Os bobos
Hannah Arendt (1906-1975) nasceu em Hannover, Alemanha. Doutorou-se em Heidelberg, em 1928. Judia, perseguida pelo cabo Hitler (1889-1945) e sua patota, foi, em 1933, viver em Paris. Em 1941, teve de fugir para Nova York. Professora e filósofa, suas obras magnas talvez sejam “A origem do totalitarismo” (1951) e “A condição humana” (1958).
Já em 1961, Hannah Arendt foi enviada a Israel, a serviço da revista The New Yorker, para cobrir o julgamento do nazista Adolf Eichmann (1906-1962), militar membro da SS e um dos encarregados do Holocausto. Daí surgiu o seu livro/tese “Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal”, publicado em 1963. Basicamente, para Arendt, Eichmann (e, de resto, a imensa maioria dos nazistas) não pensava, apenas macaqueava as insanidades/bobagens a serviço daqueles que estavam mais acima no poder. Ela enxergava, nessa atitude irrefletida, o que torna homens bobos tão perigosos. Muito perigosos. A morte de milhares (ou mesmo de milhões) de pessoas não sensibiliza os homens/administradores banais.
E se isso se deu na Alemanha nazista, algo parecido sucedeu no Brasil dos últimos tempos: os bobos, a ignorância, orgulhosos, no poder e nas ruas. Nossa “sorte” é que, embora a duras penas, com a imprensa livre e a ciência, esses loucos e bobos no poder estão sendo hoje rapidamente desmascarados.
Todavia, ainda há muitos bobos nas ruas e nas redes sociais. Existem aos montes. Embora insignificantes do ponto de vista individual, nestes tempos tão difíceis, em que lutamos contra um inimigo invisível, mas que tem nome e sobrenome, eles continuam, pelo efeito manada, consideravelmente perigosos. Sobretudo porque espalham loucura e inverdades.
Os casos das bizarras carreatas contra o isolamento social mostram bem isso. Bobos na rua, cantando e dançando segurando caixões, celebrando sei lá o que, enquanto dezenas de milhares de pessoas morrem mundo afora, é tão perigoso quanto parece ser. E bloqueios de ambulâncias, na Av. Paulista, com um caos sanitário instalado na maior cidade do nosso país, é mais perigoso do que parece ser. O que é isso? Uma nova banalidade do mal?
As fakes news, divulgadas e repetidas incessantemente, são um outro gravíssimo problema. Prejudicam demais. Em tempos de pandemia, em que precisamos de informações confiáveis – e não drogas como panaceias – são um crime contra a nossa humanidade. A ciência ou literatura do print (de WhatsApp) seria apenas ridícula se não fosse trágica. E aqui tem bobos e bobos. O bobo maldoso (que sabidamente esconde seus interesses financeiros por detrás dos clichês) e o bobo só bobo. Mas ambos são perigosos, registro.
Acredito que é responsabilidade dos homens de bem lutar contra tudo isso. Uma luta cívica, sanitária e de sanidade. Até porque, quando “libertarmos Paris”, saberemos quem foram os resistentes e quem foram os colaboracionistas.
Por fim, para desanuviar um pouco a coisa, vou encerrar com uma história/anedota que se conta a respeito de Napoleão Bonaparte (1769-1821). Consta que o grande general, cônsul e, depois, Imperador dos franceses, teria dito: “dê-me um homem inteligente e com iniciativa, farei dele meu general; dê-me um homem bobo e sem iniciativa, farei dele meu soldado; mas um homem bobo e com iniciativa, eu quero longe do meu exército”. Os loucos e bobos não servem para nada. Nem para cabo, nem para capitão.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
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