Por aqui não se falava de outra
coisa que não fosse o recém-inaugurado Cine Polytheama – ali ao lado da
estação. O cinema dera uma nova vida ao bairro ribeirinho.
As
noites passaram a ter outro sentido para as famílias. De dia, grupos de meninos
saíam pelas ruas, carregando cartazes e anunciando o filme que seria exibido
nas “matinées” e “soirées” do cinema.
Os
filmes em rolo de celuloide eram ansiosamente aguardados por todos. Naquela
época, o cinema era mudo, viam-se as imagens, mas não havia som – o que os
atores diziam aparecia em quadros, que se intercalavam com as cenas.
Do
outro lado da praça, o Teatro Carlos Gomes a tudo assistia impassível.
CAYMMI E JORGE, QUE DUPLA!
CARTA DE CAYMMI PARA JORGE AMADO
“Jorge, meu irmão, são onze e trinta da manhã e terminei de compor uma linda canção para Yemanjá, pois o reflexo do sol desenha seu manto em nosso mar, aqui na Pedra da Sereia. Quantas canções compus para Janaína, nem eu mesmo sei, é minha mãe, dela nasci.
Talvez Stela saiba, ela sabe tudo, que mulher, duas iguais não existem, que foi que eu fiz de bom para merecê-la? Ela te manda um beijo, outro para Zélia e eu morro de saudade de vocês.
Quando vierem, me tragam um pano africano para eu fazer uma túnica e ficar irresistível.
Ontem saí com Carybé, fomos buscar Camafeu na Rampa do Mercado, andamos por aí trocando pernas, sentindo os cheiros, tantos, um perfume de vida ao sol, vendo as cores, só de azuis contamos mais de quinze e havia um ocre na parede de uma casa, nem te digo. Então ao voltar, pintei um quadro, tão bonito, irmão, de causar inveja a Graciano. De inveja, Carybé quase morreu e Jenner, imagine!, se fartou de elogiar, te juro. Um quadro simples: uma baiana, o tabuleiro com abarás e acarajés e gente em volta.
Se eu tivesse tempo, ia ser pintor, ganhava uma fortuna. O que me falta é tempo para pintar, compor vou compondo devagar e sempre, tu sabes como é, música com pressa é aquela droga que tem às pampas sobrando por aí. O tempo que tenho mal chega para viver: visitar Dona Menininha, saudar Xangô, conversar com Mirabeau, me aconselhar com Celestino sobre como investir o dinheiro que não tenho e nunca terei, graças a Deus, ouvir Carybé mentir, andar nas ruas, olhar o mar, não fazer nada e tantas outras obrigações que me ocupam o dia inteiro. Cadê tempo pra pintar?
Quero te dizer uma coisa que já te disse uma vez, há mais de vinte anos quando te deu de viver na Europa e nunca mais voltavas: a Bahia está viva, ainda lá, cada dia mais bonita, o firmamento azul, esse mar tão verde e o povaréu. Por falar nisso, Stela de Oxóssi é a nova iyalorixá do Axé e, na festa da consagração, ikedes e iaôs, todos na roça perguntavam onde anda Obá Arolu que não veio ver sua irmã subir ao trono de rainha?
Pois ontem, às quatro da tarde, um pouco mais ou menos, saí com Carybé e Camafeu a te procurar e não te encontrando, indagamos: que faz ele que não está aqui se aqui é seu lugar? A lua de Londres, já dizia um poeta lusitano que li numa antologia de meu tempo de menino, é merencória. A daqui é aquela lua. Por que foi ele para a Inglaterra? Não é inglês, nem nada, que faz em Londres? Um bom filho-da-puta é o que ele é, nosso irmãozinho.
Sabes que vendi a casa da Pedra da Sereia? Pois vendi. Fizeram um edifício medonho bem em cima dela e anunciaram nos jornais: venha ser vizinho de Dorival Caymmi. Então fiquei retado e vendi a casa, comprei um apartamento na Pituba, vou ser vizinho de James e de João Ubaldo, daquelas duas ‘línguas viperinas, veja que irresponsabilidade a minha.
Mas hoje, antes de me mudar, fiz essa canção para Yemanjá que fala em peixe e em vento, em saveiro e no mestre do saveiro, no mar da Bahia. Nunca soube falar de outras coisas. Dessas e de mulher. Dora, Marina, Adalgisa, Anália, Rosa morena, como vais morena Rosa, quantas outras e todas, como sabes, são a minha Stela com quem um dia me casei te tendo de padrinho.
A bênção, meu padrinho, Oxóssi te proteja nessas inglaterras, um beijo para Zélia, não esqueçam de trazer meu pano africano, volte logo, tua casa é aqui e eu sou teu irmão Caymmi”.
________________
Colaboração de JOVENTINA SIMÕES
06/05/2014
Rebouça e Malheiros
João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG
Encontramos, em várias localidades do nosso estado, descendentes das famílias Rebouça (é assim que está na maioria dos registros) e Malheiros, que se entrelaçaram por aqui. Alguns migraram para o Ceará. Há descontinuidades nos registros da Igreja, mas, de qualquer forma, vamos trazer alguma informação sobre eles, neste artigo.
João Malheiros, filho de Diogo Rebouça, natural de Santo Estevão, da faixa de idade de vinte e oito anos, cabelo liso e louro, olhos pardos, rosto redondo e aflamengado, baixo e grosso de corpo, e bem empinado, é soldado desta companhia desde 5 de janeiro de 1699 anos e vence mil oitocentos e sessenta e seis reis de soldo, por mês, na forma do assento do Conselho da Fazenda, lançado no livro 2º a fls 79v e não vencerá mais coisa alguma. Manoel Gonçalves Branco. Há ajustes nas laterais desse registro que vão até 1703, no Arraial do Assú.
João Malheiros recebeu, junto com Antonio Velho de Brito, no ano de 1706, do capitão-mor Sebastião Nunes Collares, sesmaria no Rio Umary, entre as duas serras de Catolé correndo para a serra de Mãe d’Água.
Nos velhos registros desta Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação, encontramos o batismo de dois filhos de João Malheiros: aos 28 de outubro de 1706, na capela de Santo Antonio do Potengi, foi batizado Diogo, filho de João Malheiros e Beatriz de Castro, tendo como padrinhos Manoel Tavares Guerreiro e Maria Magdanela, filha do coronel Gonçalo da Costa Faleiros; e, em 10 de junho de 1711, no oratório da capela de Jundiaí, foi batizada Maria, filha de João Malheiros e Beatriz de Abreu (outro sobrenome), tendo como padrinhos o sargento-mor Estevão Velho de Moura e Úrsula de Mendonça, viúva (do coronel Gonçalo da Costa Faleiros).
Encontramos outros registros na capela de Jundiaí, onde os batizados eram três tapuias, escravos de João Malheiros, em 1711.
Há outro Malheiros, dessa época, já tratado em outros artigos, que é Gaspar Rebouça Malheiros, português de Viana, casado com Úrsula Leite de Oliveira. Gaspar e Úrsula batizaram os seguintes filhos, a partir de 1703, todos na capela de Santo Antonio do Potengi: Gaspar, em 1703; Damião, em 1705; Ponciano, em 1706; Lourenço, em 1708.
Nos assentamentos de praça, de 1724, encontramos alguns deles, com o nome já completo: Gaspar Pereira Leite, 20 anos; Lourenço de Oliveira, 16 anos; Ponciano Gonçalves, 17 anos; e Antonio Leite de Oliveira, 45 anos. Já Damião Pereira Leite, vamos encontrar na folha de pagamento de tropas de 1720.
Com todas as informações acima, não conseguimos detectar a ligação de João Malheiros ou Diogo Rebouça com Gaspar. Como dito em artigo anterior, havia um Diogo Malheiros Rebouça que foi casado com Jacinta de Vasconcelos, e depois com Phelippa Rodrigues de Oliveira. No registro do casamento com Phelippa, aparecem como seus pais Diogo Malheiros e Beatriz de Abreu. Acho que houve um erro no registro dos pais, pois acredito que eram João Malheiros e Beatriz de Abreu (ou Castro).
Vejamos outros registros onde aparecem membros da família Rebouça. Em 2 de setembro de 1761, na capela de Santo Antonio, casaram Salvador Rebouça de Oliveira (natural de Mossoró, da freguesia de São João Batista do Assú) e Rosa Maria de Oliveira; ele, filho do capitão José Rebouça de Oliveira (Igarassu) e Ângela das Neves (Olinda), moradores no Assú; ela, filha do capitão Ignácio de Oliveira (Vilarinhos, São Salvador de Macieira, bispado do Porto) e Brígida Leite de Oliveira.
Esse casal gerou José, em 1766, que foi batizado na capela de Santo Antonio do Potengi, tendo como padrinhos Manoel Francisco Rebouças, tio paterno, e Brígida Leite, sua avó materna. Em 1774, nasceu Manoel, que teve como padrinhos Antonio Manoel e Anna, filhos da viúva Brígida Leite. Em 1781, era batizado outro Manoel, filho do mesmo casal.
José, depois, alferes José Rebouça de Oliveira, filho de Salvador e Rosa Maria, casou com Antonia Joaquina de Barros, filha do sargento-mor Antonio de Barros Passos e Bernardina de Assunção.
Em 6 de junho de 1801, Gaspar Rebouça de Oliveira, filho de Salvador Rebouça de Oliveira e Maria de Oliveira, falecida, casou com Rosa Maria de Oliveira, filha de Luis Gomes da Silva e de Úrsula Leite de Oliveira, sendo testemunhas tenente Antonio Cavalcante Bezerra e alferes Luis Gomes. Houve dispensa de 2º grau de consanguinidade. Salvador e Úrsula eram irmãos, ambos filhos de Salvador Rebouça de Oliveira e Rosa Maria de Oliveira (que casaram em 1761). Observem como os nomes se repetem, criando, algumas vezes, confusão genealógica. Essa segunda Rosa Maria, esposa de Gaspar, faleceu em 1830, com 41 anos de idade.
Petróleo
PROJETO E REALIDADE DE
UMA REFINARIA;
UMA HISTÓRIA DO PETRÓLEO POTIGUAR
Tomislav R. Femenick – Historiador, membro da
diretoria do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.
Em geologia,
bacia é uma depressão ou conjunto de terras ligeiramente inclinadas e,
geralmente, é um bom indicativo de existência de petróleo. A Bacia Potiguar situa-se no extremo leste
da Margem Equatorial Brasileira, limita-se ao oeste com a Bacia
do Ceará e ao oeste com a Bacia de Pernambuco-Paraíba. Possui uma área de 119.030 mil quilômetros
quadrados – 33.200 de superfície e 86.100 submersos –, sendo que sua isóbata (linha imaginária que une todos
os pontos de igual profundidade no relevo submarino) é de 3.000 quilômetros.
Sua superfície é dividida em três subáreas, a saber: o grupo Areia Branca,
constituído pelas formações Pendência e Alagamar; o grupo Apodi, integrado
pelas formações Assú, Quebradas e Jandaíra, e o grupo Agulha, com as formações
Ubarana, Guamaré e Tibau.
Geograficamente, a Bacia Potiguar corresponde à
plataforma continental da Nigéria, no litoral africano, de onde se separou há aproximadamente
200 milhões de anos. Na plataforma
nigeriana já foram descobertas grandes reservas de petróleo leve e com baixo
teor de enxofre. Essas jazidas petrolíferas se situam a grande profundidade –
cerca de quatro quilômetros abaixo do nível do mar – e foram formadas ao longo
da “rachadura”, resultante do processo que de ruptura que separou a atual
América do Sul da África. Essa descoberta evidencia uma analogia entre as
ocorrências de óleo na costa do nordeste brasileiro e no litoral oeste africano.
O petróleo começou a ser explorado na Bacia Potiguar em
Ubarana, em 1973; em Mossoró, em 1979, e no Canto do Amaro, em 1985. Segundo
dados da Agencia Nacional de Petróleo, nela já foram descobertos “70
campos de óleo e gás, sendo 6 no mar e 64 em terra. Recente perfuração na
porção terrestre constatou uma acumulação de óleo, indicando que a bacia ainda
oferece boas oportunidades. A Bacia Potiguar, com uma produção diária de 110
mil boe, é atualmente a segunda região produtora do país” (www.anp.gov.br -
Acesso em 28.04.2014).
O Lado Nobre
Na forma como
é encontrado na natureza, o petróleo é um composto de hidrocarbonetos, com
pequenas quantidades de nitrogênio, enxofre, oxigênio e outros elementos. O seu
uso comercial dá-se com a transformação dessa mistura em combustíveis, lubrificantes,
solventes e muitos outros produtos. Esse é o lado nobre da indústria petroleira.
O refino do petróleo bruto e o craqueamento de alguns de seus componentes,
produtos e/ou subprodutos exigem parques industriais complexos de maior ou
menor porte, as Refinarias de Petróleo. Nas refinarias é que se efetua a
transformação do petróleo bruto em nafta, gasolina, querosene, óleo
combustível, óleos lubrificante, gás liquefeito, base asfáltica, parafina,
enxofre, coque, benzina e outros derivados.
As
refinarias de petróleo geralmente são grandes e complexas plantas industriais
que usam tecnologia de ponta, cujas instalações de processamento podem ser
consideradas como parques químico-industriais. Para alimentar o seu
funcionamento contínuo, essas unidades exigem um parque (tancagem) com depósito
de matéria-prima (petróleo), que por sua vez deve ser abastecido por oleodutos
ou por navios tanques. Internamente, extensas redes de tubulação levam insumos entre
as unidades de processamento, formadas por grades torres metálicas. Por sua
vez, os produtos acabados exigem grandes tanques para guarda temporária. Em
síntese, elas são a representação física da era das grandes indústrias.
Para
economizar custos de transporte e de construção de oleodutos, as
refinarias são preferencialmente instaladas perto das fontes de fornecimento de
petróleo, sua matéria-prima básica, bem como em regiões que disponham de vias
navegáveis (costas marítimas e margens de grandes rios) para escoamento de sua
produção e que possuam fonte de energia para operar a usina.
E A REFINARIA FOI PARA... PERNAMBUCO
A
alta taxa de produtividade da Bacia Potiguar deu respaldo para um bom combate:
a construção de uma refinaria da Petrobras no Rio Grande do Norte, luta que
envolveu o mundo político, acadêmico e empresarial do Estado. A lógica era uma
só. Aqui estava a fonte da matéria prima principal, o próprio petróleo, e aqui
existiam condição para se obter um dos insumos primordiais para fazer funcionar
a refinaria, o gás natural liquefeito.
Do ponto de vista de logística, partia-se do
princípio de que transportar o petróleo para outro local – onde o óleo passaria
pelos processos de refinado e craqueamento para obtenção de gasolina, metano, querosene, óleo diesel etc. – sairia muito mais caro do que simplesmente
transportar os produtos acabados para o mercado consumidor, quase todo
ele localizado na região Nordeste do país. O mesmo aconteceria com outros
produtos e subprodutos, tais como asfalto, parafina, enxofre etc., conforme
fosse a configuração da refinaria.
Em um dos seus
estudos, datado das décadas de 1970/1980, o prof. Vingt-un Rosado elaborou
planilhas de custos que comprovavam essas afirmativas. Esse trabalho contou com
a participação de professores do Centro de Estudos Avançados da ESAM, hoje
UFERSA-Universidade Federal Rural do
Semi-Árido. Além do mais já havia os estudos para a criação do complexo
industrial de Guamaré, mesmo que projetado para funcionar em escala reduzida.
Partindo dessa lógica técnica, nada mais acertado do que a indicação de
que aqui no Rio Grande do Norte é que fosse construída a grande planta de
refino do Nordeste.
Entretanto os
Estados do Ceará e de Pernambuco também entraram na disputa pela refinaria. O
impasse estava criado até que, em 2005, dois personagens entraram na contenda.
Luiz Inácio Lula da Silva, o então presidente do Brasil, queria levar a
refinaria para o seu Estado natal; Hugo Chaves, então presidente da Venezuela,
prometia se associar à Petrobras na construção de uma usina de refino
petrolífero, desde que localizada na terra natal do general José Inácio de Abreu e Lima, um
pernambucano que participou da luta de Simon Bolívar pela independência das
colônias espanholas na América. Um fato passou quase despercebido: nas confabulações
dos dois presidentes, o projeto da refinaria de Abreu e Lima teria que ser direcionado ao refino do óleo pesado,
característico do produto venezuelano.
E lá se foi para Pernambuco a refinaria que,
pela lógica técnica e econômica, deveria ser erguida no Rio Grande do Norte.
Por sua vez, o Ceará já tinha ganhado a Refinaria
Lubrificantes e Derivados de Petróleo do Nordeste-LUBNOR, com capacidade de
processar 6.000 barris de petróleo por dia e que produz asfalto, lubrificantes
naftênicos (usados em transformadores, refrigerantes, solventes, fluidos de
corte etc.), gás natural, óleo combustível para
navios, gás de cozinha e óleo amaciante de fibras. A LUBNOR é uma
planta de pequeno porte que, há oito anos, teve sua ampliação anunciada pela
Petrobras, mas que nem chegou a ser iniciada. Cogita-se que essa ampliação não
saiu por escassez de áreas livres, adjacentes às instalações já existentes. Por
isso há um projeto para realocar a refinaria cearense, transferindo-a da região
de Mucuripe, onde está localizada atualmente, para o Complexo Industrial e
Portuário do Pecém. Se essa obra sair, Refinaria Lubrificantes e Derivados de
Petróleo do Nordeste-LUBNOR pode absorver grande parte das ampliações que no
futuro poderiam ser realizadas na Refinaria
Potiguar Clara Camarão.
REFINARIA
CLARA CAMARÃO TORNA O RN AUTOSSUFICIENTE
O potencial de
produção da Bacia Potiguar, especialmente o campo de Ubarana, sempre evidenciou
a necessidade de uma unidade de processamento do óleo e do gás extraídos na
região, porém somente em 1983 é que foi criado o polo industrial petrolífero,
localizado no município de Guamaré. Seria o embrião de uma grande refinaria
potiguar. Dois anos depois foi construída a primeira unidade de processamento
de gás natural e, em anos posteriores, o terminal de armazenamento e
transferência, a estação de tratamento de óleo e uma estação de tratamento de
efluentes.
Em 1999 entrou
em operação a planta de produção de óleo diesel. No começo deste século, teve
início a operação da segunda unidade de diesel e da instalação da segunda
unidade de processamento de gás natural. Em 2005 entrou em operação a unidade produtora
de querosene de aviação e, em caráter experimental, o setor de biodiesel. No
ano seguinte começou a funcionar uma terceira unidade de processamento de gás
natural. Em novembro de 2009, foi
assinado o Termo de Compromisso entre o Governo do Estado do Rio Grande do
Norte e a Petrobras, para dar início às
obras de infraestrutura da Refinaria Potiguar Clara Camarão, com vistas a
ampliar capacidade já instalada e implantar uma unidade de produção de
gasolina. Foram aplicados 215
milhões de dólares na ampliação das instalações do polo, que resultou na “criação”
da Refinaria Potiguar Clara Camarão que, a
partir de 2010, passou a produzir gasolina, além de nafta petroquímica.
Segundo a
Petrobras, a Refinaria Clara Camarão hoje “produz
diesel, nafta petroquímica, querosene de aviação e, desde setembro de 2010,
gasolina automotiva, o que tornou o Rio Grande do Norte o único estado do país
autossuficiente na produção de todos os tipos de derivados do petróleo”. No
total a Unidade de Guamaré tem capacidade de processar 37.800 barris/dia (6.000
m3) e compreende duas unidades de destilação atmosféricas (diesel e querosene para aviação), uma unidade de
tratamento cáustico regenerativo e uma unidade de produção de gasolina.
CAPACIDADE POTIGUAR SERÁ AMPLIADA
Em julho do
ano passado, a Petrobrás recebeu
a autorização da Agencia Nacional de Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis-ANP para ampliar
a capacidade de tratamento cáustico regenerativo do querosene de aviação, de
430 m³/dia para 600 m³/dia, na Refinaria Potiguar Clara Camarão, permissão essa
que tem validade enquanto o projeto seguir o cronograma apresentado pela
estatal à agência. A previsão é que as obras estejam concluídas no fim de 2014.
Como decorrência existência da Refinaria Clara Camarão, a Petrobras e
sua controlada Transpetro, têm na região 556 quilômetros de oleodutos e 542
quilômetros de gasoduto.
Embora todos
esses números e fatos sejam relevantes eles não são satisfatórios se levado em
conta o fato de que o Rio Grande do Norte é o maior produtor de petróleo em
terra do país e, ainda, um dos maiores produtores de gás natural. No contexto
geral da indústria petrolífera, a Refinaria Potiguar Clara Camarão é apenas uma
unidade de pequena escala, uma minirrefinaria.
Uma simples
comparação com o projeto da Abreu e Lima mostra o quanto a realidade nos é
desvantajosa: enquanto a Clara Camarão processa 37.800 barris/dia (6.000 m3),
a refinaria pernambucana irá refinar 230.000 barris/dia (36.600 m3),
produzindo 3.600 m3/dia de nafta petroquímica, 1.600 m3/dia de gás
liquefeito de petróleo, 26.000 m3/dia de diesel, 6.200 toneladas/dia de
coque, 1.800 toneladas/dia de gasóleo e o H-Bio, óleo diesel que utiliza na sua
composição óleos vegetais de mamona, girassol, soja, dendê etc.
Segundo
informações da Petrobras, para atingir essa meta a Refinaria Abreu e Lima
contará com duas unidades de destilação atmosférica, duas unidades de
coqueamento retardado (processo para obtenção de coque, combustível para
metalurgia e indústria de cerâmica), duas unidades hidrotratamento de diesel,
duas unidades hidrotratamento de nafta, duas unidades de geração de hidrogênio
e duas unidades de abatimento de emissões.
Atualmente
a unidade de Guamaré ocupa a 11ª posição no ranque nacional de produção, numa
relação de doze refinarias de petróleo existentes no Brasil.
Tribuna do Norte. Natal, 04
maio 2014.
05/05/2014
QUADRO DEMONSTRATIVO DE AÇÕES
Fonte: Scilla Gabel (SEBRAE)
INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO NORTE – IHGRN
QUADRO DEMONSTRATIVO DE AÇÕES
1. INSTITUCIONAL
1.1. PESSOAL= a)capacitação; b)convocação para engajamento;
1.2. POLÍTICA=funcionalidade do IHGRN: a) gerenciamento; b) avaliação quinzenal;
1.3. ESTRUTURA=(recuperação de espaços para comodidade dos servidores); buscar apoio da Brasil Fundation.
2.PROJETOS
2.1. Recuperação física do prédio (FJA);
[2.2. Reparos (FJA);
2.3. Inventário do acervo: UFRN, PMN, FJA (Em.Vivaldo), SEEC;
2.4. Digitalização e disponibilização (verba federal)
2.5. Posse do terreno p/estacionamento.
3. CONDIÇÕES
3.1. Contrapartida- a) promoção de campanha social para obter recursos);
b) publicidade.
03/05/2014
ENCONTRO COM A POESIA: LUÍS VAZ DE CAMÕES - POR HORÁCIO PAIVA - GRANDE
PESQUISADOR DA LINGUA PORTUGUESA, TRAZENDO-NOS UMA DAS MAIS BELAS PEÇAS
DE CAMÕES
Sôbolos rios que vão, em Portugal me achei, num recanto renascentista, onde fora a procura de um vate genial: Luís de Camões. Para alguns, o maior, para outros um dos maiores poetas da língua portuguesa. De qualquer forma, suprema expressão do classicismo literário português. A sua epopéia, OS LUSÍADAS, alcançou significativa repercussão e notoriedade, firmando-se como uma das principais obras literárias do Renascimento europeu. Mas, observe-se: igualmente importante é a sua obra lírica, os sonetos (sobretudo), as canções, sextinas, redondilhas etc., em sua maioria, formas líricas adotadas da Escola Italiana introduzida em Portugal, anteriormente, por Sá de Miranda (1481-1558), outro grande renascentista lusitano. Não obstante a genialidade - reconhecida, pela posteridade, em toda sua extensão - não chegou, em vida, a usufruir da fama, apesar de seu livro Os Lusíadas ter sido publicado em 1572 (primeira impressão), oito anos antes de sua morte, em 1580, em Lisboa. Tal merecido reconhecimento chegou, pois, para ele, tardiamente. A sua influência, porém, faz-se sentir, através dos séculos, em autores ocidentais, nacionais e estrangeiros, independentemente de suas escolas e estilos literárias.
A obra de Elizabeth Browning
(06/03/1806-29/06/1861), por exemplo, célebre poetisa romântica inglesa
do século XIX, admiradora do poeta, está impregnada dessa influência,
presente em seu livro “Sonnets from the Portuguese” (“Sonetos da
Portuguesa”), publicado em 1847, onde acolhe o modelo
português/camoniano de soneto (dois quartetos e dois tercetos) e não o
inglês (três quartetos e um dístico). Mas a sua admiração pela lírica do
grande vate português segue adiante, e também notável no poema
intitulado “Catarina to Camoens” (“Catarina a Camões”), que
transcrevemos na nota 02 a este verbete introdutório, numa tradução de
outro gênio, Fernando Pessoa. Catarina (ou Caterina) de Ataíde vivia na
corte portuguesa e era dama de honra da rainha, D. Catarina de Áustria,
esposa do rei D. João III. Segundo alguns biógrafos, Camões também
nutria sentimentos amorosos pela infanta D. Maria, bela e culta irmã do
rei, mas cautelosamente recolhidos, em virtude das diferenças sociais:
Camões, da pequena nobreza, e empobrecido; D. Maria, princesa. Em sua
lírica, Catarina é chamada Natércia (inversão de letras do nome
Caterina, a encobrir sentimentos).
Há um singular poeta brasileiro, o cearense José Albano
(12/04/1882-11/07/1923) - desconhecido da maioria, e mesmo daqueles que
gostam de poesia -, que não é apenas exemplo da influência de Camões na
atualidade, mas seu seguidor fiel, espécie de “encarnação literária” do
grande mestre. Clássico fora de época (escreve como se vivesse no século
XVI, no mesmo estilo clássico/renascentista de Camões), e verdadeiro
fenômeno, pelo domínio da técnica e alta qualidade de sua poesia.
A nota 03 a esta introdução contempla
um de seus sonetos, o Soneto I, cujo verso inicial traz a décima
dramática e emocional: “Poeta fui e do áspero destino (...)”. Manuel
Bandeira, em sua “Apresentação da Poesia Brasileira”, diz, a seu
respeito: “A Albano, que era dotado de raro talento linguístico e
conhecia a fundo vários idiomas modernos e antigos, não foi difícil
assimilar inteiramente o ‘antigo estilo’, e o seu “Poeta fui...” nos soa
em verdade como um soneto póstumo de Camões.”
Várias localidades disputam o privilégio de terem sido o berço de
Camões, entre elas as cidades de Coimbra e, com maior probabilidade,
Lisboa. A jornalista e escritora Mirna Queiroz descreve resumidamente
sua vida, na seguinte tábua cronológica:
“1524 ou 1525: Datas prováveis do nascimento de Luís Vaz de Camões,
talvez em Lisboa. – 1548: Desterro no Ribatejo; alista-se no Ultramar. –
1549: Embarca para Ceuta; perde o olho
direito numa escaramuça contra os Mouros. – 1551: Regressa a Lisboa. –
1552: Numa briga, fere um funcionário da Cavalariça Real e é preso. –
1553: É libertado; embarca para o Oriente. – 1554: Parte de Goa em
perseguição a navios mercantes mouros, sob o comando de Fernando de
Meneses. – 1556: É nomeado provedor-mor em Macau; naufraga nas costas do
Camboja. – 1562: É preso por dívidas não pagas; é libertado pelo
vice-rei Conde de Redondo e distinguido seu protegido. – 1567: Segue
para Moçambique. – 1570: Regressa a Lisboa na nau Santa Clara. – 1572:
Sai a primeira edição d’Os Lusíadas. – 1579 ou 1580: Morre de peste, em
Lisboa.”
Conta-se que, naufragando na foz do rio Mekong (costa do Camboja, por
volta de 1560), conseguiu salvar o manuscrito d’Os Lusíadas, a nado. Mas
perdeu a mulher amada, uma jovem chinesa, que viajava em sua companhia.
Seria, para alguns, a Dinamene que aparece em vários de seus poemas. De
qualquer forma, ela lhe inspirou o mais belo e sublime soneto da língua
portuguesa, o “Alma minha gentil...”, ao final reproduzido.
Uma última observação, que teima em não passar em branco: Camões, que
lamentava o declínio histórico da Pátria que tanto enaltecera, morre em
1580, mesmo ano da subida ao trono de Portugal do rei da Espanha, Felipe
II, que passaria a governar os dois países. Portugal e suas colônias
viveriam os próximos sessenta anos, até 1640, pois, sob o domínio
espanhol.
Já no final d’Os Lusíadas (Canto X,
estrofe 145), despedia-se Camões, amargamente:
“No mais, Musa, no mais, que a Lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Duma austera, apagada e vil tristeza.”
O cineasta português José Leitão de Barros captou bem a mobilidade
“cinematográfica” da vida do poeta em seu belo filme intitulado
“Camões”, que concorreu à primeira edição do Festival de Cannes, em
1946.
LUÍS DE CAMÕES (n. 1524, Lisboa ou Coimbra; m. 1580, Lisboa):
ALMA MINHA GENTIL...
Alma minha gentil que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.
Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.
E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa,
sem remédio, de perder-te,
Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.
-x-x-x-x-x-
NOTAS:
01) Sobre o “Alma minha gentil...”, interessante confrontar
esteticamente essa obra-prima de Camões com o seguinte soneto de
Petrarca (o Soneto 31), com versos iniciais muito parecidos. Ei-lo no
original, em italiano:
SONETO DE PETRARCA (SONETO 31):
Questa anima gentil che si diparte, anzi tempo chiamata a l’altra vita,
se lassuso è quanto esser dê gradita, terrà del ciel la piú beata parte.
S’ella riman fra ’l terzo lume et Marte,5 fia la vista del sole
scolorita, poi ch’a mirar sua bellezza infinita l’anime degne intorno a
lei fien sparte. Se si posasse sotto al quarto nido, ciascuna de le tre
saria men bella,10 et essa sola avria la fama e ’l grido; nel quinto
giro non habitrebbe ella; ma se vola piú alto, assai mi fido che con
Giove sia vinta ogni altra stella.
E na tradução do poeta baiano Edmílson Santos Silva Movér:
Esta alma gentil que partiu, antes do tempo, chamada à outra vida, terá
no céu segura acolhida terá do céu a mais beata parte. Se ela ficar
entre a terceira luz e Marte, será a vista do sol descolorida depois
virá, toda alma ao céu subida em torno dela olhar sua beleza infinita Se
pousar abaixo do quarto ninho, nenhuma das três será mais bela, que
esta só, espalhada a fama e o grito; No quinto giro não chegara ela; mas
se voar mais alto, em muito confio ser vencido Júpiter e cada outra
estrela.
02) Transcrição do poema “Catarina a Camões”, de Elizabeth Barret Browning, na tradução de Fernando Pessoa:
Catarina a Camões Elizabeth Barret Browning Tradução de Fernando Pessoa
I
P'ra a porta onde não surges nem me vês
Há muito tempo que olho já em vão.
A esperança retira o seu talvez;
Aproxima-se a morte, mas tu não.
Amor, vem Fechar bem Estes olhos de que dissestes ao vê-los:
O lindo ser dos vossos olhos belos.
II
Quando te ouvi cantar esse bordão
Nos meus de primavera alegres dias;
Todo alheio louvar tendo por vão
Só dava ouvidos ao que tu dizias –
Dentro em mim Dizendo assim:
"Ditosos olhos de que disse ao vê-los:
O lindo ser dos vossos olhos belos."
III
Mas tudo muda.
Nesta tarde fria
O sol bate na porta sem calor.
Se estivesse aí murmuraria
Como dantes tua voz – "amo-te, amor";
A morte chega
E já cega
Os olhos que ontem eram teus desvelos
O lindo ser dos vossos olhos belos.
IV
Sim. Creio que se a vê-los te encontrasses
Agora, ao pé do leito em que me fino,
Ainda que a beleza lhes negasses,
Só pelo amor que neles eu defino
Com verdade
E ansiedade Repetirias, meu amor, ao vê-los:
O lindo ser dos vossos olhos belos.
V
E se neles pusesse teu olhar
E eles pusessem seu olhar no teu,
Toda a luz que começa a lhes faltar
Voltaria de pronto ao lugar seu.
Com verdade
E ansiedade
Dir-se-ia como tu disseste ao vê-los:
O lindo ser dos vossos olhos belos.
VI
Mas – ai de mim! – tu não me vês senão
Nos pensamentos teus de amante ausente,
E sorrindo talvez, sonhando em vão,
Trás o abanar do leque levemente;
E, sem pensar,
Em teu sonhar
Iras talvez dizendo sempre ao vê-los:
O lindo ser dos vossos olhos belos,
VII
Enquanto o meu espírito se debruça
Do meu pálido corpo sucumbido,
Ansioso de saber que falas usa
Teu amor p'ra meu espírito ferido,
Poeta, vem Mostrar bem
Que amor trazem aos olhos teus desvelos
– O lindo ser dos vossos olhos belos.
VIII
Ó meu poeta, ó meu profeta,
quando Destes olhos louvaste o lindo ser,
Pensaste acaso, enquanto ias cantando,
Que isso já estava prestes de morrer?
Seus olhares Deram-te ares
De que breve podias não mais vê-los,
O lindo ser dos vossos olhos belos.
IX
Ninguém responde.
Só suave, defronte,
No pátio a fonte canta em solidão,
E como água no mármore da fonte,
Do amor p'ra a morte cai meu coração.
E é da sorte
Que seja a morte
E não o amor, que ganhe os teus desvelos
– O lindo ser dos vossos olhos belos!
X
E tu nunca virás?
Quando eu me for
Onde as doçuras estão escondidas,
E onde a tua voz, ó meu amor,
Não me abrirá as pálpebras descidas,
Dize, amo meu, "O amor, morreu!"
Sob o cipreste chora os teus desvelos
– O lindo ser dos vossos olhos belos.
XI
Quando o angelus toca à oração,
Não passarás ao pé deste convento,
Lembrando-te, a chorar, do cantochão
Que anjos nos traziam do firmamento?
No ardor meu Eu via o céu
E tu: "O mundo é vil, ó meus desvelos,
Ao lindo ser dos vossos olhos belos?"
XII
Devagar quando, do palácio ao pé,
Cavalgares, como antes, suave e rente,
E ali vires um rosto que não é
O que vias ali antigamente,
Dirás talvez
"Tanta vez Me esperaste aqui, ó meus desvelos
Ó lindo ser dos vossos olhos belos!"
XIII
Quando as damas da corte, arfando os peitos,
Te disserem, olhando o gesto teu,
"Canta-nos, poeta, aqueles versos feitos
Àquela linda dama que morreu",
Tremerás? Calar-te-ás?
Ou cantarás, chorando, os teus desvelos
– O lindo ser dos vossos olhos belos?
XIV
"Lindo ser de olhos belos!"
Suaves frases
E deliciosas quando eu as repito!
Cem poesias outras que cantasses,
Sempre nesta a melhor terias dito.
Sinto-a calma Entre a minha alma
E os rumores da terra ?
pesadelos: – O lindo ser dos vossos olhos belos.
XV
Mas reza o padre junto à minha face,
E o coro está de joelhos todo em prece,
E é forçoso que a alma minha passe
Entre cantos de dor, e não como esse.
Miserere P'los que fere O mundo,
e p'ra Natércia, os teus desvelos -
O lindo ser dos vossos olhos belos.
XVI
Guarda esta fita que te mando (Tirei-a dos cabelos para ti). Sentir-te-ás, quando o teu choro arda,
Acompanhado na tua dor por mim;
Pois com pura Alma imperjura
Sempre do céu te olharão teus desvelos
- O lindo ser dos vossos olhos belos.
XVII
Mas agora, esta terra inda os prendendo,
Desses olhos o brilho é inda alado...
Amor, tu poderás encher, querendo,
Teu futuro de todo o meu passado,
E tornar A cantar A outra dama ideal dos teus desvelos:
O lindo ser dos vossos olhos belos.
XVIII
Mas que fazeis, meus olhos, ó perjuros!
Perjuros ao louvor que ele vos deu,
Se esta hora mesmo vos não mostrais puros
De lágrima que acaso vos encheu?
Será forte
Choro ou morte
Se indignos os tornar de teus desvelos
- O lindo ser dos vossos olhos belos.
XIX
Seu futuro encherá meu 'spírito alado
No céu, e abençoá-lo-ei dos céus.
Se ele vier a ser enamorado
De olhos mais belos do que os olhos meus,
O céu os proteja,
Suave lhes seja
E possa ele dizer, sincero, ao vê-los:
- O lindo ser dos vossos olhos belos.
02-a) O soneto de Camões que inspirou a poetisa inglesa:
QUEM VÊ, SENHORA...
Quem vê, Senhora, claro e manifesto
O lindo ser de vossos olhos belos,
Se não perder a vista só com vê-los,
Já não paga o que deve a vosso gesto.
Este me parecia preço honesto;
Mas eu, por de vantagem merecê-los,
Dei mais a vida e alma por querê-los,
Donde já me não fica mais de resto.
Assim que a vida e alma e esperança,
E tudo quanto tenho tudo é vosso;
E o proveito disso eu só o levo.
Porque é tamanha bem-aventurança
O dar-vos quanto tenho e quanto posso,
Que quanto mais vos pago, mais vos devo.
03) O soneto do cearense José Albano parece reportar-se ao próprio Camões, traçando o seu perfil existencial e espiritual:
SONETO I
Poeta fui e do áspero destino
Senti bem cedo a mão pesada e dura.
Conheci mais tristeza que ventura
E sempre andei errante e peregrino.
Vivi sujeito ao doce desatino
Que tanto engana mas tão pouco dura;
E inda choro o rigor da sorte escura,
Se nas dores passadas imagino.
Porém, como me agora vejo isento
Dos sonhos que sonhava noute e dia
E só com saudades me atormento;
Entendo que não tive outra alegria
Nem nunca outro qualquer contentamento,
Senão de ter cantado o que sofria.
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FONTE: BLOG DA UBE-RN (21.5.2013)
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