Seriados jurídicos
Como já disse aqui certa vez, adoro seriados de TV. E a razão disso
está, para além da qualidade do seriado em si, na curta duração de cada
episódio, ao algo em torno de quarenta e cinco minutos, bem mais curto
que o normal dos filmes, o suficiente para gostarmos da estória sem
cansar. Some-se a isso que cada episódio, diferentemente do que se dá
com aquilo que chamamos de séries e com as novelas, é um mundo em
miniatura para se viver, com começo, meio e fim.
Em razão da minha formação, tenho um especial interesse por aquilo
que vou chamar de “seriados jurídicos”, cujos enredos têm considerável
ligação com o mundo e as profissões do direito. Nesses seriados, as
estórias se passam, pelo menos em parte (já que o aspecto “policial” e
mesmo pessoal da estória muitas vezes também é relevante para o
seriado), perante uma corte de justiça em funcionamento ou em torno de
algum escritório de advocacia, com juízes, promotores, advogados,
testemunhas e partes realizando suas performáticas peripécias jurídicas.
Frequentemente, temos uma tensão entre a falibilidade do sistema ou da
“justiça humana” e a noção do que é a verdadeira Justiça. E muitas vezes
misturam-se dramas pessoais, claro. No mais, as coisas variam bastante:
os enredos dos seriados e de cada episódio podem focar o réu/criminoso,
a vítima, o advogado brilhante, o promotor que busca incessantemente a
Justiça, o juiz justo, o controverso instituto do júri, o procedimento
judicial em si, o crime praticado, a questão civil tratada e por aí vai.
Acho que dando um exemplo vocês vão entender direitinho do que eu estou falando.
E o exemplo mais conhecido de um seriado jurídico é, acredito eu,
“Law & Order” (“Lei & Ordem”, entre nós), criado em 1990, acerca
o qual, estou certo, já escrevi aqui. De enorme sucesso, classificada
como drama, com selo de criação de Dick Wolf (1946-) e transmitida em
princípio pela NBC, “Law & Order” apresenta as histórias/estórias da
Polícia e da Promotoria de Justiça (que, na Justiça criminal, como se
diz no início de cada episódio, representariam o povo) na solução de
complexos casos policiais/judiciais. Invariavelmente, a primeira parte
do episódio é dedicada ao tratamento policial do crime. Em um segundo
momento, foca o trabalho dos promotores (interagindo com os policiais,
advogados e juízes), com seus dilemas e suas lutas, geralmente bem
sucedidas (mas nem sempre), para realizar aquilo que entendem por
Justiça criminal. Batendo recordes de longevidade, de tão lucrativa
(fala-se em cerca de 1 bilhão de dólares de receita ao ano), a franquia
“Law & Order”, à semelhança de outras marcas (como CSI), já gerou
vários seriados derivados nos EUA (“Law & Order: Special Victims
Unit” e “Law & Order: Criminal Intent”) e em outros países. O Reino
Unido (com “Law & Order: UK”) e a França (com “Paris Enquêtes
Criminelles”) são exemplos disso, assim como o Brasil, com “Na Forma da
Lei”, produzido pela Rede Globo. Com as belas Luana Piovani e Ana Paula
Arósio nos papéis principais, a variante brasileira não deu certo
(talvez pela beleza das citadas, que não combina com crimes) e findou-se
com apenas oito episódios.
Embora os seriados jurídicos levem algumas vezes a visões
equivocadas sobre a realidade do sistema judicial de dado país e do
direito como um todo (afinal, eles são, essencialmente, obras de
ficção), eles são muitíssimo apreciados – as suas enormes audiências e o
número cada vez maior de seriados do tipo em exibição hoje mostram bem
isso – tanto por leigos como por aqueles que possuem formação jurídica. E
mesmo sendo obras de ficção, se assistidos com um mínimo de senso
crítico, eles são de alguma forma instrutivos para os profissionais do
direito. Eu mesmo, quando estava fazendo meu PhD no Reino Unido, no
King's College London – KCL, assisti e aprendi com “Law & Order:
UK”, a versão adaptada (em 2009) do seriado, como o próprio nome diz,
para o Reino Unido. Por exemplo, apesar das inconsistências com a
realidade (é mais estória do que história, reitero), ela me fez aprender
bastante sobre o mundo judiciário daquele país, sua história e,
sobretudo, sua geografia, ao mostrar alguns dos mais belos prédios de
Londres (da “Legal London”, como as Royal Courts of Justice, as Inns of
Courts e a Old Bailey), prédios que, quase todos os dias, passava em
frente para admirar.
Bom, retomando uma antiga sugestão a mim dada pelo nosso grande
crítico de cinema Valério Andrade, minha ideia é, a partir de hoje,
embora intercalando com outros temas (para não ficar massante), escrever
sobre alguns – muitos, na verdade – seriados jurídicos. Já tenho até
uma lista dos meus indicados, incluindo alguns de gosto duvidoso (ou que
talvez apenas não sejam do meu estilo), que elaborei parte de memória,
parte com a ajuda de um livrão, intitulado “1001 TV Shows You Must Watch
Before You Die” (Editor Paul Condon, Universe Publishing, 2015), que,
pesadamente, caiu em minhas mãos. Ei-los: “Perry Mason” (USA, exibido
originalmente de 1957-1966), “Rumpole of the Bailey” (UK, 1978-1992),
“Night Court” (USA, 1984-1992), “L. A. Law” (USA, 1986-1994), “Law &
Order” (USA, 1990-2010), “Murder One” (USA, 1995-1997), “Arrested
Development” (2003-2013), “Boston Legal” (USA, 2004-2008), “Mandrake”
(Brasil, 2005-2007 e 2012), “Garrow's Law” (UK, 2009-2012), “Accused”
(UK, 2010-2012), “Vampire Prosecutor” (Coreia do sul, 2011-2012), “Silk”
(UK, 2011-2014), “Suits” (USA, 2011-), “Ray Donovan” (USA, 2013-), “How
to Get Away with Murder” (USA, 2014-) e “Better Call Saul” (USA,
2015-).
Vocês vão gostar, acredito. Se não dos meus textos, pelo menos dos seriados que vou comentar.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP |
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