1969
- Um corso na Avenida Deodoro
Elísio Augusto de Medeiros e Silva
Empresário, escritor e membro da AEILIJ
elisio@mercomix.com.br
A alegria não tinha limites! A Avenida
Deodoro era um mar de foliões. Ao lado do Cine Rio Grande, os automóveis de
praça não estavam no seu posto, na Praça Pio X.
A avenida era somente carnaval! As
serpentinas cortavam o ar e enchiam as calçadas e a rua. Os automóveis, enfileirados,
circulavam devagarzinho, fazendo o percurso do corso que ia até o final da
Avenida – perto da Rádio Poti.
As buzinas fonfonavam. O cheiro de
lança-perfume estava no ar. Um grupo de animados foliões passava com uma
corneta arrebentando os tímpanos de quem estava mais perto. Mas ninguém
reclamava do barulho.
Os ladrilhos das calçadas estavam totalmente
cobertos de serpentinas, confetes e papéis picados – um tapete de alegria! Por
toda parte, o som dos pandeiros, chocalhos e cuícas.
A multidão observava o desfile momesco e
dançava, suava e gritava, em meio ao som dos reco-recos e das matracas. Os cordões
de foliões se sucediam nas calçadas repletas de pessoas.
Na esquina da Rua João Pessoa várias crianças
e adolescentes, trepados nos muros do antigo casarão de Moisés Soares, molhavam
os foliões com suas bisnagas d’água. Vez ou outra, alguém não gostava da
brincadeira e reclamava – não adiantava – ganhava uma vaia grande e outro banho
de água.
Foliões bêbados, outros fantasiados, dançavam
ao som das marchinhas carnavalescas dos blocos de elite que desfilavam. O corso
movimentava-se vagarosamente, mas não parava.
Os automóveis e jipes vinham lotados – alguns
de capotas arriadas, com os foliões sentados de pernas para fora. De vez em
quando, um desses pulava do veículo e dançava sem a menor inibição.
Pierrots, colombinas, arlequins, odaliscas –
tinha de tudo.
À medida que a noite se aproximava, a
animação crescia. O povo cantava em uníssono:
“Quando eu morrer,
Não quero choro, nem vela.
Quero uma fita amarela,
Gravada com o nome dela”.
Umas garotas bonitas, de saiotes curtinhos,
eram uma das atrações daquela noite de carnaval. Na frente do grupo, um rapaz
vestido de bebê, com fraldas e chupando “bubu”. No seu pescoço, pendurava-se
uma grande mamadeira. Claro que tinha bebida em seu interior.
De qualquer lugar da avenida escutava-se a
cuíca, surda e triste. Os tamborins batiam ritmados e os trombones gritavam com
força.
E o grupo de moças bonitas continuava
dançando, rodando com o saiote curto, mostrando as pernas bem-feitas – um show
de sensualidade. De mãos dadas, unidas, em meio à multidão, quase não se
distinguia uma da outra... pareciam iguais.
Mesmo a noite, o calor era imenso. Os ambulantes
estavam por toda parte, oferecendo refrescos, refrigerantes, cervejas,
sanduíches, pastéis, cachorros-quentes... havia comida para todos os gostos.
De repente, no auge da euforia coletiva,
choveu. Choveu grosso. Alguns se abrigaram nas marquises do Cine Rio Grande, na
“Palhoça”, outros na casa de conhecidos. Mas, a maioria não deu a menor
importância. “Passa já! Passa já!”. Diziam alguns.
Contudo, a chuva de verão persistiu – ora
mais forte, ora mais fraca. Depois de meia hora, todos que permaneceram na
avenida estavam molhados. Algumas fantasias largaram a tinta, nos rostos
despencavam as maquiagens, as roupas encharcadas. Mas, nenhum deles pareceu se
incomodar e a festa de momo prosseguia com a mesma agitação.
As batalhas de confetes e lança-perfumes
tornavam-se mais intensas. Vez ou outra passavam os blocos de elite (Jardim de Infância, Xafurdo, Apaches...)
com suas bandas e alegorias, animando ainda mais.
Os tratores que puxavam os carroções iam bem
devagar, parecendo não querer concluir o trajeto do corso. Ou será que queriam
que o carnaval demorasse mais?!
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