BULA MEDICAMENTOSA
Valério Mesquita*
Jesus
Cristo, o amado mestre, falava através de parábolas. O ser humano comum, quando
muitas vezes quer dizer uma verdade, escreve por linhas tortas. Esse preâmbulo
indefectível vem esbarrar num assunto que desejo abordá-lo via deduções
preterintencionais, comparativamente a uma bula medicamentosa. Repleta de
disse-me-disse. Falo do famigerado coeficiente eleitoral, a mais afiada faca de
dois gumes do processo eleitoral brasileiro. Modelo injusto e antidemocrático,
que eleva ao podium o lanterninha em detrimento do mais votado. O resultado,
muitas vezes, de uma eleição, não reflete a manifestação da maioria, principio
fundamental de qualquer processo decisório.
O
escorre das votações ou proclamação de resultados, em qualquer atividade
institucional ou não, baseia-se na lógica numeral dos sufrágios. Nos plenários
do Legislativo, do Judiciário, dos Tribunais de modo geral, no placar das
competições esportivas, no Vaticano, no sindicato, na OAB, no ABC, no grêmio
escolar, enfim, em qualquer seguimento coletivo a expressão dos mais sufragados
- é a respeitada. Até a lei de Gerson é a da vantagem. Somente o processo
eleitoral brasileiro é liquidificado, diluído, triturado, para inverter e
subverter a escolha popular que deu três mil votos a um candidato mas o que se elege
é aquele dos quinhentos. Acho perverso esse sistema. A maioria dos pequenos
partidos que abunda o elenco eleitoral é useira e vezeira na prática de
registrar candidatos fajutos apenas com o intuito de alimentar a legenda.
O
coeficiente eleitoral, assim, é semelhante a bula medicamentosa. Esta tem
efeitos colaterais pois ofende a todo organismo da eleição. Elege quem não
devia. Retira do eleitor a primazia de escolher o melhor, retirando do túmulo
do processo o opaco e o onomatopaico. Envia para a casa do povo o que não deve
ir – o lôgro. Verifique o resultado das urnas, à luz mortiça das reações
adversas que o coeficiente eleitoral tem provocado nos legislativos de modo
geral só para atender ao cálculo equivocado que premia o caricato partido
político e derruba o valor pessoal, humano, valorativo e majoritário do
candidato. Ainda dentro da posologia sobre o assunto as minhas precauções residem
no fato de entender que o homem deve ficar acima da agremiação. A proliferação
das legendas têm trazido mais problemas para a democracia do que o político
solitário. Afinal, o mensalão, o lava jato e outros escândalos foram obras da
proliferação de partidos nanicos.
A
superdosagem de corticóide no coeficiente eleitoral mascara o exercício da
democracia. Além de alarmante, a sua aplicação penaliza, deturpa a face das
urnas, a liquidez da escolha, a lisura da lei. Vamos construir um Brasil
eleitor. Respeitando o direito da maioria do povo e não o artifício matemático,
algébrico, trigonométrico do computador eleitoral. O voto é algo numeral e
ordinal. Sentar na cadeira do eleito o menos votado é invenção escabrosa. É
gambiarra, “morcego” e tapeação. Voto é maioria e não medicamento controlado e
manipulado. Tarja preta para o coeficiente eleitoral! Aceito tudo o que for
eletrônico numa eleição menos o coeficiente digitalizado porque nega o direito
da maioria
(*) Escritor.
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