Sobre John Grisham (I)
Já escrevi aqui, mais de uma vez, sobre romances e filmes “jurídicos”, ou seja, sobre obras de ficção que, de alguma forma, abordam questões relacionadas ao direito, variando essa abordagem, consideravelmente, a depender da obra analisada, em termos de intensidade e de estilo. A literatura e o cinema, de fato, têm tomado emprestado do direito muitos dos seus temas, das suas personagens e da sua dramaticidade. Há uma imensa variedade de temas jurídicos que tanto a literatura como o cinema fazem uso: justiça, sistema judicial, profissões jurídicas, crimes não explicados, homicídios, sequestros, fraudes, corrupção, disputas por terras, heranças contestadas, separações tumultuadas e por aí vai. Há também as personagens “jurídicas”, os policiais, advogados, promotores, juízes, partes, criminosos e testemunhas, em torno das quais gira toda a estória narrada. E, por fim, há a dramaticidade que o mundo do direito, sobretudo a aquilo que se passa teatralmente em um tribunal ou numa banca de advogados, empresta à literatura e ao cinema. Trata-se de uma das relações mais fecundas para a arte ocidental (a relação literatura/cinema/direito), bastando lembrar, como já fiz certa vez aqui, para exemplificar essa relação, entre os clássicos, “O mercador de Veneza” (1596) e “Medida por Medida” (1603) de Shakespeare (1564-1616), “A casa sombria” (1853) de Dickens (1812-1870), “Crime e castigo” (1866) de Dostoiévski (1821-1881), “O processo” (1925) de Kafka (1883-1924), “O Sol é para Todos” (1960) de Harper Lee (1926-) e, mais recentemente, os muitos romances (com adaptações para o cinema) de Scott Turow (1949-) e John Grisham (1955-).
Hoje (e no artigo da semana que vem, provavelmente) vou escrever sobre o último dos autores acima referidos, John Grisham, que, com formação jurídica e experiência como advogado e homem público, faz uso – e muito bem – dessa relação literatura/cinema/direito.
John Ray Grisham Jr. nasceu em 1955, na pequena cidade de Jonesboro, no estado americano do Arkansas. Graduado pela Mississippi State University e pela University of Mississippi School of Law (1981), Grisham foi advogado militante por mais de uma década, com especialização no direito criminal. Na política, representando o Partido Democrata, foi membro da “House of Representatives” do estado do Mississippi de 1984 a 1990, sendo, ainda hoje, um reconhecido ativista político. Seu primeiro livro, “Tempo de matar” (“A Time to Kill”), após ser rejeitado por dezenas de editoras, foi finalmente publicado em 1989 com uma modesta tiragem. Seu primeiro best-seller foi “A Firma” (“The Firm”), de 1991, que vendeu alguns milhões de cópias. Seu livro seguinte, “O Dossiê pelicano” (“The Pelican Brief”), de 1992, vendeu mais de uma dezena de milhões de cópias só nos Estados Unidos da América. A partir daí, foi só sucesso, sendo Grisham, seguramente, um dos escritores mais lidos dos EUA. Mundialmente, não deixando por menos, o conjunto dos seus livros, traduzidos para algumas dezenas de línguas, já vendeu mais de 300 milhões de cópias.
John Grisham é, de par com o já referido Scott Turow, um dos protagonistas do boom de livros e filmes jurídicos da década de 1990, boom esse que continua a mostrar sua força nestas primeiras décadas do século XXI. O rol dos seus “legal thrillers” – escritos, segundo ele, em apenas seis meses – é quase sem fim: “Tempo de matar” (“A Time to Kill”, 1989), “A Firma” (“The Firm”, 1991), “O Dossiê pelicano” (“The Pelican Brief”, 1992), “O Cliente” (“The Client”, 1993), “A Câmara de Gás” (“The Chamber”, 1994), “O Homem que Fazia Chover” (“The Rainmaker”, 1995), “O Júri” (“The Runaway Jury”, 1996), “O Sócio” (“The Partner”, 1997), “O Advogado” (“The Street Lawyer”, 1998), “A Confraria” (“The Brethren”, 2000), “A Intimação” (“The Summons”, 2002), “O Rei das Fraudes” (“The King of Torts”, 2003), “O Último Jurado” (“The Last Juror”, 2004), “O Recurso” (“The Appeal”, 2008”), “O Negociador” (“The Associate”, 2009), “A Confissão” (“The Confession”, 2010), “Os Litigantes” (“The Litigators”, 2011), “O Manipulador” (“The Racketeer”, 2012), “A Herança” (“Sycamore Row”, 2013), “O Dilema” (“Gray Mountain”, 2014) e o recentíssimo “Rogue Lawyer” (2015), entre outros. A partir de 2010, curiosamente, Grisham inicia uma série de “legal novels” direcionada para crianças e adolescentes, protagonizada pelo jovem Theodore Boone, com títulos como “Theodore Boone: Kid Lawyer” (2010), “Theodore Boone: The Abduction” (2011), “Theodore Boone: The Acussed” (2012), “Theodore Boone: The Activist” (2013) e “Theodore Boone: The Fugitive” (2015), um nicho certamente com grande potencial para exploração.
Sem dúvida, a grande maioria dos livros e dos filmes (refiro-me aqui aos filmes com roteiros adaptados dos seus livros) de John Grisham são tipicamente pertencentes às categorias das “legal novels” (mais especificamente, dos “legal thrillers”) e dos “legal films”, isto é, dos romances e filmes cujos enredos têm considerável ligação com o direito (mas nem todas as obras dele, é importante isso ficar claro). São livros e filmes com estórias se passando (em boa medida) no ambiente de uma banca de advogados ou perante uma corte de justiça em pleno funcionamento, com advogados, promotores, juízes, policiais, testemunhas, partes e familiares envolvidos, entre outros, realizando performáticas peripécias (para)jurídicas. Em regra, como pano de fundo filosófico, tem-se a tensão entre a falibilidade do sistema (ou da “justiça humana”) e a noção do que é a verdadeira Justiça. Desse ponto em diante, as coisas variam: os enredos podem focar o réu, a vítima, o advogado brilhante ou ingênuo, um escritório de advogados, uma confraria, um professor renomado, o promotor que busca incessantemente a Justiça, o juiz “justo”, o controverso instituto do júri, um dossiê, uma herança e por aí vai.
Registre-se, antes de terminar, que também é abundante a produção de filmes “jurídicos” com a marca de John Grisham, nos quais ele é, entre outras coisas, o responsável pelo roteiro adaptado. E sobre esses filmes, se Deus permitir, tratarei na semana que vem, escolhendo um deles para dar meus pitacos (de amador) sobre sua qualidade, sobre sua fidelidade ao direito e sobre o quão divertido ele é. Marcelo Alves Dias de Souza Procurador Regional da República Doutor em Direito pelo King’s College London – KCL Mestre em Direito pela PUC/SP |
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário