12 fevereiro 2016CENAS DO CAMINHO - Violante Pimentel
ÁGUA GELADA
Adriane,
adolescente de 16 anos, filha de Adriano Pimentel e neta de Francisco Bezerra e
dona Lia, morava no Rio de Janeiro. Anualmente, vinha com os pais e irmãos,
passar férias em Nova-Cruz (RN). Sob o sol causticante de uma segunda feira, a
moça observou que os feirantes se abrigavam em barracas com cobertura de lona,
para fugir do mormaço. Tomavam muita água, tirada de garrafas ali expostas, em
temperatura natural. A moça tinha espírito empreendedor e, de repente, disse
para si mesma que iria ficar rica, ali naquela terra.
A
quantidade de pessoas circulando na feira era imensa. Umas vendiam, outras
compravam, sob um sol causticante, sem terem acesso à água gelada. Cheia de
sonhos, a adolescente teve uma grande ideia: Iria vender água gelada na feira,
e, certamente, os matutos iriam ser seus fregueses. Iria ganhar seu primeiro
dinheirinho, vendendo água na feira de Nova-Cruz!!! Trabalharia por conta
própria!!! Então, pediu de presente ao tio-avô, Paulo Bezerra, um garrafão
térmico de cinco litros, para colocar água gelada, e contou-lhe a sua
pretensão:
–
Tio Paulo, eu vou vender água na feira! Aquele povo passa o dia todo nas
barracas, debaixo de um sol infernal, todos sedentos e suados. Não dispõem de
água gelada para matar a sede. Então….quem sabe, eu vendo água e faturo um
“dindim”. Vou ficar rica!!!
Paulo
Bezerra, achando interessante a ideia, forneceu-lhe o garrafão. No dia da feira
municipal, segunda-feira, Adriane acordou bem cedinho, encheu o garrafão de 5
litros com água, colocou uma caçamba de gelo dentro e lá se foi, bela e
faceira, imaginando os cifrões que ganharia no final da manhã, na feira de Nova
Cruz. Muito desinibida, saiu gritando pela feira, com o seu sotaque carioca:
– Olha a água gelada, fresquinha… 1
cruzeiro o copo!!!
A
moça subia a rua da matriz, descia pelo outro lado, voltava ao início da feira,
sempre gritando o mesmo jargão:
–
Olha a água gelada, fresquinha, 1 cruzeiro o copo!!!
Uma
hora de trabalho e nenhum copo d’água vendido; duas horas, e nada; três horas,
e nada. Lá pelas 11:30, com o garrafão quase vazio, bebido por ela mesma, e
frustrada com seu negócio fracassado “liminarmente”, a adolescente entrou no
armazém do avô Francisco Bezerra, que ali se encontrava com Dona Lia, a avó,
desconhecendo totalmente a astúcia da neta. Jamais, o próspero comerciante
admitiria que uma neta sua vendesse água na feira! Dona Lia perguntou à moça o
que estava fazendo com aquele garrafão térmico no ombro, ao que ela respondeu:
–
Estou vendendo água gelada, vovó! Pensei que fosse ficar rica aqui na feira de
Nova-Cruz! Mas, mesmo com um calor horrível, o povo não tem coragem de comprar
um copo de água gelada!!! Quem bebeu a água quase toda fui eu mesma!!!
Todas
as pessoas que se encontravam no armazém sorriram muito, menos o avô Francisco
Bezerra, que ficou indignado ao saber da iniciativa da neta. Para ele, não
passava de uma “traquinagem”!!!
Sentindo-se
incomodada com a risadaria das pessoas que ali se encontravam, a adolescente
protestou irritada:
–
Por que vocês estão zombando de mim?
Dona
Lia, a avó, às gargalhadas, respondeu:
– Minha filha, o povo do mato não
sabe nem o que é água gelada. A maioria não tem geladeira, que é produto de
luxo. Mesmo quem pode comprar, não gosta de água gelada, por causa da dor que
dá nos dentes cariados.
Decepcionada,
Adriane saiu cabisbaixa, com seu garrafão já vazio, cuja água fora usada para
matar sua própria sede. Não entendia porque, num mormaço daquele, um matuto não
admitia tomar água gelada. Maior do que o calor e a sede, devia ser o medo da
tal dor de dente!!!
E
a ideia de vender água gelada na feira morreu aí…
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