A VIDA É UM SOPRO
Valério Mesquita*
A
simplicidade de Oscar Niemeyer era contagiante. Fez-me pegar a caneta como eu
gosto e me habituei e passar a escrever ao sabor da emoção. Ateu mas tão
socialista na oferta como Francisco de Assis. Agnóstico mas tão sábio quanto
Agostinho. Reconhecido mundialmente no traço e no poder do concreto quanto
Paulo nas planetárias epistolas: lógico e conciso. Tão comunista, quanto
cristão na concepção arquitetônica de igrejas e capelas pelo Brasil afora.
Humilde, acessivo e carismático tanto quanto João Paulo II na arte de
conquistar o povo de Deus pelo olhar de plenitude e fragilidade. Niemeyer foi
maior que qualquer rei do rock, do rap, dos ricaços de qualquer conglomerado
empresarial neste país. Isso tudo porque foi um simples, que viveu, amou, se
divertiu e se deu a respeito. Nunca ninguém leu o seu nome envolvido em
falcatruas em meio a tantas criações e obras em governos mil.
Limpo
e feliz, criativo e dedicado, suavizou o concreto e até a morte, nunca dela
falando mesmo a vida se esvaindo. Inspirou-se no mestre Le Corbusier. Brasília,
de parceria com Lúcio Costa, ele é o cara e o coroa quando expirou agora aos 104
anos. Postava-se tímido, fumante (vejam só), gostava do romance mas na
arquitetura era instintivo. Falava em Deus mas não acreditava em religião. Já li esse
fato em entrevista que concedeu. Claro que foi maior que sua arte. Falava em
céu, firmamento, estrelas, tudo criado pelo Supremo Arquiteto do Universo,
enquanto ele “o maior arquiteto do Brasil e um dos melhores do mundo”. Neste
último conceito o seu estilo foi inimitável, único e incomparável.
Oscar
Niemeyer possuía o dom de viver, daí a longevidade: sem ostensividade, vaidade
ou vã glória. Laureado em todo o mundo, mas avesso as homenagens. Quando se
sentiu ameaçado no regime militar auto
exilou-se em Paris. Não
conspirou, não ameaçou nem foi terrorista. Apenas, confiava no comunismo como
na sua arquitetura. Ficará conhecido e perenizado pela arte e não pela crença
política. Mesmo assim, dava-se a respeito, mais do que muitos que a
professaram. Sua morte foi lamentada em todo mundo. Estados Unidos, Inglaterra,
França, Israel, Espanha entre outros paises, ele deixou um legado de obras
cativantes, admiradas pela tipicidade e a “curva livre e sensual das suas
linhas”.
Mas,
a chama inapagável de Niemeyer não se notabilizou tão somente no milagre que
esculpiu com a linha reta embelezando as curvas de tantas edificações. Embora
centenas, todavia, dezenas de suas criações ao vivo ou à cores pela TV e fotos
eu já admirava. Fui, exatamente, me emocionar com a simplicidade cósmica desse
personagem. Famoso, rico honestamente – frise-se – no entanto, pacífico,
modesto, recatado, ciente de sua transitoriedade. Enfim, um cristão sem reza,
oração, igreja ou templo. Um pintor de arcos voltaicos, de auroras boreais, de
crepúsculos planaltinos, de galáxias estrelares, com um pincel singelo, a
pobreza de um proletário, revolucionário, vidente, vermelho mas suave no canto
e na voz. Uma personalidade marcante para não ser esquecida que tinha no crayon
o sentimento do mundo, apesar da “vida ser um sopro”, como dizia.
(*) Escritor.
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